É inacreditável o número de estudos realizados a partir de dados e informações fornecidas por pessoas que não contemplam as regras elementares de ciência. Os autores dessas pesquisas parecem ignorar completamente que validade e fidedignidade são os pilares de toda explicação científica, desde que conectadas, naturalmente, a uma arquitetura teórica. Isso implica no descumprimento de algumas exigências que assegurem que aquelas pessoas que são escolhidas para o fornecimento dos dados apresentem as características essenciais que assegurem que elas são efetivamente as mais adequadas para tal. Além disso, é preciso a garantia de que a dinâmica entre as perguntas e as respostas obtidas estruturem as explicações que serão geradas em conformidade com o quadro teórico de referência. Noutras palavras, é a própria teoria que orienta a escolha dos sujeitos e os aspectos de validade e fidedignidade dos dados que serão recolhidos. Vejamos isso mais de perto.
Estudamos cientificamente grandes e pequenas populações. O intuito da ciência é entender o comportamento das coisas do mundo. Aquilo que não varia, portanto, não pode ser estudado cientificamente. Pessoas mudam seus comportamentos, assim como todos os tipos de indivíduos. A ciência presume que essas mudanças são consequências de impactos internos e externos aos indivíduos, chamadas de mudanças endógenas e exógenas, respectivamente. Há mudanças, então, que só impactam com muita força as pequenas comunidades de indivíduos, enquanto outras há cuja capacidade de influência é tão grande que chega a transformar completamente grandes comunidades. A preocupação da ciência é explicar três coisas: 1) que mudanças são essas, 2) como essas mudanças ocorrem e 3) por que essas mudanças ocorrem.
Quando as mudanças impactam pequenas comunidades, o número de indivíduos a serem consultados também é pequeno. Digamos que uma comunidade quilombola de 40 residências periodicamente sofre determinado tipo de doença. Um estudo científico dela precisaria levar em consideração todos os moradores dessas residências, divididos em afetados e não afetados. Esse tipo de escolha dos sujeitos é considerado um censo, por simplesmente envolver todo mundo, de maneira que a resposta obtida será válida para toda a comunidade. Contudo, se eu resolvo estudar apenas alguns dos moradores dessas residências, meu estudo fica comprometido porque não poderei generalizar os resultados alcançados. Nesta suposição em particular, meu estudo carece de validade de inferência, de generalização.
Queremos justamente chamar a atenção para isso: a necessidade de generalização. Toda a ciência carece disso porque uma de suas características é a universalidade, que pode ser traduzida na necessidade de suas explicações serem válidas para todo o universo. Uma explicação que se faça em uma pequena comunidade isolada do interior da Amazônia sobre um determinado e específico estilo de liderança tem que valer para todo o universo, para todos os tipos de comunidades, todo tipo de interação humana. Parece esquisito isso porque muita gente imagina, equivocadamente, que o que importa é explicar justamente aquela ocorrência específica e determinada. Mas o equívoco é desfeito a partir da compreensão da segunda exigência: a necessária vinculação a um corpo teórico.
Um corpo teórico é um conjunto de explicações válidas sobre determinado fato ou fenômeno do mundo. São consideradas válidas porque todas elas obedecem às exigências de universalidade a partir da garantia de validade e fidedignidade. Isso gera uma estrutura compreensiva das coisas de uma forma tal que nos permite entender as diferenças que uma situação particular apresenta quando comparadas com o quadro geral de referência teórica. Dessa forma, ainda que meu estudo seja específico e determinado, ainda assim ele só poderá ser realizado se levar em consideração a compreensão que está na mente do pesquisador que, por sua vez, é fruto do entendimento de uma série de explicações prévias realizadas por ele e outros cientistas. A escolha dos sujeitos precisa levar isso em consideração: que estejam em consonância com os tipos de sujeitos que as outras investigações utilizaram.
Disso resultam as duas exigências elementares da escolha de sujeitos. Primeiro, que sua quantidade tem que garantir a inferência; segundo, que estejam vinculados ao comportamento do fenômeno que se quer explicar. Grandes populações exigem esquemas muitas vezes sofisticados de amostragem, com estratificações e subestratificações; pequenas populações precisam ser totalmente estudadas. O que são pequenas populações, poderia alguém saber. A experiência sugere o quantitativo de 40 ou menos indivíduos. Acima disso, deve-se proceder a cálculos de amostragem.
Para a segunda exigência, os cientistas devem levar em consideração que não é por que alguém faz parte de uma comunidade que deve ser transformado em respondente (sujeito). Ele precisa ser capaz de entender os principais aspectos do fenômeno que será investigado e estar apto e disposto a colaborar. Se a teoria prevê indivíduos que sofreram determinada patologia, são eles que devem ser entrevistados; se prevê quem não sofreu, são estes que devem ser escolhidos. Essa atitude garante a fidedignidade, que é a garantia de que quem fornece as informações está realmente apto a fazê-lo.
A ciência das previsões diz que uma população é um conjunto de indivíduos que apresenta pelo menos uma característica em comum. Para que as previsões se aproximem do que vai acontecer, é necessário que essas características de fato estejam presentes em todos os indivíduos (sujeitos) que vão fornecer os dados para os cientistas. Essas regras são obrigatórias para todos os tipos de investigações científicas, inclusive e principalmente as de pequenas populações. Infelizmente, por pavor de números, muitos fazem pesquisas de pequenas comunidades sem saber que a regra é única, que o que vale para o infinitamente grande também vale para o infinitamente pequeno.