Coluna C & T: Sujeitos e objetos – Daniel Nascimento-e-Silva

Toda coleta de dados é feita a partir de seres vivos ou inanimados. Quando envolve seres viventes, é necessário que uma série de procedimentos prévios sejam realizados para que os dados ganhem não apenas consistência, mas também se revistam de todas as exigências legais para tal. A não ser em casos muito específicos e peculiares, a pesquisa com pessoas e animais precisam ser autorizadas por conselhos de ética, por exemplo. Sem essa autorização, ainda que sejam seguidos todos os rigores da ciência, os resultados obtidos e suas consequentes descobertas podem ser completamente anuladas. Essa situação é muito parecida com o que acontece nos meios jurídicos, em que uma prova obtida por meios ilegais não pode ser utilizada e nem apensada nos autos. A cada vez mais, também, elencam-se legalmente os direitos de alguns animais, que precisam ser obedecidos, como é o caso dos equinos, que alcançaram a categoria de seres sencientes em vários países. Essas considerações são necessárias para que se percebam as fundamentações dos estudos (e coleta de dados) de indivíduos e coisas.

Talvez o termo mais geral que a ciência tem utilizado para se referir a seres vivos seja indivíduo. Um exemplar de uma variedade de vegetal é um indivíduo, da mesma forma que um trabalhador, empreendedor ou cavalo de corrida. Os indivíduos seriam organismos únicos, seres viventes tomados um a um. Uma rocha, por outro lado, não pode ser considerado um indivíduo, da mesma forma que uma máquina, por mais célebre que seja a sua inteligência artificial. Essa é a primeira coisa que precisa ser compreendida. Os indivíduos são singulares, únicos, diferentemente das coisas, como os rios, os ventos e assim por diante. E essa singularidade parece ir além de sua existência. Quase todos os indivíduos têm sensibilidade, em maior ou menor grau. E a sensibilidade altera os resultados da ciência.

Imagine se fosse possível fazer experimentos com um grupo de crianças para saber se há diferenças no aprendizado delas quando submetidas a ambientes escuros. Esse tipo de estudo, além de resultados altamente contestável, produziria certamente efeitos devastadores de ordem psíquica, psicológica e mental nos indivíduos participantes. Talvez esses efeitos se prolongassem por toda a vida delas, alterando definitivamente os seus comportamentos. É por essa razão, por exemplo, que uma série de condições são exigidas legalmente para a realização de pesquisas científicas com pessoas e com animais. Em resumo, tudo o que tiver alguma possibilidade de dano aos sujeitos não pode ser estudado cientificamente. Essa é a primeira consideração que se precisa ter em relação à escolha dos sujeitos: que danos prováveis o estudo trará a eles e como podem ser contornáveis.

A segunda coisa que precisa ser considerada é a quantidade representativa deles. Muitos pesquisadores, que têm pavor e ódio de grandes quantidades, só fazem estudos de pequenos grupos de pessoas porque acham que matemática e estatística não geram resultados científicos. Daí preferem “estudar em profundidade” um grupo de três, quatro ou cinco professores em um universo de 100. Acham sinceramente que esse tipo de estudo é válido para explicar o comportamento da totalidade dos docentes. Desconhecem, com essas atitudes, as regras de validade e fidedignidade da ciência. Para não cair nesse demonstração de ignorância, recomenda-se que pequenas populações, geralmente iguais ou menores que 40 indivíduos, todo o contingente precisa ser estudado, individualmente ou em grupos. A razão desse procedimento é que a quantidade de sujeitos está relacionado com a validade da inferência, da generalização. Uma amostra só será representativa se detiver todos os elementos característicos da população.

A terceira coisa em relação aos sujeitos é que é necessário que se estabeleça um esquema apriorístico de seleção. Se desejo estudar os secretários municipais de um município, tenho que estudar todos eles porque são poucos. Mas se desejo explicar as reações de diretores quando da ocorrência de crises e eles forem, digamos, 70, tenho que calcular uma amostra deles e inventar uma forma de saber quantos. Se minha margem de erro máxima for de 5%, com significância de 95%, terei que selecionar 60 sujeitos. Mas como saber quem? Uma técnica pode ser o uso de uma tábua de números aleatórios. Porém, para isso, o pesquisador deve antes aprender a manuseá-la. Resumindo, todos os sujeitos precisam ter a mesma oportunidade de ser escolhido.

A quarta exigência fundamental para a escolha dos sujeitos é a sua adequação, pertinência, fundamentalidade na geração dos dados. Só pode participar quem puder fornecer os dados de que o cientista necessita sem que danos lhes sejam causados. Por essa razão é preciso justificar adequadamente por que determinado indivíduo faz e outros não fazem parte do estudo. É preciso demonstrar a capacidade dos indivíduos selecionados em gerar os dados essenciais para a investigação. Não pode haver preferências, como se tem visto por aí, em que indivíduos a favor de determinada posição são selecionados, em detrimento dos que são contrários, quando essas duas categorias de sujeitos fizerem parte da mesma população. Uma amostra tendenciosa vai apresentar resultado tendencioso, o que é uma falsa ciência.

E os objetos? Os objetos são coisas. E, como coisas, não apresentam sensibilidade. Seus manuseios não alteram os resultados da ciência, desde que, naturalmente, sejam preparadas as condições fundamentais de estudo. Como não têm sensibilidade, não precisam passar por conselhos de ética em pesquisa se eles forem objetos de estudo. Enquanto objeto de estudo, pretende-se compreender suas dimensões e categorias de análise e não seus impactos sobre indivíduos. Quando o estudo do objeto apresentar qualquer possibilidade de impacto sobre indivíduos, a pesquisa já passa para a dimensão dos sujeitos. E todas as quatro recomendações precisam ser obedecidas.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

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