Fundação Abrinq mostra os reflexos da pandemia nos indicadores sociais da infância e adolescência no Brasil

Houve um aumento considerável na faixa de 0 a 14 anos que vivem em situação de pobreza. Eram 9,7 milhões em 2019 e agora são 12 milhões. – Foto: Divulgação

A Fundação Abrinq lança a edição 2022 do Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, reunindo diversos indicadores sociais, como educação, mortalidade, matrículas em creche, e violência. Com os novos dados, obtidos de fontes públicas, é possível analisar os reflexos e impactos da pandemia de Covid-19 no país.

“Extraímos os indicadores de fontes públicas e produzimos uma análise sobre eles, tornando o estudo um importante instrumento para monitorar e avaliar os avanços do Brasil no cumprimento da Agenda 2030 e até orientar decisões políticas. O nosso principal objetivo é tornar público e acessível o cenário da infância no Brasil, de forma que toda a sociedade possa compreendê-lo e cobrar mudanças”, explica Victor Graça, gerente executivo da Fundação Abrinq.

Atualmente, o Brasil tem 70,4 milhões de crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade, o que representa 33% da população total do país. Proporcionalmente, a Região Norte é a que apresenta a maior concentração de crianças e adolescentes, alcançando quase 42% da população. Mas, é na Região Sudeste onde se concentra a maior população nessa faixa etária: são quase 27 milhões de crianças e adolescentes.

Os dados de 2020 mostram que o Brasil tinha aproximadamente 61,4 milhões de pessoas vivendo com renda domiciliar mensal per capita de até meio salário-mínimo (R$ 522,50), sendo que 22,5 milhões dessas pessoas viviam com metade dessa renda (R$ 261,25).

Na faixa de 0 a 14 anos, há no país 7,7 milhões de crianças e adolescentes vivendo em situação domiciliar de extrema pobreza (renda per capita mensal inferior ou igual a um quarto de saláriomínimo).

Houve um aumento considerável na faixa de 0 a 14 anos que vivem em situação de pobreza (renda per capita mensal de mais de um quarto até meio salário-mínimo). Eram 9,7 milhões em 2019 e agora são 12 milhões.

Mortalidade

A publicação da Fundação Abrinq mostra a influência que a pandemia de COVID-19 exerceu nos óbitos maternos, que segue sendo um dos maiores desafios brasileiros para o cumprimento da Agenda 2030. De acordo com a Meta 3.1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), a razão da mortalidade materna no país precisa ser reduzida para 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos, e o que se constatou em 2020 foi justamente o contrário, o maior aumento já registrado neste indicador desde 2010. É como se o Brasil tivesse regredido uma década na prevenção dos óbitos maternos.

Em 2020, foram 67,9 mortes a cada 100 mil nascidos vivos (em 2019 eram 55,3 mortes). Porém, na região Norte esse indicador chegou a 92,2 (eram 74,3 mortes em 2019). Na região Nordeste, a taxa foi de 59,4 em 2019 para 81,3 no ano passado. A menor proporção de mortes maternas acontece no Sul, com 42,2 (em 2019 eram 38,1).

Outro indicador que chama atenção é relativo a razão da mortalidade materna. No Brasil, 67,9% desses óbitos tiveram uma causa definida, ou seja, mais de 32% das mortes maternas não foram investigadas. Apesar dos recentes aprimoramentos na capacidade de investigação das causas de óbitos, este indicador ainda sofre interferência pela subnotificação de algumas localidades.

É fundamental que esse sistema de investigação seja aprimorado para o aumento da quantidade das informações disponíveis sobre mortalidade materna, como também para que estados e municípios possam estabelecer políticas mais eficazes de assistência à mulher no planejamento familiar, durante a gravidez, no parto e no puerpério.

Já os dados relativos aos nascimentos e óbitos de crianças, no ano de 2020, demonstram queda.

Uma das explicações para esta dinâmica é a simultânea queda no número de nascidos vivos no país (menor número desde 1998). Assim, a redução na taxa de mortalidade está diretamente relacionada à queda do número de nascidos vivos.

Consultas pré-natal

Um impacto adicional da pandemia de covid-19 no Brasil, verificado a partir da divulgação dos dados parciais dos nascimentos no ano de 2020, foi a primeira queda na realização de consultas pré-natais desde o ano 2000. A percepção de risco de exposição ao vírus contribuiu para a queda da frequência das gestantes às consultas pré-natal, reduzindo a proporção de nascidos de mães que realizaram ao menos sete consultas de pré-natal.

A implantação de comitês de mortalidade infantil, por exemplo, é fundamental para entender o motivo dos óbitos maternos e infantis que poderiam ser prevenidos e, assim, propor melhorias e soluções para os municípios e estados evitarem novos casos. Consistem em uma estratégia para a melhoria da organização da saúde materna e infantil, com vistas à melhoria da qualidade dos cuidados durante a gravidez, parto, nascimento e acompanhamento durante o primeiro ano de vida, com o propósito de reduzir as mortes evitáveis, bem como contribuir com a melhoria da qualidade dos registros de estatísticas vitais — nascimentos e óbitos infantis.

