O universo da ciência é muito esquisito. Essa esquisitice só se torna normal, comum, corriqueiro se o pretendente a cientista for persistente e estiver disposto a desconsiderar as coisas que considera normais. Em termos de redação de comunicações científicas, duas coisas são bastante esquisitas. A primeira é que os textos aparecem de uma forma, mas são escritos de outra. Eles não seguem a sequência normal da leitura para serem redigidos. Dito de outra forma, os cientistas não escrevem primeiro o título, depois as afiliações e seguem nessa sequência até a última linha do texto que se lê. Eles seguem outra lógica, outro processo, como dizem os cientistas da engenharia e da inovação. É dessa outra lógica que vem a segunda esquisitice: a introdução é a última coisa que eles escrevem. Na verdade, é a penúltima. A última mesmo é o resumo, que só pode ser escrito após a escritura da introdução. Mas, para entender esse procedimento, é preciso considerar que toda investigação científica é uma tentativa de explicar o comportamento da realidade, tendo como base um estoque de conhecimentos científicos prévios. A comunicação escrita é apenas um relato da descoberta. Ela tem, portanto, um ponto de partida e um ponto de chegada.
A conclusão das comunicações científicas descrevem o ponto de chegada. Elas são o ponto de convergência natural de um conjunto de descobertas menores que, depois de comparadas com o estoque de conhecimento científico disponível, geram a resposta à pergunta de pesquisa ou à hipótese central formulada. É justamente aqui, nesse exato instante da formulação do problema (pergunta ou hipótese), que a introdução vai desempenha o seu papel fundamental. Ela tem o desafio de marcar o ponto de partida da investigação. Isso parece óbvio, mas precisa ser reafirmado: a conclusão é o ponto de chegada; a introdução, o de partida. São, portanto, dois lados da mesma coisa e se tocam justamente na relação pergunta e resposta. Vejamos isso de perto, em termos comparativos.
A conclusão começa com a resposta ao problema, prossegue com a redefinição de uma situação problemática e termina com a recontextualização teórica do estudo; a introdução começa com a contextualização teórica do problema, prossegue com a definição da situação problemática e termina com o objetivo geral pretendido pela proposta de investigação. Introdução e conclusão, como dois lados opostos, mas vinculados, se tocam justamente na relação problema-e-resposta. A introdução finaliza com a pergunta e a conclusão começa com a resposta. A introdução caminha aplicando-se raciocínio dedutivo (do geral para o particular), enquanto a conclusão caminha aplicando o raciocínio indutivo (do particular para o geral). A dedução é originária da teoria ou campo teórico, que é o que há de mais geral na prática da ciência; a indução começa nos achados empíricos, que é o que há de mais particular no fazer científico. Agora fica fácil entender a introdução e como ela é redigida.
Tudo o que o ser humano faz é falho. Isso é decorrente da sua natureza imperfeita. Não importa o que os cientistas façam, seja uma intervenção genética, o cálculo do tamanho do universo, programas de computadores, urnas eletrônicas (para usar um assunto da moda) ou o que quer que seja, sempre haverá falhas neles. Anote bem: sempre haverá falhas. Por quê? Porque o dia que não houver mais falhas a ciência para, ela terá tido o seu final. A ciência é esse aperfeiçoamento contínuo, permanente, na eterna e impossível conquista da verdade, da perfeição. Mas há algumas regras nessa busca. E uma delas é a necessidade de que todas as vezes que houver a refutação de algum conhecimento, outro precisa ser colocado em seu lugar. É essa, por exemplo, a estrutura de toda hipótese científica (que diferencia a ciência, por exemplo, das hipóteses jurídicas) e de todo problema de pesquisa adequadamente formulado (há inúmeros problemas de dissertações e teses que não são científicas, que isso fique claro). Por que estamos falando disso? Por que a redação da imperfeição, falha, limitação, lacuna, enfim, a necessidade de aperfeiçoamento em uma teoria ou campo teórico é a primeira coisa que a introdução tem que conter. É isso o que chamamos de contexto da pesquisa.
Redigido o contexto da pesquisa, é hora de apresentar a situação problemática. Entenda-se um problema simplesmente como uma pergunta que queremos responder, esteja ela em forma interrogativa ou em forma de hipótese. Quando está em forma de hipótese, já demos um passo adiante, ousado, naturalmente, para a resposta. A razão disso é que toda hipótese é uma explicação, uma resposta. Só que, para a ciência, essa explicação é provisória. Ela precisa ser testada na prática, na realidade. O segundo desafio é descrever justamente essa pergunta que ronda a cabeça do cientista e de sua equipe. Só que essa descrição tem que ser a consequência da contextualização, das falhas naquela teoria ou campo teórico, e sua correspondente vinculação a alguma situação da realidade. Nessa segunda etapa o cientista mostra a possibilidade de se aferir empiricamente, na prática, uma possível solução, conserto, retificação, enfim, alguma melhoria naquela teoria ou campo teórico que não está funcionando bem, mas que, com a resposta que se procura, pode funcionar melhor.
E como consequência natural, a terceira coisa que toda introdução tem que ter é o objetivo da investigação. Aqui o cientista redige exatamente onde ele quer chegar. Se o contexto teórico diz que a teoria Alfa não consegue explicar adequadamente algumas situações motivacionais em situações de aprendizagem e a situação problemática diz que é possível que haja outra dimensão analítica capaz de dar sentido às teorias existentes, uma pretensa investigação pode ter como objetivo aferir se a espiritualidade pode ser considerada outra dimensão analítica. O objetivo da investigação é a parte empírica que vai permitir desfazer uma situação problemática (responder a uma pergunta ou confirmar uma hipótese) e que, por extensão, vai dar sentido, atualizando um conjunto de conhecimentos de natureza científica. É isso.