A história de duas mulheres que se desdobram para construir mundos a partir do núcleo familiar, mas que estão invisíveis aos olhos da sociedade, emocionou a todos que assistiram ao lançamento do documentário “Mulheres que fazem história, mas não estão nos livros de história: as vozes femininas na comunidade da Escola Estadual São José”.
A estreia, com direito à pipoca e refrigerante, transmitida ao vivo pela TV Assembleia 57.3 e redes sociais do Parlamento roraimense, ocorreu no Plenário Deputada Noêmia Bastos Amazonas, da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), na tarde desta quinta-feira, 23, com a presença de alunos, professores e familiares.
Durante a cerimônia, foi lançado um livro virtual (e-book) com os resultados do projeto originário da Escola São José em parceria com o Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
O projeto motivou os alunos à reflexão sobre a vida familiar e educacional. Por meio de entrevistas com a família e posteriores relatos emocionantes descritos em cartas, os estudantes puderam perceber que a caminhada deles só está sendo possível por causa dos desafios enfrentados pelas mães.
Há histórias de mães, tias e avós que servem de inspiração e de modelo de superação para a comunidade escolar. O projeto foi conduzido pela professora de História da Escola São José Hstéffany Muniz, com a orientação da professora doutora Luzineth Rodrigues da Silva, da UFRR.
O presidente da ALE-RR, Soldado Sampaio (Republicanos), destacou que é uma felicidade para a Casa Legislativa entregar e deixar registrada a história dessas mulheres, bem como a importância desses relatos para a sociedade roraimense.
“Essas histórias de superação demonstram que a educação é a base de tudo, e isso nos dá mais responsabilidade, e é importante para o Poder Legislativo saber o que as pessoas querem, porque a cada ano discutimos a Lei Orçamentária e temos o dever de debater quais são as prioridades”, disse Sampaio, ao relatar que no dia anterior recebeu alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos), que pediram a abertura de mais salas de aula para esse público, bem como uma lei que garanta vale-transporte para as famílias carentes que cursam essa modalidade de ensino.
A professora Hstéffany Muniz contou que a concepção nasceu a partir da leitura do livro Mulheres Extraordinárias. “Pensamos em conhecer mulheres que estavam fora do livro didático, mas que fazem parte da nossa história. Foi uma forma de também envolver a família”, informou, ao detalhar que o projeto foi pensado para cinco turmas do 7º ano, com 140 alunos.
O reitor da UFRR, Geraldo Ticianeli, fez questão de lembrar que Roraima é o único estado do Brasil que por meio de lei criou a Licenciatura de Educação no Campo, graças à sensibilidade da Casa Legislativa. Ele ressaltou ainda que uma das premissas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) é a de que uma instituição de ensino tem que mudar a realidade social das pessoas.
“Ensinar bem, ensinar com excelência e formar cidadãos é nossa missão. Mas mudar a realidade na qual estamos inseridos é a obrigação da nossa carreira, para que nós possamos transformar a sociedade”, afirmou.
Ticianli disse que fez questão de participar da solenidade porque entende que é preciso estimular e valorizar o trabalho dos professores e estudantes que fazem o Pibid.
“O outro motivo que me fez desmarcar toda a minha agenda foi o tema ‘mulheres que fazem história e não estão nos livros de história’. Perdi minha mãe recentemente, professora da zona rural, e só depois que eu a perdi, pude relembrar quantas histórias bonitas e aprendizados tive com ela, o que me levou a ser professor.”
A professora doutora Luzineth ressaltou que o Pibid é um espaço de formação complementar. “É um programa de fomento à formação inicial do magistério, que dá bolsas, permite que os estudantes se insiram na educação básica o mais cedo possível. Toda essa articulação acontece através da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], mas o protagonismo está na escola e merece todo o louvor”, ressaltou.
