Quem vê os rostos radiantes dos brasileiros que chegam ao Brasil, saídos do “inferno” da guerra Hamas x Israel, e trazidos pela Força Aérea Brasileira (FAB), podem inferir que os sorrisos de alegria estampam a cara da felicidade. Ledo engano. O país está com medo. Com muito medo, pois vive um ciclo de violência, com mortes que se multiplicam, aqui e ali, no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia, entre outros enclaves mortíferos.
A alegria passageira dos nossos conterrâneos ao pisar o nosso solo mostra que a felicidade é uma régua, que vai do 0 a 100, sendo balizada pelas circunstâncias. A proximidade da morte que uma guerra propicia acaba produzindo uma carga de pavor incomum, aliás determinante para a pessoa entrar em estado de euforia quando se vê distante de bombas e ataques terroristas.
Para arrematar a hipótese, este analista vale-se dos quatro impulsos básicos estudados por Pavlov para explicar as ações humanas: dois instintos relacionados à sobrevivência do indivíduo e dois instintos ligados à perpetuação da espécie – o combativo e o nutritivo; e os impulsos sexual e paternal.
Explicando: o ser humano enfrenta fenômenos da natureza (crises climáticas, inundações, por exemplo) e luta contra seus semelhantes (conflitos, guerras, ataques), para garantir sua sobrevivência. Os nossos conterrâneos foram combativos em sua ânsia para escapar dos bombardeios. Além disso, os seres precisam preservar sua vida, suprindo-se de alimentos e água, sem as quais fenecem.
Sobre o instinto nutritivo, este escriba até montou uma equação para explicar a hipótese: BO+BA+CO+CA = Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça decidindo aprovar o governante que lhe proporcionou bem-estar. Quanto mais “pança cheia”, mais agradecida será a população. Bolsas-Família fazem parte dos silos estocados para suprir o estômago. Nesse caso, a felicidade tem boa chance de aparecer. Ao contrário, barrigas roncando de fome geram revolta. Veto e não voto.
Quanto aos dois instintos ligados à perpetuação da espécie, o sexual e o paternal, constituem eles a função reprodutiva, a par de valores associados à humanidade da pessoa: amor, solidariedade, paz, harmonia, respeito, autoridade, humildade, caridade, enfim, as virtudes que sustentam o edifício da dignidade humana.
Como se pode aduzir, o conceito de felicidade carrega um escopo de necessidades, condições, ações, satisfações, princípios e valores, todos operando nos campos material e espiritual dos habitantes do planeta. Manter os níveis de energia, com alimento e oxigênio, recuperar os níveis de fluidos corporais, buscar a homeostase do corpo, preservar o mecanismo de perpetuação de nossa espécie e proteger a prole, são atividades rotineiras que ancoram uma vida feliz.
Portanto, calcular a Felicidade Interna Bruta, a FIB, como é chamada, exige um complexo sistema de controles e pesquisas para avaliar a qualidade de vida de um povo, sua satisfação com o trabalho, a saúde física e mental, a educação, a cultura, os níveis de degradação do meio ambiente. Essa FIB é uma invenção do então rei do Butão na década de 1970. O Butão é um país onde o budismo faz parte da identidade nacional.
Localizado no Sul da Ásia, vizinho da China, Índia e Nepal, o Butão possui cerca de 800 mil habitantes, composto por 10 estados e com a capital Thimphu. Com uma economia baseada na mineração, conheceu a TV em 2000 e a Internet, apenas em 2010. Suas matas ocupam 70% de sua extensão. É o único país do mundo que produz menos dióxido de carbono do que suas áreas verdes podem absorver. O governo mantém rígido controle de tabaco e álcool. Não se pode beber ou fumar em lugares públicos.
Sob essa configuração, dimensionar o Produto Interno Bruto da Felicidade brasileira mais parece um exercício para as gerações futuras. Somos um país de dimensão continental. Seu traçado reúne uma complexa camada de fatores díspares, diferentes cadeias de problemas e até de costumes. Relatórios de pesquisas que aparecem periodicamente com a intenção de medir o grau de satisfação de nossa população não passam de espelhos fragmentados (e tortos) da realidade. São pouco críveis, eis que um povo satisfeito com determinada ação pública de governos não quer dizer, necessariamente, que este seja um povo feliz.
A não ser que queiramos entender felicidade como a ironia de Zé Ramalho sobre o Admirável Gado Novo: “Vocês que fazem parte dessa massa/ Que passa nos projetos do futuro/ É duro tanto ter que caminhar/E dar muito mais do que receber. É ter que demonstrar sua coragem, à margem do que possa parecer/E ver que toda essa engrenagem/Já sente a ferrugem lhe comer…. E correm através da madrugada/A única velhice que chegou/Demoram-se na beira da estrada/E passam a contar o que sobrou!”. É o Brasil.
(*) Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político