Muitos podem estar se perguntando, que tipo de dados são esses, já que provavelmente não encontraram nos manuais de métodos de investigação científica. E todos estarão com razão. Eles não existem. Estamos chamando de dados triangulados àqueles que geralmente são coletados para utilizar métodos multiinstrumentais exigidos para a covalidação de suas descobertas, como é o caso do estudo de caso proposto por Robert K. Yin. Esses métodos exigem múltiplas fontes de dados para fugir da subjetividade. Múltiplas fontes significam múltiplas estratégias para coletar dados, com uso de diferentes instrumentos. Por exemplo, em um estudo de caso podem ser utilizadas entrevistas, observação e análise documental. Cada uma dessas estratégias estão concentradas em diferentes fontes de dados. As entrevistas são originadas de pessoas; a observação, do próprio pesquisador observador; enquanto a análise documental tem como fonte, naturalmente, documentos organizacionais. Três instrumentos, três fontes de dados e, consequentemente, três formas de organizar esses dados. Mas, antes, duas explicações fundamentais.
O segredo de uma adequada organização de dados é sempre sua análise. Analisar é quebrar, dividir, separar o todo em partes. Quando os dados são em formato de números, isso parece não ser problemático. Quando são em forma de palavras, frases, orações ou períodos, um problema gigantesco aparece, a tal da subjetividade. A subjetividade, de forma simplificada, é deixar que a mente e a visão do pesquisador tome o lugar dos dados. Na prática, os dados apontam para uma coisa e o pesquisador os força a significar outra coisa. A razão disso é o desconhecimento desses pesquisadores de técnicas analíticas, ou seja, maneiras através das quais se pode quebrar as palavras, frases, orações e períodos para se procurar uma lógica entre elas. Na verdade, essas pessoas que procedem dessa forma desconhecem tanto a prática de investigações científicas que confundem análise com interpretação.
Quando se fazem análises, quebram-se inúmeros dados em seus elementos constituintes. Definições são quebradas em termos de equivalências e atributos, por exemplo. A massa de todos os termos de equivalência têm uma lógica que, apriori, é desconhecida. Somente quando eles são quebrados e observados minuciosamente é que determinada lógica tende a aparecer. Sempre uma delas aparece, assim como várias também podem ser descobertas. O mesmo acontece com os atributos e com todos os tipos de dados de natureza textual. Analisar é quebrar. Interpretar é dizer o que essas coisas quebradas querem dizer, qual é a lógica que há nelas. Em seguida, essa lógica precisa ser comparada com alguma teoria que preveja esse tipo de comportamento. Se não houver, teremos dado o primeiro passo nessa construção teórica. Vejamos um caso de aplicação da bendita análise do discurso, que parece que todo mundo acha que foi inventada por Bardin e somente ele tem autoridade sobre isso.
Vejamos a expressão “Manaus é a cidade mais bela de todo o hemisfério Sul”. Essa expressão pode ser quebrada de diversas formas. Pode ser em forma de sujeito (Manaus) e predicado (é a cidade mais bela de todo o hemisfério Sul), definiendum (Manaus) e definiens (é a cidade mais bela de todo o hemisfério Sul) e outras formas de quebrar o discurso. Acontece que se quisermos analisar o discurso de uma única pessoa, não poderá haver ciência simplesmente porque não haverá variância em nenhuma de suas partes. É preciso que se tenham várias expressões para que a análise possa ser utilizada. Outras expressões poderiam ser “Parintins é uma comunidade amorosa e de povos gentis” e “Autazes é um grupo de pessoas do mais alto grau colaborativo”. Aqui poderíamos quebrar as expressões, organizando-as, em tipos de comunidades usadas nos discursos (cidade, comunidade, grupo de pessoas), atributos (bela, amorosa, gentis, colaborativos) e assim por diante. Mais uma vez: analisar um discurso é quebrá-lo em partes. Se alguém partir direto para a interpretação, comete um erro crasso em ciência, o que, infelizmente, é muito comum.
A segunda explicação também é simples de ser entendida: cada fonte de evidência precisa gerar seus próprios resultados sem levar em consideração os resultados das outras fontes de evidência. Se quero saber como é praticado o processo gerencial em uma sala de aula, preciso gerar um relatório e suas descobertas com os dados das entrevistas, outro relatório e suas descobertas com os dados da observação e outro resultado e suas descobertas com a análise dos documentos. E todos os protocolos de pesquisa precisam tocar o mesmo ponto: as etapas do processo gerencial. Isso significa que vamos perguntar sobre planejamento, organização, direção e controle do ensino e aprendizagem; vamos observar como o planejamento, organização, direção e controle do ensino e aprendizagem é feita; e vamos analisar documentos que mostrem como o planejamento, organização, direção e controle foram feitos no passado e estão sendo feitos agora. Nada, portanto, de uma fonte focar uma coisa e as outras fontes uma seguda, terceira e demais coisas. Triangular é ver a mesma coisa sob diferentes perspectivas. E cada perspectiva precisa apresentar suas descobertas individualmente. Apenas após conhecermos as descobertas individuais é que vamos compará-las, sempre com a intenção clara, consciente e deliberada de eliminar o máximo possível da nossa subjetividade. Na organização dos dados deve aparecer a voz dos dados, não do que o pesquisador quer que seja.
A subjetividade é um veneno mortal para muitas pretensões científicas de quem tem que lidar com dados que expressam visões de mundo. E, como um íma, aquelas visões que mais se aproximam da comungada pelo pesquiador tendem a ser destacadas, enquanto as que mais se afastam tendem a ser eliminadas, se trazem alguma coisa benéfica, e exageradas, se consideradas ruins. Esse descontrole é o que está por trás de relatórios e estudos presunçosamente científicos em que denúncias, acusações e toda sorte de julgamentos de valores são colocados. Desconhecem as técnicas e as necessidades das triangulações justamente para frear um pouco a ilusão em que o nosso cérebro e nosso instinto tentam nos aprisionar.