A adjunta da Secretaria Estadual de Educação (Seed), Adelaide Bezerra, agradeceu à Casa Legislativa pelo incentivo à educação. “As histórias de luta, os esforços dos pais e da família são importantes para a valorização da educação. Esse é um projeto belíssimo que faz com que a gente consiga vislumbrar a importância das mulheres na comunidade.”
A superintendente de Comunicação da ALE-RR, Sonia Lucia Nunes, destacou que a peculiaridade da iniciativa dos alunos da São José foi um dos motivos para que a Casa se interessasse pelo documentário.
“Quando passou pelas mãos do presidente Soldado Sampaio, ele disse que podia tocar esse projeto porque a TV Assembleia não está aqui só para dar transparência às ações do Parlamento, mas também para servir à comunidade”, frisou.
Ela ressaltou ainda que a biblioteca digital com os documentários foi desenvolvida pela Diretoria de Relações Institucionais e está disponível ao público. “Nossos documentários já foram alvo de artigo científico e nos orgulha muito saber que a produção de uma TV Legislativa, de caráter público, também está servindo de referência para pesquisa acadêmica”, comemorou.
Documentário
O documentário traz a história de duas mães: Solange Sousa, microempreendedora que inicia as atividades às 4h da manhã para vender lanches; e Maria Betânia Mota, indígena da etnia Macuxi, que se desdobra entre a vida profissional de professora em outro município e a criação dos filhos.
Solange é natural do Maranhão e migrou para Roraima em busca de dias melhores, mas quando chegou ao Estado se deparou com uma realidade cruel, que a levou, inclusive, à depressão.
“Vivia sem um lar, procurando emprego, passei momentos difíceis. Me casei, vieram os filhos, mas a gente ainda morava de aluguel. Então decidi montar meu próprio negócio e vou ter tempo para cuidar dos meus filhos e de mim. Deu certo, e hoje, quando olho para trás, choro, pensando em tudo que aconteceu e o que superei”, contou a mulher, que também foi vítima de abuso sexual.
O filme abre um leque de emoções e de oportunidades. “Eu fiquei muito feliz e emocionada em poder participar de um documentário que mostrou um pouco da minha realidade, do que passei e do que sofri, mas consegui vencer. Até aqui, nós já superamos tantas coisas, estamos firmes e fortes, dia após dia. Graças a Deus, tenho muito orgulho da minha filha, dos meus filhos. Sou mulher de fé”, garantiu.
A professora Maria Betânia Mota contou que se sentiu muito especial ao receber a notícia de que havia sido selecionada. “Sinto-me uma referência de mãe. E minha grande preocupação é cuidar. O cuidado é importante nessa trajetória porque ela fica em Boa Vista e eu na comunidade. Não é fácil essa trajetória, mas eu faço de tudo quando estou aqui, acompanhando de fato o ensino e o aprendizado dela”, contou.
Essas são as duas histórias do documentário, mas o livro digital traz outras inúmeras histórias de vida. Uma delas é a de uma mãe haitiana, que foge da crise para criar os filhos e levanta cedo para trabalhar como vendedora ambulante. Ela saiu do Haiti para a Venezuela, e, com a crise no país vizinho, se mudou para o Brasil, mas nunca abandonou os filhos e investe na educação de todos.
Ficha técnica do documentário
Reportagem: Julia Matos
Edição de texto: Camila Dall’Agnol
Produção: Priscila Araújo; Tamara Araújo; Camila Dall’ Agnol; Vivian Nina; Hstéffany Muniz; Jorge Luiz
Imagens: Emackson Sarmento; Claudinei Sampaio
Drone: Ralyson Ramires
Apoio técnico: Ralyson Ramires; Josue Hernández
Edição: Eduardo Maduro, Freed Faria
Revisão: Camila Dall’ Agnol
Editor-chefe: Johann Barbosa
Diretor de programação: Bruno Almeida
Diretora de Televisão e Rádio: Camila Dall’Agnol
Superintendente de Comunicação: Sonia Lucia Nunes
Marilena Freitas