Na resposta humanitária ao fluxo de pessoas da Venezuela que buscam proteção no Brasil, uma cena inédita foi vista na semana passada: recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entrevistaram quase todas as 2 mil famílias que estavam nos abrigos da Operação Acolhida, em Boa Vista, Roraima. Nos primeiros dias de aplicação Censo 2022, que passará por todos os domicílios brasileiros, a equipe contemplou cerca de 1.800 residências temporárias de pessoas refugiadas e migrantes abrigadas.
“Eles foram muito amáveis. Sentaram-se ao meu lado, falaram em espanhol para que eu os entendesse mais fácil. Além disso, me explicaram que os dados serão utilizados por instituições brasileiras para entender o perfil da população no país”, relata Damelis, moradora do Abrigo Rondon 1, na capital de Roraima.
O Censo 2022 alcançou as pessoas refugiadas e migrantes em abrigos de Roraima e foi apoiado a partir de um Acordo de Cooperação entre a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o IBGE. “Considerar pessoas que buscam proteção internacional no Brasil no Censo 2022 foi uma iniciativa essencial para que instituições governamentais, em todas as esferas, desenvolvam políticas públicas que considerem essa população”, diz Federico Martínez, representante interino do ACNUR no Brasil.
Um dos objetivos do ACNUR no Brasil é trabalhar com esferas públicas para o desenvolvimento de leis e políticas para preservar os direitos humanos das pessoas obrigadas a fugir de suas casas. Além de facilitar a coleta nos abrigos, por meio de treinamento a recenseadores e provimento de informações sobre a população abrigada, o ACNUR e seus parceiros realizaram sessões para sensibilização da comunidade sobre a importância do Censo 2022, criaram e divulgaram material informativo e apoiaram na comunicação com a comunidade durante a coleta.
As pessoas refugiadas e migrantes nos abrigos concordam com a necessidade de aplicação das entrevistas. “Elas [as entrevistas] dirão o que estamos passando. É uma outra forma de contar que existimos e queremos fazer parte deste país”, diz a venezuelana Damelis.
No momento da aplicação dos questionários, quase 7 mil pessoas viviam nos abrigos da Operação Acolhida em Roraima. Localizados nas cidades de Pacaraima e Boa Vista, a Operação Acolhida – resposta ao fluxo de entrada de pessoas da Venezuela liderada pelo Subcomitê Federal de Acolhimento e Interiorização (SUFAI) – coordena 9 abrigos. A aplicação do Censo 2022 foi realizada com apoio das organizações Fraternidade sem Fronteiras (FSF), Associação Voluntários para o Serviço Internacional Brasil (AVSI Brasil) e Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF).
A família de Bladimir Pandoja, de 43 anos, também foi uma recenseadas na semana passada dentro dos abrigos de Roraima. No Brasil há quase um ano, Pantoja está no abrigo com quatro filhos e sua esposa. O primogênito da família participou da estratégia de interiorização da Operação Acolhida e vive, há três meses, no Rio Grande do Sul. “Acredito que ele também irá responder ao Censo 2022 por lá. Nossa intenção é de, no futuro, viajarmos com a família inteira para morar com ele”, conta o pai.
Pandoja é topógrafo graduado na Venezuela, mas no Brasil trabalha realizando diárias, principalmente para construção civil. Seus filhos, que no país de origem se dedicavam ao esporte, continuam esforçando-se para realizar seus sonhos no novo país. “Eles participam de treinos e eu os acompanho em campeonatos”, conta.
O sonho da família é poder, no Rio Grande do Sul, viver a integração socioeconômica completa no Brasil. “Queremos agradecer a este país que recebe tantos venezuelanos. Mas queremos dizer, principalmente, que viemos para trabalhar, aportar e trazer bons resultados ao país. Tenho conhecimentos e meus filhos trazem habilidades para crescer esta nação”, completa Bladimir.
Ao todo, foram 750 mil venezuelanos que chegaram ao país nos últimos anos, dos quais cerca de 350 mil permaneceram. Nos estados do norte, a Operação Acolhida, realizada com apoio da Força-Tarefa Logística Humanitária da Operação Acolhida, Agências da ONU, organizações da sociedade civil e poder público, promove o apoio na documentação e controle de fronteira, abrigamento emergencial, integração e realocação voluntária a outros estados brasileiros para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Camila Ignacio Geraldo