Coluna C & T: Redação científica: questões de pesquisa – Daniel Nascimento-e-Silva

Há dois aspectos da prática científica que comumente é esquecida nas redações de manuscritos que são reprovados quando submetidos a publicações: as questões de pesquisa e as questões norteadoras. Estamos tratando apenas de questões ao invés de hipótese porque toda hipótese, em última instância, é uma forma diferente de apresentação de questões científicas. Quando falo, por exemplo, que “água é algo comum no universo”, estou também me referindo à pergunta “água é algo comum no universo?”, de maneira que a afirmativa é uma hipótese oriunda de uma questão que habita o universo mental do cientista que a formulou. É praticamente a mesma coisa que acontece quando afirmou que “o desempenho de aprendizado está associado com os recursos pedagógicos e ambiente de ensino”. Essa hipótese está consubstancia na questão “Há associação entre desempenho de aprendizado, recursos pedagógicos e ambiente de ensino?”. Isso demonstra que toda hipótese pode ser transformada em questão de pesquisa e vice-versa. É justamente esse esforço de transformar questões em hipóteses e de afirmar perguntas passíveis de serem respondidas que também tem que estar presente nas redações de comunicações científicas. Infelizmente, ao que a prática tem evidenciado, elas têm sido deixadas de lado muito rotineiramente.

Aprendemos nas aulas conceituais de metodologia de pesquisa que há dois tipos básicos de questões científicas. A primeira é a questão principal de pesquisa, que geralmente associamos à ideia de problema. Toda investigação científica, de fato, é um esforço longo para respondê-la. Parece que as compreensão desse fenômeno para por aqui, ou seja, quando a pergunta (adequadamente ou não) é formulada. Esse parece é decorrente da constatação de que ela praticamente desaparece nas revisões da literatura dos projetos de pesquisa, permanece omissa na metodologia e não se tem ideia dela na apresentação dos resultados e discussão. No máximo, ela é apenas citada na conclusão. As questões norteadoras, quase sempre, são desconhecidas tanto nas aulas de metodologia quanto nos projetos, manuscritos submetidos a publicação e inúmeras teses e dissertações surpreendentemente aprovadas.

Mas como essas questões devem aparecer nas comunicações científicas? Comecemos com a questão principal, que é aquela conhecida como problema de pesquisa. Ela aparece no resumo e na introdução como objetivo geral da investigação. Como? Vejamos. Se o objetivo geral for “Analisar se há associação entre desempenho de aprendizado, recursos pedagógicos e ambiente de ensino”, basta retirar o verbo no infinitivo o condicional “se”, que denota a probabilidade, e deixar toda a frase restante do jeito que está, colocando-se um ponto de exclamação no final. Ficaria assim o nosso exemplo “como objetivo geral da investigação. Como? Vejamos. Se o objetivo geral for “Há associação entre desempenho de aprendizado, recursos pedagógicos e ambiente de ensino?”. Note que tudo o mais que está escrito no resumo e na introdução é manifestação diferente dessa pergunta.

Na revisão da literatura ela é destrinchada, desdobrada em suas partes essenciais. No caso do nosso exemplo, na revisão da literatura vamos mostrar o que a ciência sabe sobre desempenho de aprendizado, seus componentes e impactos que causam e recebem de outros fenômeno, concentrando-se nos recursos pedagógicos e ambientes de ensino. Também faremos o mesmo balanço com relação aos outros dois fenômenos de quem desconfiamos que haja relação. Essas relações precisam ser definidas em questões específicas, que ficariam mais ou menos assim: “Há associação entre desempenho de aprendizado e recursos pedagógicos?” e “Há associação entre desempenho de aprendizado e ambientes de ensino?”. Essas duas questões específicas é que vão nortear, direcionar os trabalhos empíricos, de campo. Por isso elas são chamadas de questões norteadoras. Redações bem feitas colocam essas questões ou hipóteses acessórias ao longo da revisão, sintetizando o balanço da literatura. Hipóteses são explicações provisórias.

As questões de pesquisa, principalmente as norteadoras, são apresentadas logo no início da metodologia, assim como as hipóteses. Tudo o mais nessa seção é um detalhamento e demonstração, com exemplos, de como as questões norteadoras foram respondidas e como as hipóteses acessórias foram refutadas ou confirmadas. É uma grande e inútil bobagem nessa seção dizer que o estudo é qualitativo ou quantitativo ou que fulano ou beltrano dizem que isso é isso e aquilo é aquilo. Essas coisas estão implícitas em todo o manuscrito, de maneira que quando se afirma isso na metodologia está-se diante de autores que não sabem o que fazem. Geralmente isso ajuda os avaliadores a reprovar o manuscrito, se os avaliadores tiverem grande experiência em produção científica de qualidade.

A seção de resultados e discussão toda tem que estar voltada única e exclusivamente para a apresentação das respostas às questões norteadoras ou apresentação dos resultados dos testes das hipóteses acessórias. Aqui tudo gira em volta das questões norteadoras de forma específica, mas sempre relacionando cada conclusão parcial com a questão principal. Se o manuscrito fizer triangulação, essa lógica precisa ser usada: resultado obtido, relação com a questão/hipótese principal e comparação com o quadro teórico de referência. Se separar resultados de discussão, na seção de resultados a comparação será dos resultados das questões norteadoras ou hipóteses acessórias com a questão principal. Na discussão dos resultados a comparação será das conclusões parciais com a questão principal e quadro teórico. A redação dessa parte tem que terminar com a apresentação da conclusão. Estudo científico tem conclusão, não considerações finais.

E a conclusão? A conclusão começa com a reapresentação da conclusão e prossegue com seus desdobramentos. É a contraparte da introdução. Complementam essa parte as implicações da descoberta do estudo para a situação problemática e para o quadro teórico de referência (contribuição do estudo para a ciência).

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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