Coluna C & T: Redação de figuras – Daniel Nascimento-e-Silva

As figuras são cada vez mais recomendadas em todos os tipos de produções textuais, especialmente os que tratam de ciência e tecnologia. Diversas razões explicam esse aumento das figurações nessas produções consideradas por muitos que não as entendem como frias e insensíveis. Mas as principais são o alto poder de percepção de aspectos complexos e difíceis de serem traduzidos em textos, que compõem tanto a ambiência quanto as dimensões qualiquantitativas das evidências empíricas, e a suavidade e harmonia que proporcionam durante a leitura. De fato, é muito menos desafiador dizer que determinado aspecto do lado direito no alto de uma figura representa certa coisa do que criar ambiência e imagens na mente do leitor com esse mesmo intuito. Mas as inúmeras razões do uso adequado das figuras têm levado ao seu oposto. Veem-se inúmeras publicações com diversas figuras sobre as quais nada se fala, nada se considera. A experiência tem mostrado, inclusive, que os autores desconhecem o fato de que as figuras são evidências empíricas e como tais devem ser tratadas. A maior parte dos autores que não conhecem a finalidade das figuras nos textos científicos e tecnológicos veem apenas o seu caráter estético, ou seja, estão ali apenas para tornar o texto “mais bonito”. Mas a prática da produção e publicação científica e tecnológica tem recomendado determinadas regras para o uso dessas figuras. Vejamos as principais.

As figuras cumprem três papéis distintos nos textos científicos e tecnológicos. O primeiro denominamos de sintetizador e aparece na revisão da literatura. A ideia de síntese designa o esforço de demonstrar o que a ciência sabe sobre determinado fenômeno ou as lacunas e fronteiras de determinada teoria ou campo teórico. O desafio da figura, aqui, é tornar compreensível o estoque de conhecimentos científicos para que se possa avaliar a proposta de preenchimento de lacuna ou expansão de fronteiras. No caso dos estudos com pretensão tecnológica, elas permitem compreender os aspectos estruturais, processuais, funcionais, relacionais, conceituais e ambientais do artefato que se pretende construir.

O segundo papel vem das figuras que geralmente aparecem na seção de metodologia. Textos científicos de grande impacto apresentam, além da figura do desenho do estudo, o esquema lógico dos procedimentos que levaram à geração de cada resultado em uma única representação, como é o caso dos modelos de equações estruturais e regressões logísticas, por exemplo. Aqui o papel é demonstrativo. Os cientistas demonstram como o estudo foi feito, para que possam ser reproduzidos e aferidas sua validade e sua confiabilidade. Textos bem redigidos são capazes de apresentar, aqui, a vinculação da estratégia de campo com a arquitetura teórica de base.

O terceiro papel é o de evidenciação, que é o desafio das figuras obrigatórias na seção de resultados e discussão. Aqui, por exemplo, um gráfico não é apenas um desenho, mas a retratação a mais fiel possível da realidade, sem a impossível contaminação da subjetividade dos textos. Uma fotografia, da mesma forma, não é uma contextualização do que foi visto, mas a apresentação de dados e informações que de outra forma não se teria a mesma possibilidade de sucesso. Mais uma vez, as figuras são evidências empíricas, são formas através das quais dados e informações são apresentados para que se possa entender e visualizar as descobertas parciais e globais.

E como as figuras são redigidas? A primeira regra é: na parte de cima delas, devem ser apontados os aspectos ou dados essenciais para a compreensão daquilo que se quer evidenciar. No caso da revisão da literatura, dois parágrafos antes devem ser direcionados para isso, especialmente as dimensões e categorias analíticas de cada fenômeno isoladamente e as relações e correlações dessas mesmas dimensões e categorias entre os fenômenos. Na metodologia, a recomendação é exatamente a mesma, mas com a intenção de deixar claros os procedimentos utilizados para a geração dos resultados ao se apontarem os aspectos importantes de cada etapa. Finalmente, na seção de resultados, redigimos o comportamento das categorias para explicar as dimensões, o que implica, por exemplo, em citar percentuais, falas de respondentes e assim por diante, para que fique evidenciado o comportamento da realidade. Resumindo, dois parágrafos acima da figura descrevemos o seu conteúdo.

A segunda regra é: na parte de baixo das figuras redige-se o sentido – e a sua interpretação, no caso dos resultados. Um sentido nada mais é do que mostrar o que aquele monte de dados descritos na parte de cima da figura quer dizer. No caso da revisão da literatura, os sentidos aparecem em forma de probabilidade, que é justamente aquilo que o estudo pretende testar; na metodologia, são a razão de escolha de determinada técnica ou procedimento; e nos resultados, a descoberta. A interpretação é sempre uma comparação da descoberta empírica com o quadro teórico de referência – por isso só se aplica à seção dos resultados e discussão. A discussão dos resultados é justamente isso: explicar o comportamento da realidade a partir de uma teoria ou campo teórico. Se a realidade se ajusta à teoria, a teoria permanece válida; se não se ajusta, a teoria precisa ser modificada. Basta um único desajuste para que se procedam mudanças teóricas.

A ciência tem demonstrado que a realidade tem ficado cada vez mais complexa. Complexidade significa a quantidade de aspectos que devem ser considerados na geração de qualquer explicação do comportamento dos fenômenos que a ciência pretende gerar. Não é a realidade em si que tem aumentado sua complexidade, mas os procedimentos, técnicas e instrumentos da ciência que tem adentrado cada vez mais o interior desses fenômenos ao mesmo tempo em que perscruta vínculos externos quase infinitos. A mente humana não concebe essa complexidade crescente. É aí que entram as figuras para sintetizá-la.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

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