Ressocialização: Centro Reflexivo Reconstruir contribui para mudança comportamental e reintegração social de agressores

Defensoria Pública do Estado (DPE-RR) é parceira do programa especial da ALE-RR, que conta com equipe multiprofissional para possibilitar fim de agressões no ambiente familiar. – Foto: Nonato Sousa

A modificação de atitudes para uma possível reintegração social e familiar é um dos objetivos do Centro Reflexivo Reconstruir, da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), ao disponibilizar à população roraimense um importante serviço de auxílio psicológico, jurídico e social aos agressores e contribuir para o fim do ciclo de violência doméstica.

Com atuação desde 2016, o Reconstruir foi criado em parceria com a Defensoria Pública de Roraima (DPE-RR), objetivando oferecer uma alternativa aos agressores. Isso porque muitas vezes eles acabam sendo punidos apenas com medidas restritivas ou com a prisão, mas não recebendo nenhum tipo de acompanhamento ou suporte para mudar as próprias atitudes.

Defensor público Wenderson Chagas. – Foto: Anderson Caldas

O defensor público Wenderson Chagas atua em um dos juizados de violência doméstica em Boa Vista. Ele afirma que os núcleos reflexivos proporcionam um novo caminho para reconstrução da vida do agressor.

“Depois que o ciclo de violência está instalado, o processo criminal não é, muitas vezes, eficaz, sendo que a prisão do agressor pode até agravar o problema. Então, a atuação de psicólogos e assistentes sociais dos centros reflexivos é muito importante, pois auxiliam a não perpetuação da violência no contexto familiar”, analisou o defensor.

O Centro Reflexivo do Legislativo trabalha em parceria com outro programa especial: o Centro Humanitário de Apoio à Mulher (Chame). Ambos são desenvolvidos pela Procuradoria Especial da Mulher da ALE-RR e pretendem combater e prevenir a violência doméstica no contexto familiar, com disponibilização de equipe multidisciplinar à população roraimense.

O Núcleo dispõe de uma equipe multidisciplinar para atendimento à população. — Foto: Nonato Sousa

“Nosso objetivo é ressocializar o companheiro agressor, independentemente de continuar ou não a vida com a esposa agredida. Assim como as nossas assistidas [mulheres vítimas de violência doméstica], os agressores também recebem atendimento de psicólogos e assistentes sociais, mas isso dependerá da vontade que eles tiverem em querer mudar de vida, deixando o mau comportamento para se tornarem homens de bem. Vale ressaltar que esse trabalho busca primeiramente a atenção à família”, destacou a procuradora especial da Mulher, deputada Joilma Teodora (Podemos).

O motorista de ônibus Alfredo (nome fictício), de 53 anos, é um dos assistidos pelo Reconstruir. Condenado ao cumprimento de pena alternativa por violência doméstica, ele conseguiu perceber, com o apoio do centro, que o comportamento agressivo em relacionamentos amorosos o acompanhava desde a adolescência.

Os agressores recebem atendimento de psicólogos e assistentes sociais, para assim mudar de vida”, destacou a procuradora especial da Mulher, deputada Joilma Teodora (Podemos). — Foto: Nonato Sousa

“Como não conseguia resolver os problemas pela palavra, acabava usando da violência. Isso aconteceu em todos os meus relacionamentos, intensificando-se ainda mais no meu casamento. Tive sempre os mesmos problemas, pois não soube lidar com as minhas próprias emoções. Isso tudo foi só piorando, pois os nossos filhos começavam a sofrer também em decorrência desse tipo de violência”, relatou.

Alfredo teve um casamento de 18 anos e possui quatro filhos com a ex-esposa. Desde janeiro, ele frequenta as reuniões do Reconstruir e tem previsão de ficar um ano em acompanhamento profissional. Mesmo com pouco mais de cinco meses, o motorista comemorou os resultados obtidos.

O motorista de ônibus Alfredo, conta que a ajuda do núcleo está sendo essencial para entender melhor seu comportamento. — Foto: Nonato Sousa

“Desde a primeira reunião, já saí daqui com outra forma de pensar, de agir. Isso possibilita que eu tenha uma melhor gerência dos conflitos no meu trabalho, em casa e com meus filhos. Cada vez que eu venho ao centro, surpreendo-me com aquilo que não sabia e, assim, sinto que estou progredindo. Por isso, faço questão de vir e participar de todas as reuniões”, declarou.

O motorista deixou uma mensagem final sobre o assunto, ao destacar a relevância de se procurar ajuda profissional para resolução de problemas de ordem mental e comportamental.

“Assim como eu, acredito que seja imprescindível esse acompanhamento psicológico para qualquer pessoa que tenha dificuldade em um relacionamento. Tenho 53 anos de idade e, se tivesse tido acesso a esse auxílio psicológico, jurídico e social mais cedo, eu teria aproveitado meus relacionamentos de maneira mais satisfatória”, aconselhou.

O Centro Reflexivo

Acredito que seja imprescindível esse acompanhamento psicológico”, disse Alfredo. — Foto: Nonato Sousa

Após a suspensão das atividades durante os dois anos críticos da pandemia de covid-19, o Centro Reflexivo Reconstruir voltou o atendimento à sociedade roraimense em março de 2022. A equipe multidisciplinar composta por psicólogo, advogado e assistente social realiza o atendimento individualizado e também por meio de terapias em grupo.

Atualmente, 21 pessoas são atendidas pelo programa especial da Assembleia Legislativa, em reuniões feitas uma vez por semana. Durante os encontros, temas sensíveis são abordados, a exemplo de masculinidade hegemônica, depressão, estresse e agressividade, álcool e drogas, valores familiares e Lei Maria da Penha (nº 11.340/06).

Todos os assistidos foram encaminhados ao Centro pela Vara de Execuções, Penas e Medidas Alternativas (Vepema), do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR). Entretanto, os atendimentos podem ocorrer também por meio de acompanhamentos do Chame, além da possibilidade de os homens procurarem o serviço de forma espontânea.

Psicólogo do Reconstruir, JadielSpinosa Ribeiro. — Foto: Nonato Sousa

De acordo com o psicólogo do Reconstruir, JadielSpinosa Ribeiro, os fatores que contribuem para a agressividade dos “reeducandos” são reflexos de atitudes vividas no passado.

“A gente tem percebido que os agressores aprenderam determinados comportamentos na infância, vendo o pai agredindo a mãe ou até mesmo o pai o ‘corrigindo’ de forma muito violenta. Então, ele aprendeu um perfil de comportamento que o influencia até hoje. Dessa forma, a gente procura todos os motivos por trás da agressão, ressaltando que cada um tem um processo de construção e vivência completamente diferente do outro”, explicou o profissional.

“A mudança de comportamento vai depender do próprio agressor”, enfatiza o psicólogo. — Foto: Nonato Sousa

Spinosa também destacou que a condenação criminal por si só não resolve a problemática da agressão, sendo necessário trabalhar as más condutas, algumas vezes, inconscientes.

“A nossa equipe procura focar nos processos pessoais que trouxeram os agressores até o Núcleo e como isso tem influenciado o presente e como vai continuar influenciando o futuro se ele não buscar compreender. Afinal, não basta a separação da esposa ou a condenação do agressor, é necessário que haja uma mudança comportamental, pois não havendo, a agressão só muda de vítima”, explicou o psicólogo.

Nesse sentido, a mudança de comportamento vai depender bastante do próprio agressor, fato que o Centro Reflexivo tem ensinado aos participantes para mudar aos poucos a realidade em Roraima.

Anderson Caldas

 

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