A redação científica ainda é uma grande desconhecida entre os diversos membros acadêmicos nacionais, com especial desconhecimento por parte dos amazônicos. Se em termos nacionais a produção científica é reduzida, na Amazônia é quase inexistente, com raríssimas ilhas de exceção. Isso vale também para as áreas científicas. Há ilhas de elevada produção relativa, como na saúde, e gigantescos desertos, como nas ciências humanas. Isso não significa, contudo, que essas áreas não produzam conhecimentos e nem que não os publiquem. Pelo contrário, a massa de produção textual é elevadíssima nessas áreas desérticas, mas pouco, muito pouco, é ciência. Quase tudo o que é produzido é constituído de ensaios. Desses, a maioria tende para a literatura, como ensaios literários, como se fossem poemas em prosa – uma parte considerável pode ser enquadrado como ensaios filosóficos. Mas o que distingue uma redação científica das demais, notadamente os ensaios literários e filosóficos?
A primeira distinção é o meio através da qual a produção é feita. Conhecimento científico se faz com o uso do método científico. Por essa razão, a redação do texto científico precisa conter em detalhes como cada resultado apresentado foi gerado. Se uma comunicação científica tem dez páginas, pelo menos duas serão dedicadas exclusivamente ao método. Nessa parte precisam ser especificados, na sequência, as questões norteadoras ou hipóteses testadas, população e amostra ou sujeitos do estudo, como os instrumentos de coleta de dados foram criados e validados, como os dados foram coletados e organização, como os dados foram analisados, como os resultados foram interpretados e quais são as limitações do estudo. Sem essa parte no manuscrito, a redação passará a ser enquadrada como ensaio.
Os ensaios literários têm como principal característica a presença constante e poderosa do eu do autor. São textos eivados de subjetividade. Aqui, quem escreve está decidido a mostrar que algo é de alguma forma e não de outras. Sua finalidade é convencer o leitor sobre a sua posição, que quase sempre é a única correta. Por essa razão, diferente do que acontece na ciência, um dos seus focos são os textos adversários, cujo intuito é quase sempre desqualificá-los. Muitas vezes isso é feito com recursos de denúncias, acusações e difamações. Aliás, há ocasiões em que o próprio título do texto (que quase nada tem a ver com o seu conteúdo) já denuncia esse tipo de redação. São os casos de títulos mais ou menos assim “A visão das águas sobre as telecomunicações: uma visão joãoniana” ou “O que os resíduos sólidos pensam sobre a liquidificação do aço sob a perspectiva de Adamastor Mundico”.
Os ensaios filosóficos são aqueles que têm a intenção de ciência, mas não o são. Chamamos de filosofia nas conversas de cientistas às proposições, ainda que construídas com sólidos conhecimentos científicos, que ainda não foram testadas e validadas. São os casos de todas as arquiteturas teóricas que ainda não foram submetidas a testes empíricos. Um exemplo claro disso vem da cosmologia. Inúmeros cientistas admitem a possibilidade de universos paralelos. Isso inclusive é demonstrado matematicamente. Mas tudo não passa de filosofia. Só deixará de ser filosofia e passará para o campo científico quando evidências empíricas confirmarem as diversas arquiteturas teóricas existentes. Foi o caso, também, da teoria da relatividade, que só foi validada depois que foi demonstrado que a luz se curva quando passa por um objeto maciço, como o sol.
Conhecimentos literários e filosóficos são muito importantes. São tão importante quanto os científicos, que isso fique bem claro. Aliás, podem ser considerados as origens de muitos dos conhecimentos que vieram a ser transformados em científicos. Isso está cemconformidade com o fato de que o primeiro estágio do método científico é justamente a dúvida sistemática, que organiza os pensamentos do cientista (sua subjetividade) e lhe permite esquematizá-lo a partir do que a ciência sabe (arquiteturas teóricas). O que não pode, contudo, é imaginar que aquilo que colocamos no papel é suficiente para ser considerado conhecimento científico. Duas outras coisas são fundamentais nesse intuito.
A primeira é a revisão da literatura. Isso significa vasculhar tudo, absolutamente tudo o que a ciência sabe sobre os fenômenos envolvidos na investigação. Se quero investigar o impacto dos recursos computacionais na aprendizagem, preciso saber o que a ciência sabe sobre a) o que são recursos computacionais, b) o que é aprendizagem, c) como os recursos computacionais impactam a aprendizagem e d) como a aprendizagem é produzia. Com base nesses quatro balanços da literatura (que é o que significa estado da arte), tenho que inventar uma arquitetura teórica para ser testada. A forma mais adequada de fazer isso é criando uma figura que sintetize esses quatro balanços.
A segunda coisa é a seção de resultados. Resultados e discussão, para ser mais exato. Aqui, cada resposta às questões norteadoras devem ser detalhadas. É obrigatório o uso de evidências empíricas incontestáveis. E quanto mais ousada for a descoberta, mais robustas precisam ser as evidências. As questões norteadoras são formuladas sobre a arquitetura teórica inventada e descrita na parte da revisão da literatura. É por isso que a discussão dos resultados é a comparação do que as evidências empíricas mostram com o que a ciência sabe. Aqui detalha-se a) o que foi descoberto, b) como acontece e c) por que acontece.
Além da estrutura lógica e formal do manuscrito, a redação científica também se diferencia dos ensaios na estrutura das orações, períodos e parágrafos. A ciência não admite voz passiva, gerúndios, posposições, parágrafos com um período e diversas outras regras que somente agora começaram a aparecer para o grande público. Essas regras eram conhecidas e obedecidas apenas por editores e revisores de revistas científicas de alto impacto. E é justamente para popularizar essas regras que essa parte dessa coletânea de estudos foi planejada e que começaremos a detalhar a seguir.