Coluna C & T: Esquemas lógicos particulares – Daniel Nascimento-e-Silva

Há uma lógica global das redações científicas. De forma semelhante, há várias lógicas menores, internas a cada seção, que precisam ser conhecidas para que possam ser adequadamente aplicadas. A beleza e a clareza redacionais são decorrentes da aplicação desses dois esquemas, que aparecem em forma de sintonia, coesão e coerência. Duas coisas, contudo, chamam a atenção para as particularidades lógicas da ciência. A primeira é que as técnicas de redação geralmente ensinadas não se aplicam ao âmbito científico. Narrações, descrições e dissertações de cunho científico são muito diferentes das outras modalidades justamente pelas exigências que o método científico requer. Aliás, a ideia de método é justamente essa: procedimentos regrados. Isso implica na obediência a determinadas etapas com as suas regras fundamentais para que o manuscrito tenha validade científica. A segunda é um desdobramento da primeira curiosidade: a estrutura final das redações científicas é diferente das etapas seguidas para a sua materialização. Dito de outra forma, os cientistas usam um passo a passo diferente daquele que o aspecto visual do texto se nos mostra. Sendo excessivamente claro, os cientistas não escrevem primeiro o título do artigo, depois os dados institucionais, resumo, introdução etc. Geralmente a primeira coisa a ser redigida é o marco teórico, como será mostrado mais tarde. Aqui vamos mostrar apenas esquemas lógicos particulares.

Vamos dividir as comunicações científicas nas seguintes partes, em conformidade com a sua estrutura mais comum, o artigo teórico-empírico. Essas partes são o resumo, introdução, revisão da literatura, metodologia, resultados e discussão, conclusão e considerações finais. Cada uma dessas partes apresenta um esquema lógico que será exemplificado mais adiante. A finalidade, aqui, é apontar apenas o esquema lógico que estrutura cada uma delas. A forma como cada uma delas é redigida, que é a aplicação desses esquemas lógicos particulares, será demonstrada depois. Aqui vamos seguir o esquema estrutural, não o processual, ou seja, como a redação final aparece, não como a sequência das etapas.

O resumo sintetiza todo o manuscrito. Sua redação tem que permitir a compreensão exata de todo o conteúdo do artigo. Para isso, seu esquema lógico consiste na resposta a cinco perguntas: 1) qual é o contexto teórico ou empírico do estudo? 2) qual foi o objetivo do estudo? 3) quais foram as principais etapas do método utilizado? 4) quais foram os resultados alcançados? 6) qual foi a conclusão do estudo. Atualmente uma sexta exigência tem sido feita pelos periódicos de grande impacto: qual é a contribuição para a ciência?

A introdução precisa convencer os cientistas do valor científico daquilo que vai ser comunicado. Esse convencimento tem que ser feito sem nada se diga sobre a sua importância ou que isso ou aquilo justifica o estudo. Essa é uma forma antiga de se fazer introdução. Hoje, grosso modo, é composta por 1) apresentação da lacuna a ser preenchida ou fronteira a ser expandida, 2) situação problemática enfrentada, 3) o objetivo do estudo e 4) a contribuição dos achados para a ciência.

A revisão da literatura deve apresentar um balanço da literatura mundial sobre os fenômenos sob investigação. Seu esquema lógico consiste na 1) definição conceitual dos fenômenos envolvidos, 2) apresentação das partes de cada fenômeno, chamadas geralmente de dimensões analíticas, 3) organização dos elementos constituintes de cada dimensão analítica, chamados de categorias analíticas e 4) esquematização da lógica que vai ser aplicada empiricamente (se para testes de hipóteses ou respostas a questões norteadoras).

A lógica da metodologia consiste em mostrar como cada resultado ou descoberta foi feita. Sua aplicação é feita com a 1) apresentação das questões norteadoras, 2) prossegue com a apresentação dos sujeitos ou população e amostra, 3) continua com a descrição de como os instrumentos de coleta de dados foram validados e aplicados, 4) mostra como os dados foram organizados e analisados, 5) depois descreve como os resultados foram gerados e interpretados e termina com a 6) apresentação das limitações do estudo.

Recomendam os periódicos de alto impacto que a seção de resultados seja organizada de forma estrutural. Essa estrutura precisa seguir as questões norteadoras ou as hipóteses secundárias, o que implica em sua subdivisão em subseções. Cada subseção precisa ser redigida exclusivamente com base nos achados empíricos, apresentados por meio de alguma figura ou trechos de discursos, quando for o caso. As evidências empíricas é que vão gerar as descobertas, com base em alguma técnica previamente demonstrada na metodologia. Depois cada descoberta precisa ser comparada com a revisão da literatura, que é a discussão dos resultados.

A lógica da conclusão é 1) mostrar explicitamente a resposta à pergunta de pesquisa ou hipótese central, 2) descrever a situação problemática a partir da descoberta do estudo e 3) refazer o contexto teórico, já com a descoberta encontrada. Em alguns casos, pode ser importante apresentar algumas informações que não couberam no corpo do texto, mas que são muito importantes para que a comunidade científica compreenda melhor as descobertas ou o método utilizado. Isso se faz na seção de Considerações Finais, colocada depois da conclusão.

Um esquema lógico é uma sequência de etapas que precisam ser seguidas para que um determinado resultado possa ser considerado válido. Também é fundamental a ser seguido para que orientem tanto a avaliação dos especialistas quanto a compreensão do manuscrito por parte da comunidade científica. Há, portanto, um esquema lógico global, como mostrado anteriormente, e diversos esquemas lógicos particulares, para cada seção do texto. A beleza do conjunto e a precisão globais do que é comunicado dependem fundamentalmente de se conhecer e aplicar cada esquema lógico particular.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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