Coluna C & T: Discussão dos resultados – Daniel Nascimento-e-Silva

A discussão dos resultados é uma parte das redações científicas um tanto quanto desconhecida em suas finalidades. Tanto que é bastante comum encontrar textos publicados em periódicos sem essa parte essencial das comunicações científicas. Essa é uma das razões, por exemplo, de por que os cientistas classificam os periódicos como duvidosos e criteriosos. Os duvidosos desconsideram as exigências elementares das produções científicas, como é o caso, justamente, das discussões de resultados. Mas cientista não discute, poderia alguém contra-argumentar, com razão. De fato, os cientistas dificilmente aceitam entrar em arenas de discussões sobre quaisquer fatos ou fenômenos do mundo. Eles apreciam a exposição de suas descobertas, os métodos utilizados, as contribuições para a ciência, dentre outros aspectos eminentemente científicos, mas não se sentem muito bem com debates, como se fossem guerreiros batalhando por alguma coisa. Não se apegam a pontos de vistas e tampouco a quaisquer tipos de ideias. No máximo, como fazem em eventos científicos de verdade, expõem e esclarecem suas descobertas e seus procedimentos. Disso resulta que a discussão de resultados que deve constar nas publicações científicas nada tem a ver com debates ou mesmo com a ideia de discussão que permeia a mente de quem não é cientista.

A primeira coisa que se deve entender para compreender e redigir adequadamente uma discussão dos resultados é a sua finalidade, o papel que ela deve cumprir no organismo do manuscrito submetido a publicação. Essa parte do texto tem o desafio de apresentar a conclusão do estudo. Parece esquisito, mas, na prática, é isso mesmo. Discutir resultados é praticamente responder à seguinte questão: “o que tudo isso que você apresentou quer dizer?”. Não é por acaso que a discussão dos resultados vem sempre depois que todos os resultados são apresentados. Cada resultado mostra uma descoberta parcial. A discussão dos resultados é, metaforicamente falando, a convergência de todas as descobertas parciais para a produção de uma descoberta global. É por esse motivo que o ponto central da discussão é sempre a pergunta de pesquisa ou hipótese central do estudo. O segundo motivo é que a discussão dos resultados vai vincular a resposta que ela vai apresentar à arquitetura teórica elaborada e que deu sustentação lógica à investigação.

Retomemos a lógica. A seção de resultados, que é onde se situa a discussão, tem como finalidade mostrar o que a pesquisa descobriu. Isso é feito apontando-se descobertas parciais para cada questão norteadora ou hipóteses acessórias. Para cada uma dessas, a lógica é sempre: eu descobri isso, que se manifesta dessa forma por causa disso. Essas descobertas parciais têm seus comportamentos previstos ou sugeridos de forma probabilística na arquitetura teórica. Os resultados parciais vão confirmar ou não os comportamentos daquelas formas. Na prática da pesquisa, cada resultado parcial é um pequeno pedaço de um quebra-cabeças que só vai ser montado depois que forem conhecidas todas as peças, depois que forem apresentados todos os resultados parciais. A junção dessas peças é feita justamente na parte de discussão dos resultados. Daí já se pode começar a desconfiar que discutir resultados não é debater e muito menos apresentar as falhas dos outros e enaltecer as nobrezas dos outros, como muita gente imagina.

Discutir resultados é dizer o que eles querem dizer. É como se alguém perguntasse ao cientista; “o que tudo isso quer dizer?”. A resposta a essa questão é o ponto de partida da discussão dos resultados. Pelo menos é isso que é sugerido no início da redação dessa parte. Isso está de acordo com a lógica: afirma, explica, explica ou afirma, explica, exemplifica. A prática mais comum é começar com a conclusão, que é o que o conjunto de descobertas querem dizer, e a partir daí proceder à explicação. Só que essa explicação, apesar de se concentrar nos resultados empíricos, precisa ser contextualizada teoricamente. A discussão, então, ganha um ar de comparação entre aquilo que a realidade demonstrou ser e a explicação provisória que foi redigida na arquitetura teórica do estudo. Note que as pesquisas não são feitas para enaltecer ou destratar autores ou teorias, mas para descobrir coisas tapando lacunas ou expandindo as fronteiras do conhecimento. E a revisão da literatura tem justamente esse papel, que é o de formular hipóteses ou respostas provisórias para determinadas questões. Ali não é lugar de ensinar coisas, como se fosse um manual pedagógico, mas para mostrar esquemas lógicos possíveis, inventados pelo cientista, que imediatamente são testados, para aferir se a realidade se comporta ou não daquela forma.

É por isso que nessa parte da redação, tanto nas explicações quanto nos exemplos, utilizam-se os esquemas lógicos da arquitetura teórica constantemente. A revisão da literatura, portanto, é o palco e a matéria-prima da discussão dos resultados. E, mais ainda: resultados de estudos que não puderam ser colocados lá. Por exemplo, se uma das questões norteadoras do meu estudo é sobre o impacto das cores sobre a escolha de livros didáticos por parte de alunos do ensino médio, posso comparar meus resultados com outros estudos similares (impacto das cores sobre a escolha de alimentos, por exemplo). Neste aspecto, discutir resultados é comparar buscando-se demonstrar um esquema lógico entre os estudos comparados. Tudo isso deve estar dentro daquele grande desafio: saber o que o conjunto de resultados parciais querem dizer.

A redação da discussão dos resultados aponta a grande descoberta que toda investigação científica tem que apresentar. Na verdade, grandes cientistas começam a redação de seus estudos justamente pela discussão dos resultados. Eles têm os resultados parciais e com eles geram o resultado global. Redigem o resultado global e a partir dele redigem os resultados parciais. Tudo fica em sintonia. Logo em seguida ajustam a metodologia. Só então redigem a conclusão (que começa sempre com a reafirmação da descoberta, depois mostra a alteração na situação problemática e termina com a modificação na estrutura teórica de referência) e a introdução. A arquitetura teórica quase sempre permanece a mesma.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

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