Para frente, para trás ou para os lados? De pronto, explico o óbvio: caminhar para a frente é avançar na trilha, para trás é voltar, retroceder, e andar de lado significa permanecer na mesma posição, movendo os passos sem sair da linha horizontal. Essas são as direções que se apresentam como alternativas ao país nesse momento da mais simbólica disputa eleitoral da contemporaneidade.
Lula e Bolsonaro podem conduzir o país por qualquer uma dessas trilhas, afastando-se da dualidade entre o Bem e o Mal, erguendo a bandeira do progresso e da harmonia social ou seria isso um sonho? Terão envergadura para assumir compromissos com a ordem democrática e, mais que isso, a férrea determinação de inserir o Brasil na rota do futuro, meta que vai além do rol de promessas mirabolantes de campanha?
O governante que o Brasil precisa deve assumir, de maneira clara, a defesa dos preceitos constitucionais, a partir dos direitos individuais e coletivos, a liberdade de expressão e a instauração de políticas voltadas para a pluralidade, a diversidade e a causa ambiental. E preservar o que de bom já foi feito em administrações passadas.
Temos um perfil para vestir esse figurino? Vamos lá. Lula e Bolsonaro, ao longo de suas trajetórias, construíram uma identidade que gera intensa polêmica. Um e outro são adornados com as vestes do Arcanjo e do Demônio, alternando-se o traje de acordo com a origem dos trombeteiros. Ou seja, tanto um como outro trocam de posição.
A banda de Luiz Inácio o considera autêntico defensor da democracia, por sua jornada de lutas contra a ditadura e por sua identificação com as demandas das massas carentes. Hoje, ainda é visto como extensão do socialismo clássico.
Já Bolsonaro lapidou seu perfil nos fornos dos anos de chumbo, servindo ao Exército, chegando ao posto de capitão. Na política, tornou-se um ícone da direita conservadora, expressando apoio à tortura e aos torturadores. O fiel soldado extremista acabou sentado na cadeira presidencial, na esteira de escândalos que assolaram o terreiro petista.
O passado, desse modo, emerge como gigantesca sombra que acolhe ambos. Dessa textura, extrai-se a questão: não é possível passar uma borracha no passado. As pessoas mudam, mas certos valores continuam a balizar sua índole.
Tem sentido votar e/ou rejeitar um candidato por feitos ou desfeitos de ontem? Sim. Mas o passado não pode ser apenas a chave da porta do poder. Urge saber o que pensam, hoje, os contendores, sob a crença de que alguns fenômenos do passado se tornaram obsoletos.
Seria conveniente que, no momento em que duas visões bem diferentes travam feroz luta pela conquista do comando do país, os candidatos fossem avaliados por sua índole, seus compromissos, suas crenças, seus programas e, sobretudo, por sua identificação com o ideário da democracia e do Estado de Direito. Quais são as carências, potenciais e demandas das classes sociais? Quem tem as melhores ideias para proporcionar o bem-estar social?
É claro que as bandas raivosas e ensandecidas, que atuam como tuba de ressonância dos candidatos, não têm interesse em resgatar o grande discurso, em superpor o substantivo sobre o adjetivo rancoroso. O ódio, a revanche, a falsidade são armas da campanha, usadas como anzol para fisgar eleitores incautos.
Precisamos tirar da agenda os velhos cacoetes, o “nós e eles” e o “eles e nós”. Lula precisa ouvir o sussurro das ruas e entender que já não basta construir muros na sociedade ou igrejinhas para o PT. Se quer consolidar uma frente ampla em defesa da democracia, deve acenar com a bandeira da união, da paz social e do progresso. Muito cuidado com o furo do teto de gastos e o controle da imprensa, coisas que integram a cartilha lulista.
Bolsonaro não pode avocar as pérfidas ações dos tempos de chumbo, atraindo as massas com uma lengalenga que lembra a tensão da Guerra Fria, quando o lema era: “comunistas comem criancinhas”. Os tempos são outros. Jair, que se diz amigo de Vladimir Putin, deve melhorar a retórica destrambelhada e assumir postura condizente com a liturgia do cargo. Cuidado com o assistencialismo populista, herança do passado e isca de pesca eleitoral.
Luis Inácio: Venezuela, Cuba, Nicarágua ou Coréia do Norte são sistemas fracassados. Longe de serem alçados ao altar de referências. Aos dois candidatos, um conselho simples: interpretem as mensagens que o eleitor transmitiu com seu voto. Vejam que o 2º turno foi uma opção para analisar melhor os pleiteantes.
Não procurem pinçar nos recados do eleitor traços de esquerdismo ou direitismo. Classificar a comunidade política sob o prisma ideológico é um erro. As massas querem conforto, segurança, educação, serviços públicos de qualidade. Pergunte-se a um anônimo na multidão: “o senhor é de esquerda ou de direita”? Responderá com cara de espanto: “Como”? Só uma fração da comunidade é enrolada no lençol ideológico.
Este analista não quer descartar o debate internacional sobre ideologias – esquerda, direita, socialismo, Estado paquidérmico, Estado enxuto, liberalismo, social-democracia. Até é possível enxergar uma onda direitista soprando em vários recantos. Mas, nesse momento, o que está em jogo em nossas plagas é a meta de proporcionar um PNBF maior (Produto Nacional Bruto da Felicidade) para o bem da coletividade.
P.S. Queria ver pesquisas sobre a opção do eleitor – esquerda, direito, centro. Seria bem provável que apontasse para o bolso e para a barriga.
(*) Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato