Violações generalizadas e sistemáticas de direitos humanos dos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana. Essa é conclusão de um relatório da Defensoria Pública da União (DPU), realizado em parceria com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que traz 46 recomendações para órgãos do poder público com medidas para enfrentar a crise humanitária vivida pelos povos indígenas em razão do garimpo ilegal.
Entre as medidas estão a necessidade de apresentação do Plano de Ação do Sistema de Segurança Pública na Terra Indígena Yanomami, a inutilização das pistas clandestinas de pouso e das aeronaves usados pelo garimpo e a destruição do maquinário utilizado por garimpeiros ilegais. As instituições ainda apontam que deve haver presença ostensiva das Forças Armadas nos territórios de maior tensão.
Com foco na saúde dos yanomami, o relatório aponta que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, deve garantir a reabertura de polos bases de saúde indígena, de Unidades Básicas de Saúde Indígena e de pistas comunitárias ocupadas pelos garimpeiros. Em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente e com Fundação Oswaldo Cruz, a DPU pede ainda que o Ministério da Saúde realize um diagnóstico da contaminação (de pessoas e do meio ambiente) por mercúrio e criação de Protocolo de Comunicação de Notificação Compulsória.
A DPU já começou a realizar o acompanhamento por meio de ofícios encaminhados das ações necessárias aos órgãos competentes. No último dia 30 de janeiro, a instituição pediu que os ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública realizassem de forma urgente o envio de cestas básicas para a região de Auris (RR), a ampliação do número de helicópteros que atendem a reunião e a garantia da segurança e integridade de profissionais de saúde e indigenistas que atuam na terra indígena Yanomami.
Os encaminhamentos dados pela DPU e pelo CNDH foram adotados após uma série de reuniões com lideranças indígenas. De 25 a 27 de janeiro, defensoras e defensores públicos federais se reuniram com lideranças indígenas e instituições que estão atuando na emergência de saúde, além de realizar uma inspeção na Casa de Saúde do Indígena (CASAI) Yanomami e no Hospital da Criança Santo Antônio.
O defensor público federal Renan Sotto Mayor participou da missão e a conclusão foi clara. “Há um genocídio em curso, isso não tem dúvida. Porque a gente abandona os povos indígenas e deixa eles entregues aos garimpeiros, ao garimpo, e, inclusive, à criminalidade. O grande causador de toda essa dor é o garimpo ilegal”, afirma.
Representando o CNDH na missão que foi até a capital de Roraima no final de janeiro, o defensor público federal André Carneiro Leão destacou que as pessoas não podem esperar mais. “Acho que é um momento para buscarmos ações concretas, medidas concretas. O resgate dos Yanomami em estado grave, a distribuição de alimentos e de medicamentos são medidas urgentes. Não adianta inventar a roda, não é preciso inventar a roda. É apenas necessário que sejam realizadas essas ações”, concluiu.
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Tragédia
A tragédia estava em cada voz ouvida na missão, que também estão relatadas no relatório. “Os olhos de vocês não são tão compridos para enxergar o que está acontecendo. Eu serei o olho de vocês. Nesses últimos 6 meses, passamos o pior período, fome, malária, você olha para as moças elas estão só o couro e osso. O que vocês acham que aconteceu para que chegássemos até aqui? A causa é a presença do garimpo”, explicou uma liderança indígena dos povos Yanomami durante o processo de escuta que a DPU participou em Boa Vista (RR) no final de janeiro.
A liderança indígena afirmou que o garimpo traz a malária e a escassez de tudo. “Com a presença do garimpo nas terras, os rios estão contaminados e não temos água potável para beber. Para sobreviver, bebemos água contaminada que traz diversas doenças”, complementou o líder indígena.
“Já denunciamos o garimpo ilegal. Não somos investigadores. Não é o nosso papel investigar. Esse é o papel da Polícia Federal. Cabe ao Estado brasileiro responsabilizar pelas mortes, pelo garimpo ilegal e pela negligência. Violência e abuso sexual contra as mulheres e crianças. Queremos que vocês reforcem as nossas denúncias e ajudem nos processos de responsabilização”, disse outra liderança em reunião com representantes da DPU.
“Quando a gente fala, parece que o vento leva nossa voz e não traz de volta. Por isso, fiz imagens para vocês”, ressaltou liderança indígena da comunidade Surucucu ao relatar a morte de um indígena por malária. Ele contou que um jovem correu dois dias para pedir socorro por helicóptero, um sofrimento compartilhado por 120 comunidades com alto risco de desnutrição e malária. De acordo com ele, são 13 mil indígenas afetados pelo garimpo.
“O garimpo cresceu 3.350% desde 2016. É muito pesado ouvir uma senhora me dizer que eu vou salvar aquelas famílias e que eu vou tirar os garimpeiros. Eu carrego crianças para ajudar. É difícil ouvir o choro das comunidades. É importante a DPU fazer uma investigação séria e responsabilizar as pessoas que fizeram isso”, disse em conversa com as defensoras e defensores.