Negligência e abandono

A publicação da Fundação Abrinq apresenta números de uma modalidade de maus-tratos infantis muito recorrente no país, que é pouco investigada e, até mesmo, pouco conhecida: as notificações de negligência e abandono em menores de 19 anos de idade.

A negligência compreende uma situação de constante omissão com a criança ou adolescente, colocando em risco seu desenvolvimento. Essa falta de cuidado pode atingir os direitos básicos, como fornecer educação, alimentação, higiene e remédios, ou também pela falta de afeto.

No Brasil, em 2020, quase 30 mil crianças e adolescentes estavam nesta situação, sendo que a maior parte dos casos (19.632) foi registrada nas regiões Sul e Sudeste. As regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste somam 9.714 casos.

Educação na pandemia

No Cenário da Infância e da Adolescência, de 2021, a Fundação Abrinq priorizou analisar e consolidar as informações socioeconômicas da dimensão da Educação. O impacto se deu especialmente por conta da educação à distância em escolas públicas, onde os alunos normalmente não possuem os mesmos recursos dos estudantes do ensino privado.

O ensino remoto ampliou a dimensão que as tecnologias ocupam na vida escolar dos alunos. Os dados mostram que 31,7 mil escolas da educação básica não tinham um computador em 2020, e 36,5 mil escolas que, mesmo que tivessem um computador, não possuíam acesso à rede de internet.

Agora, a exposição das condições da infraestrutura física escolar brasileira permite que sejam dimensionadas as privações que enfrentam crianças e adolescentes. Em 2020, quase 9 mil escolas (8,6 mil) informaram não ter qualquer forma de acesso à coleta de esgoto; 3,46 mil não tinham acesso a qualquer forma de distribuição de água.

Taxas de aprovação e abandono escolar

A suspensão das atividades presenciais de ensino da maior parte dos estabelecimentos brasileiros pode ter tido influência entre os indicadores de rendimento escolar, especificamente das taxas de aprovação e abandono.

Em 2020, as taxas de aprovação obtiveram crescimento em todas as etapas, aproximando-as da totalidade de matriculados sendo aprovados, com variações especialmente concentradas no ensino médio (passando de 86,1%, em 2019, para 95%, em 2020) e os anos finais do ensino fundamental (de 92,8%, em 2019, para 98,2%, em 2020).

Mesmo que a elevação das taxas de aprovação tenha contribuído para a queda das taxas de abandono, outra tendência observada com os resultados dos indicadores de rendimento de 2020 foi o aumento das taxas de abandono nos anos iniciais do ensino fundamental em 50%.

Os índices de abandono escolar no ensino fundamental, quando consideradas as redes privadas e públicas de ensino, também demonstraram inversão de tendências. A taxa de abandono na rede privada de ensino foi maior, se comparada a da rede pública.

Creches

Outro reflexo da suspensão das aulas e atividades escolares presenciais foi a inédita queda, desde o início da série histórica, em 2005, da proporção de matrículas em creches no Brasil. Em 2019 essa taxa de matrículas era de 28,6%, caindo para 27,4% em 2020 e chegando em 25,3% no ano passado. Em número absolutos, mais de 407 mil crianças entre zero e três anos de idade deixaram de ser matriculadas nesta etapa da educação infantil.

O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014, estabeleceu como meta ampliar a oferta em creches para atender pelo menos 50% das crianças de zero a três anos até o fim de 2024.

Essa meta ficou ainda mais distante de ser alcançada, já que praticamente 74% das crianças brasileiras de zero a três anos não têm acesso a creches no Brasil. A publicação da Fundação Abrinq mostra que a Região Norte apresenta as menores taxas de matrícula, com apenas 10,7%, enquanto no Sul e no Sudeste esse patamar se aproxima dos 33%.

Estudo completo

O estudo Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2022 pode ser baixado no site da Fundação Abrinq em https://fadc.org.br/sites/default/files/2022-03/cenario-dainfancia-e-adolescencia-no-brasil-2022_0.pdf

Todos os dados utilizados na publicação são de fontes públicas e ajudam a avaliar o cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, compromisso global do qual o Brasil é signatário para a promoção de desenvolvimento justo, inclusivo e sustentável até 2030.

Outros indicadores podem ser consultados no Observatório da Criança e do Adolescente, onde é possível comparar dados entre regiões, estados e municípios brasileiros, além de ser possível gerar planilhas e compartilhar as informações pesquisadas em redes sociais.

Sobre a Fundação Abrinq

Criada em 1990, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente é uma organização sem fins lucrativos que tem como missão promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes. Tem como estratégias: o estímulo à responsabilidade social; a implementação de ações públicas; o fortalecimento de organizações não governamentais e governamentais para prestação de serviços ou defesa de direitos de crianças e adolescentes.

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