Coluna C & T: Dados conceituais: arquiteturas e marcos – Daniel Nascimento-e-Silva

A organização dos dados conceituais, todos oriundos da literatura científica, técnica ou tecnológica, permite a confecção de um desenho representativo do estado da arte naquele determinado momento do levantamento bibliográfico. Esse levantamento é uma forma de balanço ou inventário do estoque de conhecimento disponível até aquele instante. Quando esse estoque é robusto e ramificado, permite a construção de uma fundamentação capaz de nortear tanto a expansão quanto o preenchimento de lacunas em um ou vários campos teóricos. Nunca devemos esquecer, neste particular, que a ciência é uma linguagem cujos morfemas são conceitos, constructos e variáveis. Eles formam uma teia relacional, aferidas em uns casos e ainda não aferidas em outros, passível de ser reconstituída. É a partir dessa reconstituição que lacunas se tornam mais delineadas, assim como as partes que requerem e são passíveis de serem expandidas ficam mais salientes. Assim, quando o trabalho de organização de dados é feito de forma adequada, os desenhos que sumarizam essa etapa são chamados de arquitetura teórica ou marco teórico.

Todos os estudos científicos precisam de uma fundamentação teórica. Fundamentar teoricamente uma investigação é mostrar, ante o estoque de conhecimentos científicos disponíveis, que efetivamente determinada lacuna existe ou que é necessário e possível expandir alguma teoria ou campo teórico. Na atualidade, isso é feito tanto de forma argumentativa, a partir de um discurso que entrelaçam conceitos, constructos e variáveis, quanto representativa, através de um desenho que mostre aquilo que o discurso explica. Há, então, dois tipos de desenhos que buscam representar com precisão o inventário disponível, que chamamos de arquitetura teórica, quando o estoque é bem robusto e ramificado, e marco teórico, quando o inventário ainda tem muitas limitações ou quando campos teóricos distintos são focados para determinado fenômeno.

O termo arquitetura denota duas ideias interessantes. A primeira é decorrente do verbo arquitetar, no sentido de planejar, elaborar um curso de ação para ser executado. A segunda é sinônima de representação estrutural, em que um todo é desenhado apontando-se todas as suas partes e subpartes. Na prática, essa duas ideias formam um todo compreensivo equivalente a arquitetura: fazer um desenho para depois materializar esse desenho na prática. É, portanto, tanto um plano quanto a materialização de algo que só se encontra na mente do arquiteto – e do cientista. Por essa razão, quando da organização dos dados com a intenção de se fazer uma arquitetura teórica, o que se tem em mente é justamente isso: representar o fenômeno, suas partes (dimensões analíticas) e subpartes (categorias analíticas). Pode acontecer de essas partes e subpartes já terem sido definidas em estudos teórico-empíricos prévios, principalmente com a ajuda de técnicas como a análise fatorial exploratória e confirmatória ou construção de modelos de equações estruturais.

Mas, e quando o estoque de conhecimento não permite a organização dos dados de uma forma tal que um detalhamento tão grande seja possível, o que se deve fazer? A prática mostra que os cientistas trabalham com marcos teóricos. O que é um marco? Marcos são pontos de referências. Imagine um trajeto rodoviário. A cada quilômetro há uma placa apontando a quilometragem referencial da rodovia desde seu início até aquele ponto. Cada plaquinha daquela é um marco. Os marcos servem para que não nos percamos. Nas construções, cada coluna é um marco de sustentação do prédio. Eles servem para que o edifício não desabe sobre nós. Algo semelhante acontece na ciência. Os cientistas mapeiam os marcos já conhecidos de um fenômeno em construção para sugerirem novos marcos para que a edificação se complete. Essa é uma primeira forma de se utilizarem marcos teóricos.

A segunda forma de uso de marcos teóricos é quando a explicação sobre determinada ocorrência empírica exige dos cientistas a relação ou correlação (são coisas distintas) de diferentes teorias ou diferentes campos teóricos. Novamente, um ou mais marcos de uma teoria ou campo teórico são associados aos marcos de outros como sustentação de uma outra edificação. Por exemplo, quando uso aspectos de uma teoria da motivação, com aspectos das teorias de aprendizagem (campo teórico), neurociências (outro campo teórico) e física quântica para tentar entender o processo de aprendizagem dos gênios, necessariamente terei que construir um marco teórico para tal porque não há uma teoria ou campo teórico composto por esses marcos.

Perceba que os marcos teóricos também são muito parecidos com as arquiteturas teóricas no sentido do esforço de precisão e capacidade de raciocínio do cientista em conjugá-los e direcioná-los para determinado foco. E isso explica o porquê de quase sempre os cientistas trabalharem com arquitetura (framework), deixando a ideia de marco apenas implícita, ou seja, eles preferem colocar no título da parte de fundamentação teórica a palavra arquitetura ao invés de marco teórico. Estamos fazendo essas considerações apenas para que você possa entender por que determinados estudos científicos em língua portuguesa trazem o título com um ou outro desses termos (embora quase sempre desconheçam esse porquê). Na prática, porém, a preocupação tem sempre que estar com a necessária exatidão em mostrar o que a ciência sabe e o que está faltando para ela ser mais forte.

Assim, as arquiteturas teóricas nada mais são do que um desenho que mostra os diferentes constructos, chamados dimensões analíticas, e suas respectivas variáveis, chamadas categorias analíticas) já mapeados e conhecidos pela ciência. Os marcos teóricos são também representações estruturais em que apenas alguns constructos (marcos) de um determinado fenômeno são conhecidos ou constructos de diferentes teorias e campos teóricos são reunidos com a finalidade de investigação de determinada situação da realidade.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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