Coluna C & T: O foco da redação científica – Daniel Nascimento-e-Silva

A redação científica é um dos vários tipos de redações acadêmicas. É fundamental que isso seja observado para que ninguém imagine que só existe essa forma de pensar e redigir nas instituições acadêmicas. Há, por exemplo, redações filosóficas, técnicas, literárias em suas diversas modalidades, dentre as mais comuns. Essas regras e recomendações que temos apresentado, portanto, só se aplicam ao estudo considerado científico, que é aquele que testa arquiteturas teóricas com o intuito de fazer expandir as fronteiras da ciência ou preencher alguma de suas lacuna com o uso do método científico. Isso quer dizer que essas são as exigências para que um estudo possa ser considerado científico: a) ter uma arquitetura ou marco teórico a ser testado, b) apresentar detalhamente o método utilizado para o teste da arquitetura teórica e c) mostrar os resultados obtidos para o preenchimento da lacuna ou para a expansão das fronteiras da ciência, que é a mesma coisa que “sua contribuição para a ciência”. No fundo, escrevemos toda uma arquitetura textual, em conformidade com regras relativamente rígidas, apenas para comprovar que temos uma contribuição efetiva para que a ciência progrida. Daí advém a compreensão necessária de qual é o foco da redação científica, que é explicar o comportamento de determinado fenômeno da realidade.

O que os cientistas redigem, afinal? Simples: eles redigem as respostas que obtiveram para as suas questões norteadoras ou hipóteses. Essa regra se aplica tanto para a redação do marco teórico quanto para a redação dos resultados empíricos. Vejamos um exemplo, imaginando que queremos fazer um estudo sobre vacinas. A primeira coisa que tenho que saber é o que a ciência sabe e está disponível sobre o que é vacina publicado nos últimos anos, digamos três anos. Então faço a pergunta “O que é uma vacina?” ou “O que é vacina?”. Depois coleto e organizo os dados e crio uma figura que sintetize os dados e me forneça a resposta procurada. A redação consiste no detalhamento da figura sintetizadora das respostas. Veja bem: a figura sintetiza a descoberta para aquela pergunta específica, mas não diz tudo o que precisa ser dito, em conformidade com as regras da ciência.

Em seguida, de acordo com a descoberta que fiz para essa primeira pergunta, faço outra, que poderia ser “quais são as etapas para a produção de uma vacina?”, no caso de eu ter a intenção de criar uma vacina nova. Novamente eu coleto e organizo dados da literatura científica (não pode entrar filosofia, nem literatura, nem poesia e nenhum outro tipo, com raríssimas exceções), crio uma figura que sintetize as respostas e redijo a descoberta. Procedo assim até que eu tenha elementos para fazer um desenho grande que aponte a) o que é o fenômeno e b) quais são suas partes e componentes de cada parte. Isso é o que a ciência sabe. Ao longo da redação posso mostrar que há lacunas, vagos no esquema, que talvez eu possa preencher. Transformo essas lacunas em perguntas ou hipóteses e as apresento no corpo do texto. Resumindo: marcos teóricos têm como foco o comportamento do fenômeno explicado pela ciência e possíveis explicações (lembre-se de que uma hipótese é uma explicação provisória) para o que ela não explica.

A redação da metodologia tem como foco a explicação de como o comportamento do fenômeno vai ser observado e como as explicações provisórias (hipóteses) vão ser testadas. Tudo isso em conformidade com a arquitetura teórica. Não se pode fugir dela. É por isso que se deve consultar como pesquisas sobre o meu fenômeno foram desenvolvidas, como testaram as hipóteses, que técnicas foram utilizadas, quais foram os esquemas de raciocínio utilizados e como fizeram a comparação do empírico com o teórico. Novamente, aqui, o foco da redação também é o comportamento do fenômeno, mas sob a ótica do manuseio, do controle dele.

O terceiro bloco de redação é a parte dos resultados e discussão. Qual é o foco dessa parte? Exatamente: o comportamento do fenômeno. Mas, sob o prisma dos elementos que compõem cada parte e, em seguida, de cada parte. É mais ou menos assim: primeiro se descreve como as partes se comportaram conforme o previsto nos testes de hipóteses ou questões norteadoras. O que estiver de acordo com a teoria, deixamos de lado. O que importa é o que está em desacordo, que é justamente aquela parte que desconfiamos e que imaginamos uma explicação adicional ou melhor que a existente. Daí resta escrever justamente isso: que nossa explicação é mais consistente. Só que na sequência: o que, como e por quê. O interessante é que a redação das descobertas tem como foco as minúcias dos elementos integrantes do fenômeno ou fenômenos envolvidos. Falar de um componente implica na explicação do comportamento da parte que elucida o comportamento do fenômeno.

A redação da conclusão é diferente, assim como a da introdução. Mas têm o mesmo foco. Exatamente: o comportamento do fenômeno. Na conclusão partimos daquilo que descobrimos em termos gerais, que é a contribuição para ciência, para o campo de conhecimento de que o fenômeno faz parte e, depois, para o contexto apresentado na introdução. Conclusão e introdução são antípodas. A introdução começa com o contexto de ocorrência do problema, prossegue apresentando-se a situação problemática e termina com a apresentação e desdobramento do objetivo a ser alcançado (aquel pretendida contribuição para a ciência).

O comportamento do fenômeno é o foco de toda redação científica. Em cada palavra, frase, oração, períodos e parágrafos, é o comportamento do fenômeno que precisa ser visado. Não podemos tirar nossa atenção dele. É por isso, por exemplo, que ao longo das arquiteturas quase sempre não se tem interesse no que autor A ou B falou, mas no que seu estudo descobriu em relação às variáveis que explicam o comportamento do fenômeno. É por isso que se exige que todo estudo referenciado seja também do campo da ciência. Afinal, ciência se faz com ciência.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

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