O procurador Alisson Marugal, do Ministério Público de Roraima, relacionou diretamente a omissão do governo federal, entre 2017 e 2022, à tragédia humanitária vivida pelo povo Yanomami no Estado nortista. Marugal detalhou, em depoimento à comissão do Senado que investiga a tragédia nesta quarta-feira, 15, que desde 2019 o Ministério Público, através de ações judiciais, conseguiu vitórias na Justiça cobrando ações do governo federal, mas que na prática não foram cumpridas.
Marugal afirmou que o garimpo ilegal no território Yanomami passou a ocorrer de forma descontrolada a partir de 2017. Imediatamente o Ministério Público passou, através de ações judiciais, a tentar reverter a situação. Em 2019 conseguiu, através de decisões da justiça estadual e do STF, exigir do governo federal um plano de ação de combate ao garimpo ilegal. Mas o que passou a ocorrer foram ações muito esparsas, pouco efetivas e insuficientes para expulsão dos garimpeiros.
Marugal disse que a omissão ocorreu também na Fundação Nacional do Índio (Funai) durante esse período. A forte disseminação do garimpo ilegal, incluindo até mesmo a atuação desenfreada de facções criminosas, levou à tragédia humanitária, salientou o procurador. O que fez com que os anos de 2021 e 2022 fossem marcados pela morte de centenas de crianças, jovens e adultos ianomâmi por desnutrição. Ele ainda denunciou o completo sucateamento da educação indígena no território Yanomami nos anos recentes.
Crimes sexuais, drogas e armas
Também se generalizou a exploração sexual de menores e mulheres indígenas, além da disseminação de drogas e armas entre os povos originários. Esse quadro, somado à contaminação de rios e a inviabilização do uso do território para plantio, caça e pesca pelos Yanomami, levou à tragédia humanitária. Para Marugal, somente agora, em 2023, o governo federal implantou um plano de ação visando combater o garimpo ilegal, o que tem levado à expulsão de 80% dos invasores do território.
A fala do procurador foi corroborada pelo diretor da ONG Instituto Socioambiental, Márcio Santilli. Para ele, a omissão do governo, especialmente a partir de 2021, foi determinante para a tragédia humanitária, que levou à disseminação de doenças e fome entre os indígenas. Santilli salientou que o descaso com os ianomâmi tornou-se mais grave a partir de 2017.
A fala de Santilli foi contraditada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Ela afirmou que Santilli foi presidente da Funai em 1995 e 1996, e que já naquela época existiam denúncias de descaso em relação aos ianomâmi. Santilli respondeu que a situação durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando ocupou a presidência da Funai, não tem “a menor condição de ser comparada com o que vimos nos anos recentes”.
Santilli também usou o termo “genocídio” para se referir à omissão do governo nos últimos anos. O uso do termo também foi contraditado pelo relator da comissão, senador Dr. Hiran (PP-RR). Ele disse que o garimpo ilegal invade territórios indígenas “há pelo menos 80 anos”, inclusive em Roraima, e que é um crime que precisa de combate efetivo do Estado. O senador também entende que o termo “genocídio” está relacionado a crimes contra a humanidade, e ele vê a situação do garimpo ilegal com “nuances que envolvem, inclusive, a busca pela sobrevivência de muitos brasileiros que vivem na miséria e na pobreza na Amazônia”.
Missão Evangélica Caiuá
O diretor da ONG Missão Evangélica Caiuá, Geraldo Silveira, também participou da reunião. Essa ONG tem, nos últimos anos, gerido grandes recursos repassados pelo governo no atendimento à saúde dos Yanomami. Silveira confirmou que problemas estruturais fizeram com que o número de atendimentos caísse de cerca de 11 mil para 2 mil por ano recentemente. Esses problemas estão ligados a ameaças contra médicos e enfermeiros por parte de invasores, falta de medicamentos e grande dificuldade no transporte dos profissionais, o que fez com que muitos desistissem de atuar por ali. Outro problema relatado foi o sucateamento dos postos de saúde.
O presidente da comissão, senador Chico Rodrigues (PSB-RR), observou que a ONG Missão Evangélica Caiuá geriu mais de R$ 2 bilhões de recursos públicos nos últimos anos, “um orçamento maior até do que a Funai”, por isso entende que a prestação de serviços precisa ser melhor averiguada. Para Damares Alves, o Brasil precisa discutir se a saúde indígena, em casos como os dos Yanomami, deve ser terceirizada ou ser assumida mais diretamente pelo Estado brasileiro.
Agência Senado