Coluna C & T: População e amostra – Daniel Nascimento-e-Silva

A ciência é universal. Essa afirmativa parece um tanto quanto incompreendida por muita gente, principalmente pelos pesquisadores que não são cientistas. O que ela quer dizer, com exatidão, é que uma explicação, para ser científica, precisa ser aplicada para tudo no universo, ainda que esse espaços, para muitas áreas do conhecimento, esteja circunscrito pelo planeta Terra. Tome-se o exemplo da lei da gravitação universal. A pretensão é que ela explique a gravidade em todo o universo conhecido e em todos os universos que se desconfia que existam. Ainda que a gravitação possa variar em alguma parte do universo, a explicação geral tem que valer para todas as demais. Em áreas como a educação, a universalidade é o planeta, de forma que uma explicação produzida (uma teoria) tem que ser válida e aplicável para qualquer forma educativa no planeta. Isso confunde a cabeça dos pesquisadores porque se acostumaram a imaginar que é ciência aquilo que fazem estudando casos muito particulares sem quaisquer possibilidades de generalizações. Aliás, essa é uma das razões de por que não aprenderam a usar o método científico. Como consequência, não aprenderam a raciocinar população e amostra.

Em primeiro lugar, é necessário que se esclareça que há fatos e fenômenos que são típicos de um determinado espaço, que só ocorrem ali. As apresentações da dança do Marambiré só acontecem em Alenquer, no Pará. Se um cientista se interessa em entender o impacto dessa arte sobre o cotidiano da população da comunidade Pacoval, de onde a dança é originária, terá naturalmente que tomar como universo as pessoas daquela comunidade. Dessa forma, o universo do Marambiré é a comunidade do Pacoval. Mas alguém poderia argumentar, com razão, que a dança também é praticada em alguns bairros da cidade e em outras duas localidades do município de Alenquer. O universo seria ampliado para esses outros espaços.

Mas parece que a maior parte das coisas acontece de alguma forma no mundo todo. É o caso dos fenômenos econômicos. Em todo o mundo há oferta e demanda por produtos e serviços. Pessoas e organizações desejam e têm condições de comprar alguma coisa, da mesma forma que outras pessoas e organizações têm e desejam vender os produtos e serviços que as outras necessitam. Nesse caso, o universo é o planeta. No dia em que houver comunidades na Lua ou em Marte e lá houver demanda e oferta, a ideia de universo deve englobar esses outros dois astros cósmicos.

O que queremos mostrar com esses dois exemplos? No caso da pequena comunidade, o todo é composto das pessoas que moram na comunidade Pacoval, que deve ter menos de mil pessoas; no caso dos fenômenos econômicos, o todo é a somatória de toda a população do planeta. Esse todo é chamado, pela ciência, de população. Uma população é a totalidade de pessoas ou coisas que têm pelo menos uma caraterística em comum. Alguém faz parte da comunidade do Pacoval se morar lá, de maneira que “ser morador” da comunidade é a característica comum da população. Se eu quero estudar o impacto da dança do Marambiré no cotidiano dos moradores da comunidade, tenho que estudar todos os moradores. De igual forma, se pretendo compreender cientificamente a dinâmica econômica de ofertantes e demandantes de produtos, tenho que consultar toda a população do planeta.

Acontece que estudar todos os componentes de uma população é demorado e caro. Por essa razão os cientistas inventaram técnicas que permitem que, com o estudo de uma pequena parte do todo, os resultados gerados não são muito diferentes daqueles que seriam alcançados se toda a população fosse consultada. Essa parte é chamada de amostra. A ideia é simples e fácil de entender. Para saber se a sopa que está em caldeirão de mil litros está ou não salgada, não precisamos tomar todo o seu conteúdo. O que se faz? Pega-se uma pequena porção e se prova. É claro que, para obter essa prova, é necessário que se mexa toda a sopa, misturando tudo lá dentro. A partir dessa prova sabemos se a sopa está ou não com a quantidade satisfatória de sal.

Mas tem um outro porém que poucos pesquisadores sabem. Apenas estudar determinada realidade, onde determinado fenômeno ocorre de forma exclusiva, não faz das descobertas conhecimentos científicos. É preciso que esses achados estejam abrigados por um escopo teórico. Quando estudo o impacto da dança sobre a comunidade, tenho como base uma estrutura explicativa prévia, que pretendo aferir se consegue explicar o que acontece naquele lugar remoto. O estudo localizado será mais uma fonte de evidência empírica que confirma a natureza universal das explicações científicas.

Do ponto de vista da coleta dos dados, os instrumentos a serem utilizados, seja para casos extremamente particulares ou substancialmente universais, são construídos a partir do que a ciência já conhece. Essa estrutura mestra é formada pelas dimensões e categorias analíticas, já explicadas anteriormente. E isso explica também por que os estudos tipicamente científicos são chamados de pesquisas teórico-empíricas: por que são tentativas de refutar as hipóteses mestras que toda teoria e campo teórico têm. É através das refutações que a ciência progride porque a cada refutação uma explicação alternativa tem que ser colocada no lugar.

Pesquisadores com fracos conhecimentos científicos imaginam que população e amostra sejam dois conceitos de pesquisas quantitativas, de que têm pavor. Esse medo extremo é apenas demonstração explícita de ignorância, desconhecimento das regras mais elementares da ciência. Por essa razão pensam que é mera aplicação de uma fórmula que eles não entendem para dizer quantas pessoas ou coisas precisam ser estudadas. Nem desconfiam que é o cumprimento de um compromisso universal de fazer o entendimento humano avançar.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

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