A subjetividade é um grande desafio para o pesquisador que lida com pequenas amostras. Isso vale tanto para pequenas amostras bibliográficas quanto dados de natureza empírica. A consequência da subjetividade nos estudos e comunicações científicas é a ilusão de que aquilo que está sendo reportado é a realidade objetiva que se pretende explicar. E isso pode ser traduzido no imaginário, reprodução da tela mental do pesquisador, que se passa como análise e interpretação de aspectos do real. No fundo, o que o pesquisador relata é o que ele deseja que seja, o que ele imagina ser, de maneira que fica impedida qualquer possibilidade de aferição externa da validade e confiabilidade dos seus resultados. A razão disso é que os dados coletados podem ser constituídos majoritariamente pelo que o pesquisador pensa que eles efetivamente sejam. E não é fácil, na prática, vencer essa ilusão da confusão do que se pensa/deseja com aquilo que é registrado. E uma das estratégias mais utilizadas para vencer a subjetividade é o uso de múltiplas fontes de evidência para a coleta de dados de pequenas amostras.
Diz-se fonte de evidência a todas as formas através das quais os pesquisadores coletam dados. A fonte de evidência não pode ser confundida com os instrumentos de coleta de dados, uma vez que é possível o uso de vários instrumentos para uma mesma fonte de evidência. O Survey (Levantamento) é uma fonte de evidência. Há diferentes instrumentos passíveis de serem utilizados em levantamentos, como questionários, formulários, gravações de vídeo, gravações de áudio, registros sonoros e captação de cores, dentre inúmeros outros. A observação é outro tipo de fonte de evidência que, por sua vez, pode ser operacionalizada a partir do uso de diferentes instrumentos de coleta de dados. A fonte de evidência, nesse particular, se aproxima muito do que os cientistas chamam de estratégia de coleta de dados.
Quando estudadas pequenas amostras, a intenção quase sempre é a compreensão com profundidade de determinados aspectos que são impossíveis com outras grandes amostras. Tome-se o caso de estudo que procura entender determinada etapa do processo de formação de professores. O pesquisador isola temporariamente todas as outras etapas e se concentra na multiplicidade de aspectos da etapa que pretende entender. Se ele utilizar apenas fontes documentais, terá certamente uma explicação diferente do que ele teria se utilizasse entrevistas com professores e alunos e observação da execução daquela etapa. A razão disso é que cada fonte de evidência lança novas luzes de diferentes perspectivas sobre aquilo que se quer explicar, ao mesmo tempo clareando o que já é visível e tornando visível o que é possível ver com apenas um foco de luz, com apenas uma fonte de evidência.
É essa a primeira intenção de vencer a subjetividade: ver as coisas sob diversos ângulos. A visão que se tem a partir de uma única fonte de evidência é o que chamamos de ótica linear unidimensional. É o pesquisador parado olhando para o que quer entender. Sob outros ângulos, é como se o pesquisador se movesse para os lados, para cima, para baixo e até para dentro do fenômeno, de maneira que se possa gerar uma explicação a mais completa possível. Quem explica algo sob o ponto de vista de uma única teoria age com visão linear unidimensional. O ideal seriam os múltiplos ângulos em forma dinâmica, que é o que chamamos de visão múltipla longitudinal, que vê as coisas em evolução ao longo do tempo.
De nada vale, contudo, a coleta de dados a partir de múltiplas fontes de evidência, se a organização dos dados forem lineares, como será mostrado no próximo capítulo. É necessário que os dados coletados e os resultados gerados se comuniquem. A finalidade dessa comunicação é tanto a covalidação dos dados e resultados, quanto a garantia de que as diferentes perspectivas apontam para a mesma descoberta. Se os resultados mostram que os professores consideram determinado resultado como sucesso e os alunos, como fracasso, essa conclusão parcial pode ser apenas ilusão, se vista sob uma única ótica. Com o auxílio de outras fontes de evidência pode-se constatar que são diferentes maneiras de dizer a mesma coisa.
Veja o caso do estudo que pretendeu avaliar as políticas públicas de determinado governo. Foi utilizada fonte documental de evidência. Foi elaborada uma planilha eletrônica em que constavam os objetivos, metas e indicadores previstos e os executados. A estratégia foi a comparação do previsto com o executado para a geração dos resultados. A interpretação foi a simples verificação do percentual do previsto com o percentual executado: se o previsto foi executado, haveria sucesso; se não, fracasso. Acontece que políticas públicas são elaboradas para solucionar problemas públicos e a avaliação precisa dar conta da realidade do problema que gerou as políticas. Aquelas fontes de evidências documentais (análise do plano de gestão e relatório de gestão) eram necessárias, mas não suficientes para dar conta da compreensão da efetividade das políticas públicas. A razão disso é que problemas complexos que exigem profundidade precisam de várias fontes de evidências. E todas robustas, com dados válidos e confiáveis.
As fontes de evidência servem como comprovação daquilo que se afirma. E toda investigação científica é composta de algumas afirmativas muito fortes, todas decorrentes das suas questões norteadoras ou hipóteses de pesquisa. O desafio do trabalho do cientista é coletar as evidências empíricas mais robustas, organizá-las e mostrar a lógica que está por trás delas. Um conjunto de evidências robustas sustentam uma afirmativa ousada. E para que se tenham várias evidências robustas é necessário que se trabalhe com várias fontes de evidências. Essa é a regra básica para todo tipo de investigação. Contudo, infelizmente, talvez por pavor de matemática, muitos pesquisadores se iludem preferindo trabalhar com pequenas amostras a partir de uma única visão. Visão geralmente míope.
(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)