A redação da metodologia é um verdadeiro esforço artístico e matemático para os cientistas, mas algo praticamente sem importância para quem não o é. A metodologia só existe em estudos teórico-empíricos. É quase sempre inexistente e até mesmo inútil em ensaios teóricos. É a metodologia dá o caráter científico ou filosófico de um texto. A razão disso é que é a metodologia tem o desafio de permitir que os outros cientistas compreendam com exatidão como os resultados contidos no manuscrito foram gerados. Por essa razão tem que ser escrita com tanta meticulosidade e precisão que permita que os membros da comunidade científica a que o artigo é direcionado reproduzam os resultados, caso desconfiem de suas validade e consistência. Quando os cientistas redigem esse parte, apresentam um esquema lógico muito fácil de ser compreendido; quando não cientistas escrevem, essa parte mais parece com as aulas de metodologia e catálogos taxonômicos, de maneira que falam de tanta coisa inútil que esquecem do que é importante, que é como os resultados foram gerados. Vejamos o que contém e como cada parte precisa ser redigida. Começando com a metodologia dos estudos das ciências ditas sociais e humanidades.
A redação da metodologia precisa começar com a transformação do objetivo geral da investigação em questões norteadoras. Não precisa explicar por que essas questões foram formuladas. Basta que sejam apresentadas. Se forem trabalhadas hipóteses, cada uma precisa ser exposta, tanto as nulas quanto as alternativas.
Em seguida, é preciso apresentar o desenho do estudo, o passo a passo. Aqui literalmente tem que ter um desenho, um fluxograma das etapas, desde o planejamento do estudo até a redação final do manuscrito. Em cima e embaixo do desenho descreve-se sucintamente como cada etapa foi desenvolvida.
Logo depois tem que vir a descrição da população, da amostra e como os componentes da amostra foram selecionados. É preciso dar exemplo. Se não trabalhar com amostragem, tem que descrever como os sujeitos foram escolhidos. Nada de dizer que se trata de pesquisa quantitativa ou qualitativa e muito menos detalhar os diversos tipos e modalidade de qualquer coisa. Todo cientista consegue fazer esse enquadramento apenas lendo as descrições obrigatórias.
Em seguida vem a vez dos instrumentos de coleta de dados. É preciso mostrar como eles foram construídos, quais suas dimensões e categorias analíticas, como cada um deles foi validado, como foram utilizados para coletar os dados, como os dados foram organizados (transformados em gráficos, tabelas etc.) e que técnicas estatísticas, linguísticas, matemáticas ou lógicas foram utilizadas para isso. Lembre que analisar é quebrar. Aqui é preciso mostrar como cada tipo de dado foi quebrado. É quebrando os dados que encontramos sua lógica. Não dê aula. Só demonstre.
Depois é a hora de detalhar como os resultados foram gerados. É preciso demonstrar a geração de cada resultado. É preciso apresentar todas as técnicas utilizadas. Não precisa justificar nenhuma delas porque todo cientista saberá com precisão se elas foram ou não utilizadas com adequação.
Em seguida é tempo de apresentar a forma como os resultados foram interpretados. Interpretar é dar sentido àquilo que aparece no desenho, seja um quadro ou tabela, seja uma fotografia ou equação. E a forma como os cientistas dão sentido é comparando o que foi descoberto empiricamente com o que está previsto na teoria, apresentada na revisão da literatura. Interpretar é comparar teoria com a realidade observada.
E tudo termina com a apresentação das limitações do estudo. Atenção: limitação não é falha. Falha está vinculada à ideia de erro; limitação é redução do potencial explicativo das descobertas. Se faço um estudo bibliométrico englobando os anos de 2020 a 2022, essa dimensão temporal é uma limitação porque não engloba tudo o que a ciência publicou nos anos anteriores.
Para as investigações científicas de áreas como biologia, algumas engenharias, áreas medicas e inúmeras outras, o caminho é diferente, mas não menos exigente. Nessas áreas a metodologia é dividida em dois grupos. O primeiro é a listagem de todos os materiais utilizados na investigação. Todos os materiais, naturalmente, que contribuíram direta e decisivamente para a geração dos resultados. Para cada material, deve-se dizer e demonstrar como eles foram operados, manuseados, para gerar dados. Basicamente materiais são utilizados para gerar dados. O segundo grupo é o dos procedimentos, chamados de métodos nessas áreas. Novamente, aqui, é preciso que sejam listados e detalhados todos os procedimentos utilizados para gerar cada resultado em particular. É preciso, sempre que possível, demonstrar os procedimentos. Também aqui, cada parágrafo redigido tem que permitir que os outros cientistas sejam capazes de reproduzir o estudo.
Existe uma lógica, naturalmente, entre a revisão da literatura e a metodologia. Essa lógica consiste na apresentação da lacuna a ser preenchida na revisão da literatura e apresentação das dimensões e categorias analíticas que estão envolvidas em uma estrutura teórica inventada pelo cientista e logo em seguida essas mesmas categorias e dimensões analíticas são estruturadas em forma de questões norteadoras. As questões norteadoras, portanto, são a “estruturação interrogativa” ou “estruturação hipotética” das dimensões e categorias da revisão da literatura. Toda a metodologia passa a ser a história de como as perguntas foram respondidas ou como as hipóteses foram refutadas ou confirmadas.
A metodologia não é uma parte da redação científica colocada ali apenas para cumprir tabela, como se pode imaginar da quase totalidade das publicações feitas em língua portuguesa, com especial destaque para a língua portuguesa brasileira. Ela é tão importante que, sem ela (e sem uma revisão séria da literatura), não há ciência no texto. Isso quer dizer que é a presença da metodologia feita correta e adequadamente que vai dizer se um texto é científico ou não. Metaforicamente falando, a metodologia está para a ciência como a “forma de fazer” está para a receita de bolo. Exatamente daquela forma. Sem aulas.