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Crônica: Fim – Laura Vasconcelos de Barros

Teve um ano aí que acabou, né? Não sei dizer se foi ontem, anteontem ou há dois anos, sei que ele acabou. Acabou tímido, à meia-noite, foi assim apagando como vela quando finda a cera, como sabonete que escorrega no corpo até ficar pequeninho. Aí ele acabou. E quando acabou foi uma festa: As pessoas se beijaram, se abraçaram, gritaram na varanda e soltaram fogos. Esse ano que acabou foi difícil, merecia uma despedida decente.

Quando o ano acabou, a lua apareceu encoberta entre nuvens ameaçando uma garoa fina e as estrelas sumiram por um minuto, mas logo apareceram de novo lembrando a gente que não adianta, pode até acabar o mundo, elas vão estar lá. O ano não queria acabar, foi indo embora tão aos poucos que continuou por mais um tempo, algumas pessoas estavam até preocupadas perguntando se um dia o ano ia acabar mesmo. “E se der amanhã e o ano continuar aí?”, “Mas o ano não acaba quando termina, alguns continuam.”, diziam quando se cruzavam pelas esquinas daquela última noite.

Antes do ano acabar, ele deixou uma última mensagem de voz em um aplicativo qualquer: “Vocês não vão esquecer de mim, nem daqui 30 anos. Nem quando os filhos de vocês tiverem filhos e os netos deles estiverem com cabelos brancos. Vez ou outra vão olhar pro céu e pensar ‘Lembra daquele ano?’ e todos vão responder que sim, porque sou um ano inesquecível como todas as outras coisas deveriam ser.”, disse o ano quando todo mundo pensou que era o fim. E ele tinha razão, ninguém esqueceu.

No ano que acabou, todos ficaram assustados em casa. Alguns fecharam as janelas, se fecharam em casulos, não usaram meias e nem choveu no inverno. Uma das sobreviventes do ano teve pouca coisa boa pra se lembrar: Aproveitou que o ano se aconchegou no sofá e fez um curso de roteiro com o Matheus Sousa, um diretor indie de bom coração e generosidade infinita. Aproveitou o ano para ouvir Taylor swift no quintal enquanto as bandeiras de São João balançavam no telhado. Escreveu até um filme. “Foi um bom ano, apesar de teimoso.” Disse a sobrevivente.

Aí o sol foi se pondo no fim daquele ano e as janelas voltaram a se abrir, “Um grande eclipse! Deve ser um sinal!”, gritou uma adolescente de all star amarelo e alguns sonhos dentro de uma malinha de mão. Era o fim, era o fim daquele ano. De repente, todo o céu ficou laranja e toda a esperança do mundo transbordou por entre gritos, vozes e cabelos molhados. Olha ele acabando, deu pra ver.

Dez, “Pega a champanhe!”, nove, “Lá vem outro ano!” oito, “Tá dobrando a esquina!” sete, “O Zé vem?” seis, “Cuidado com o cachorro!” cinco “Sim, ele vai embora!”, quatro, “Viu se o feijão dá pra todo mundo?” três “A aurora tá aparecendo no horizonte”, dois, “Corre, Júlia, vem ver”…

Um.

Fim.

(*) Laura Vasconcelos de Barros é Jornalista, Cronista, virginiana e miss Caipira 2001.
Blog: http://ascoisasqueavidafaz.blogspot.com

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