A redação científica tem um esquema lógico global que precisa ser compreendido. É esse esquema que permite a coerência desejada entre os elementos que compõem o manuscrito. Em termos analógicos, toda comunicação científica é a publicização de uma fofoca. A diferença é que essa fofoca é de interesse da comunidade científica, principalmente porque muitos cientistas esperam a demonstração do comunicado para utilizarem como insumo para as suas investigações. Essa lógica completa aparece no resumo, como demonstraremos mais adiante; mas ela é trabalhada com a profundidade adequada em cada um dos elementos constituintes do manuscrito, desde a introdução, às considerações finais, quando houver. A comunicação científica, portanto, é um mosaico cuja figura completa só é compreensível quando todas as peças estirem em seus devidos lugares cumprindo o seu papel com adequação. Neste sentido, vamos apresentá-la de forma panorâmica, longitudinal, para que possamos compreender as lógicas particulares de cada parte, que são chamados tecnicamente de esquemas transversais ou sincrônicos.
Toda comunicação científica é feita para tornar público o preenchimento de alguma lacuna teórica ou expansão de fronteiras de determinada teoria ou campo teórico. Disso se deduz que não se faz ciência para relatar casos empíricos. Fazemos ciência para mostrar que casos empíricos podem ser explicados pelo estoque de conhecimentos disponíveis enquanto testes de robustez dessas explicações. Essa é a primeira coisa que todo redator precisa ter em mente. É por essa razão que toda introdução precisa iniciar com a contextualização teórica da investigação realizada. E contextualizar teoricamente nada mais é do que mostrar que existe uma lacuna a ser preenchida na teoria X ou campo teórico Y e que é muito importante que ela seja preenchida por motivos amplamente conhecidos e citados nessa contextualização. O mesmo procedimento é seguido para estudos que pretendem comunicar ampliação de fronteiras. Tanto o preenchimento de lacuna quanto a expansão de fronteiras estão consubstanciadas no objetivo geral do estudo, que nada mais é do que uma pergunta invertida, como já mostramos diversas vezes. É esse o papel da introdução.
O papel da revisão da literatura é demonstrar que a lacuna efetivamente existe, que determinada prática empírica pode ser explicada pelo estoque de conhecimento disponível ou que aquela fronteira precisa ser expandida. É por isso que aqui fazemos um balanço de tudo o que a ciência sabe sobre o entorno daquela lacuna, situações empíricas ou fronteiras que a investigação problematizou. É um balanço de tudo. Por essa razão, são inadequadas redações de cunho pedagógico, recortes seletivos de pensamentos e ideias de autores (a ciência não dá importância para autores, mas para o conhecimento), coletâneas de mesmas visões ou afirmativas, dentre outras tipologias. A recomendação é que se construa uma arquitetura teórica (esquemas lógicos de dimensões e categorias analíticas) ou, na impossibilidade, marcos teóricos (constructos referenciais sobre um mesmo fenômeno). Essa parte do texto confirma, portanto, o que a introdução apenas o fez de forma panorâmica, justamente para chamar a atenção do leitor para que ele leia a revisão da literatura do estudo e se convença de sua fundamentalidade para a ciência.
A introdução já mostrou que uma lacuna existe ou um comportamento empírico pode ser explicado teoricamente ou que é necessária e viável certa expansão de fronteira de conhecimento. A revisão da literatura demonstrou adequadamente o que a introdução mostrou de forma panorâmica. O leitor fica curioso para saber como a lacuna foi preenchida, o comportamento empírico foi ajustado à teoria ou a fronteira foi expandida. A seção de metodologia serve para isso: demostrar como a lacuna foi preenchida, o comportamento foi explicado ou a fronteira foi expandida. Nada, portanto, de texto pedagógico (aqueles que dizem que pesquisa qualitativa é isso, pesquisa quantitativa é aquilo; que autor A considera isso e autor B disse aquilo) e muito menos enciclopédico (aqueles onde o autor quer mostrar tudo o que sabe sobre certo conceito de pesquisa, como análise do discurso). Aqui a finalidade é que outros pesquisadores consigam reproduzir os resultados da pesquisa relatada, se os dados utilizados lhes forem repassados. Uma redação adequada mostra como cada resultado foi alcançado, principalmente com exemplos reais.
Até aqui o leitor já sabe como os resultados foram gerados. Pode (e deve) inclusive aferir a consistência e a validade dos procedimentos usados para cada um deles. Agora já está pronto para conhecer as descobertas parciais e global do estudo. A redação precisa permitir que haja uma imagem mental do leitor do comportamento da realidade simultânea à imagem mental da arquitetura ou marco teórico. É esse o desafio da redação dessa parte. O preenchimento da lacuna, ajuste da realidade aos conhecimentos disponíveis ou expansão das fronteiras são aqui efetivamente demonstrados. Aqui o redator precisa entregar o que prometeu na introdução.
O ponto culminante do texto é a conclusão. Todo estudo científico precisa ter uma conclusão. Essa conclusão é uma dentre as três: preenchimento de lacuna, ajuste realidade x teoria ou expansão de fronteiras, sempre no sentido inverso da redação da introdução, como será mostrado mais adiante. Se houver coisas importantes a serem ditas, mas que não poderiam ser feitas no corpo do texto, finaliza-se a redação com elas, chamadas de “considerações finais”.
A lógica global de toda redação científica é a apresentação de uma situação teórica que precisava ser enfrentada e a modificação dessa mesma situação teórica justamente pela descoberta que o estudo provocou. Por exemplo, uma situação teórica de desconhecimento do que impedia o aprendizado matemático de crianças é modificada pela descoberta de que o acesso a certa região cerebral permite aquele aprendizado. Aquela situação é descrita na introdução; essa outra, na conclusão. As etapas intermediárias apenas deixam claras essas duas realidades.