A Procuradoria Especial da Mulher (PEM) da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) participou na tarde desta quarta-feira, 19, na Casa da Mulher Brasileira, do 1º Encontro das Mulheres Pretas Latino-Americanas e Caribenhas – Acesso e Participação Igualitária para Todas as Mulheres. Durante o evento foram distribuídos panfletos informativos sobre os serviços oferecidos pela instituição.
A finalidade do encontro foi discutir temáticas como a superação do racismo, preconceito, disparidades étnicas e de gênero, que acometem esta população específica e que devem ser considerados na elaboração de políticas públicas.
A psicóloga do Chame (Centro Humanitário de Apoio à Mulher), da PEM, Thaís Oliveira, destacou que foi importante a Procuradoria participar do evento para mostrar o trabalho realizado, que contempla as mulheres pretas. “Na Procuradoria temos esse atendimento especializado e mais humanizado. Aquelas que necessitam desse trabalho, desse apoio jurídico, psicológico e social, podem entrar em contato por meio do WhatsApp ou nos procurar na sede, onde temos uma equipe multidisciplinar que vai resgatar essa mulher e ver o que de fato ela precisa, se é de um psicólogo, de assistente social ou do atendimento jurídico”, explicou.
Por preconceito contra a própria raça, Thaís afirma que o percentual de mulheres pretas que procuram o Chame ainda é mínimo, se levar em conta que o maior número de vítimas da violência doméstica é dessa população.
“A demanda é pouca porque as mulheres pretas não se dizem pretas, elas se dizem pardas. Então a estatística do Chame fica meio confusa. Não podemos simplesmente olhar para mulher e dizer “você é preta”, mesmo estando explícito que ela é preta. Mas pelos atendimentos, visualmente, a gente vê que essa demanda pode ser maior, de 20% a 30% de mulheres pretas”, reforçou.
A Procuradoria Especial da Mulher funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, nos seguintes endereços: Avenida Santos Dumont, 1470, bairro Aparecida, em Boa Vista, e na Rua Senador Hélio Campos, sem número, BR-174, no município de Rorainópolis. O atendimento também é feito pelo ZapChame (95 – 98402-0502), durante 24 horas, inclusive aos domingos e feriados.
Protagonismo e igualdade
A coordenadora da Igualdade Racial no Estado de Roraima, Rafaela André, disse que o encontro tem como finalidade estimular o protagonismo das mulheres pretas, que ainda são acometidas de vários males da sociedade como racismo e a violência de gênero.
“Decidimos em ano de proposta do plano plurianual reunir o número de protagonistas para que digam o que querem e que não querem. Esse encontro vem com esse viés de trazer o protagonismo, promover a igualdade, reunir o maior número de mulheres para tratar dessa pauta. Na mesa-redonda, repleta de salas com protagonismo, temos mulheres pretas, indígenas, colombianas e migrantes em geral que falarão o que elas querem para os próximos quatro anos”, ressaltou Rafaela.
A secretária de Bem-Estar Social (Setrabes), Tânia Soares, disse que o encontro faz parte de uma extensa programação desde a criação, no âmbito do governo do Estado, da política de promoção da igualdade racial.
“A partir desta instituição já foram realizadas visitas técnicas em Brasília para fazer um alinhamento com o Governo Federal no que diz respeito a essa política. O encontro de mulheres pretas com o tema voltado ao acesso e a participação igualitária de mulheres abre uma programação que vai estender até o dia 20 de novembro, grande dia da promoção da igualdade racial que é discutido mundialmente. São várias programações e as mulheres negras, pardas, indígenas estão super bem representadas para discutir a pauta de acesso a todos os direitos”, disse a secretária.
Para a promotora de Justiça da Mulher, Lucimara Campaner, a principal diretriz é a inclusão da mulher preta e indígena, em igualdade de condições da mulher branca, principalmente nos serviços que envolvem a proteção da mulher em situação de violência, sobretudo a mulher vítima de violência doméstica familiar, por ser difícil uma mulher romper o ciclo de violência.
“As pesquisas mostram que se uma mulher tem dificuldade de sair do ciclo, a mulher preta ainda mais. Nos feminicídios, a cada dez mulheres, seis ou sete são pretas. Igualmente a violência contra a mulher doméstica, onde o maior índice é de mulheres negras. Como somos também um Estado, eminentemente, indígena e com fluxo migratório da população venezuelana, essas mulheres têm que estar no centro da discussão. Temos que estar preparados para acolher; elas têm que se sentirem pertencentes a todos os equipamentos de políticas públicas e de proteção”, destacou a promotora.
Socióloga se orgulha da origem preta
A socióloga Cristina Leite foi ao encontro vestida à caráter para mostrar que o sangue de preta corre nas veias e que se orgulha das origens e da ancestralidade. Roraimense, natural de São João do Baliza, ele conta que sofreu muito preconceito, mas que a base dela, os pais, sempre ensinaram a se valorizar, não baixar a cabeça e lutar pela igualdade racial e de gênero.
“Em São João da Baliza, mesmo a maioria da população sendo preta, a gente tinha racismo na escola. Não sentia tanto quanto sente hoje. Na cidade eu também fui várias vezes vítima de racismo, ainda sou. Um dia, na Escola Técnica, fui tocar numa moça e ela revidou “não pegue em mim, você vai me sujar”. Fiquei tão triste que não tive condições de me defender, fiquei sem reação, simplesmente imaginava que uma pessoa nunca faria isso com a outra”, contou.
Os estudos e a formação acadêmica ajudaram Cristina a seguir em frente de cabeça erguida, mas o racismo ainda é latente. “Sempre trabalhei em serviço público, mas constantemente sofro racismo. Quando a gente quer se impor, vem alguém e diz “neguinha arrogante”, sou neguinha em várias situações, inclusive tive chefes que me trataram com preconceito. Mas a partir daquele dia, lá na escola, eu decidi que não iria baixar a minha cabeça e hoje sou uma mulher empoderada, sou preta, sou feliz”, assegurou.
A união da família foi sempre o porto seguro para Cristina superar qualquer indiferença da sociedade. “O que vale muito é a minha família, onde tenho todas as memórias quentinhas de amor. A minha mãe nunca penteou o meu cabelo e nem me chamou de cabelo de fuá, igual muitas mães fazem. Para a minha mãe eu sempre era a mais bonita em tudo, o meu pai me chamava princesa. Eu fui criada como princesa, tanto que eu me acho a Rainha de Sabá. Sou uma preta feliz”, reforçou.
Marilena Freitas