Do Caburaí ao Chuí: revisão histórica do extremo norte do Brasil

Em 2015, Assembleia Legislativa aprovou a Lei nº 992/2015, que instituiu o 8 de setembro como o Dia Estadual do Monte Caburaí. – Fotos: Jader Souza e Nonato Sousa

Você já ouviu falar do Monte Caburaí? É o ponto mais extremo ao norte do Brasil, localizado no município de Uiramutã, em Roraima. Até 1998, acreditava-se que o ponto mais extremo ao norte do país era o Oiapoque, no Amapá. Com a nova delimitação, caiu por terra uma das expressões mais comuns quando os brasileiros querem se referir a todo o Brasil: “do Oiapoque ao Chuí”.

Para dar visibilidade ao feito que corrigiu a expressão idiomática que perdurou por décadas e contribuiu para promover o recém município de Uiramutã, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), aprovou a Lei nº 992/2015, que instituiu o 8 de setembro como o Dia Estadual do Monte Caburaí.

A data é uma homenagem à expedição de 1998 e à importância histórica do monte de 1.465 metros de altitude, incrustado na fronteira entre o Brasil e a República Cooperativa da Guiana.

Deputado Soldado Sampaio

“A instituição desta lei é um reconhecimento do Monte Caburaí como um dos símbolos mais importantes do nosso Estado. É um monumento natural que nos enche de orgulho e representa a nossa força e determinação”, destacou o chefe do Poder Legislativo, Soldado Sampaio (Republicanos).

Expedição

A confirmação de que o Caburaí ficava 84,5 quilômetros acima do Oiapoque foi feita em 1998, numa expedição organizada pelo jornalista Platão Arantes e pelo prefeito de Uiramutã à época, Venceslau Brás Barbosa da Silva.

Arantes é autor do livro “Do Caburaí ao Chuí”, que conta a história da jornada. Pernambucano, ele se mudou para Roraima em 1993, onde passou a trabalhar na Assembleia Legislativa. Na Casa, ele teve a oportunidade de participar de comissões que percorreram o Estado para analisar as regiões onde poderiam ser criados novos municípios. Durante esse período, ouviu relatos de marcos antigos colocados pelo Marechal Cândido Mariano Rondon na região, numa caravana em 1936.

Platão Arantes

“A Assembleia criou comissões para definir os futuros municípios. Naquela época, havia apenas oito, e eu tive a felicidade de ser escalado para a comissão de Uiramutã. Chegando lá, fui fotografando e analisando as condições. Quando chegamos ao malocão I, eu vi um tipo de adaga enfiado na palhoça. Curiosamente, perguntei ao indígena, que explicou que Rondon a entregou quando veio demarcar o Monte Caburaí. Fui e comentei isso na fazenda do Galego, que já faleceu, e o Brás, que era genro dele, estava do lado. Eu sugeri que poderíamos reverter a questão fazendo uma expedição científica e enviando os resultados para as autoridades competentes”, disse Arantes, revelando o que o inspirou a planejar a incursão.

Em 1997, quando Venceslau Brás tomou posse como o primeiro prefeito de Uiramutã, o jornalista foi convidado a ser secretário de Turismo e Meio Ambiente para implementar o projeto do Monte Caburaí.

A expedição foi realizada de 3 a 6 de setembro de 1998, com a participação de cerca de 80 pessoas, incluindo militares, jornalistas e pesquisadores de diversas instituições, como o Exército, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Governo do Estado, Assembleia Legislativa e a Universidade Federal de Roraima (UFRR).

“Elaborei a expedição e convidei setores importantes. Foi uma expedição muito difícil. Tivemos que viajar de avião e helicóptero, e ainda enfrentamos a vegetação densa da Amazônia. Algumas pessoas caminharam até certo ponto, enquanto outras foram levadas de helicóptero. Foi um desafio logístico, pois tivemos que usar quatro helicópteros para transportar as 80 pessoas. Mas, graças ao trabalho de todos, conseguimos alcançar o nosso objetivo”, recordou o jornalista.

A expedição foi um sucesso. No entanto, o feito só foi oficializado em 2005, após uma expedição do Ministério das Relações Exteriores, acompanhada por representantes oficiais do Brasil e da Guiana, na fronteira entre os dois países, mesmo com o monte já tendo sido demarcado em 1933 pelo capitão de mar e guerra Brás Aguiar, chefe da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites.

“Eu já tinha terminado de escrever o livro quando, em 2005, foram colocados os marcos no Platô do Caburaí, na nascente do rio Uailã, um do lado brasileiro e outro do lado da Guiana. Isso atrasou o processo e atrapalhou o município, que tinha poucos recursos”, disse Arantes, que também foi o responsável por solicitar ao Ministério da Educação (MEC) a revisão do material didático.

Revisão histórica

A demora para o reconhecimento do Monte Caburaí foi influenciada pelo processo de colonização e demarcação do país, que privilegiou o litoral, e a Segunda Guerra Mundial, que atrasou as pesquisas na região.

“A literatura histórica privilegia a colonização do litoral para o interior. Então, no litoral, o Oiapoque é o ponto mais extremo. No entanto, temos o ponto mais setentrional no interior, que é o Monte Caburaí. Também temos nesse processo histórico a Segunda Guerra Mundial, que trouxe uma série de diferenças nas relações do mundo e até mesmo do Brasil. E a temática amazônica, apesar de Getúlio Vargas querer dar atenção, inclusive ele esteve na região na década de 1940, essa fronteira foi esquecida e nós acabamos discutindo muito mais a fronteira entre o Brasil e a Venezuela, aquela região de Pacaraima”, explicou o historiador Reginaldo Gomes, da UFRR.

Reginaldo Gomes

Independentemente do contexto histórico, é para o presente que Gomes olha quando avalia que o marco continua pouco conhecido e valorizado. “Fico feliz com a aprovação da lei que reconhece o Dia Estadual do Monte Caburaí, mas é preciso ir além. Precisamos de ações concretas para divulgar o ponto, incluindo o desenvolvimento do turismo, do comércio e da educação sobre o tema. Por isso é fundamental que órgãos estaduais, federais e universidades trabalhem juntos para que essa importante região seja mais conhecida”, disse o professor.

Arantes, o jornalista pernambucano que no final do século XX dedicou-se a colocar o Caburaí no mapa, também lamenta que o local não receba o mesmo reconhecimento que outros pontos turísticos importantes do país. “Em qualquer outro estado, já teriam erguido monumentos e feito referências a ele. Mas, aqui, não há nem mesmo um chaveiro”, desabafou.

Enquanto o apoio institucional e da população não vem, o jornalista divulga a expedição e uma canção de sua autoria. A música ensina às gerações, de forma simples e divertida, onde fica o extremo norte do país.

“No passado, o que aprendemos foi difícil de mudar. O extremo norte do Brasil estava no Amapá. Do Oiapoque ao Chuí, todos queriam alcançar. Todo mundo ‘tava’ errado. Agora vou te ensinar. É do Caburaí ao Chuí. Oiapoque era o extremo. Ninguém podia duvidar, mas em 1998 isso começou a mudar. O Brasil agora canta: ‘Você sabe aonde ir? Se o destino é o extremo norte, o certo é o Caburaí.’”.

Suellen Gurgel

 

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