Os procedimentos utilizados para redigir uma comunicação científica é muito diferente do formato estrutural com que ela se apresenta. Os cientistas não redigem o texto naquela sequência em que eles aparecem. A primeira parte a ser redigida é o que se chama de revisão da literatura. Na verdade, a revisão da literatura é o cérebro, o ponto central, da comunicação porque é nela que está contida de forma clara e precisa a lacuna que vai ser preenchida ou a fronteira científica a ser expandida. Todo o esforço do cientista nessa parte é mostrar que aquela lacuna existe e exige preenchimento por diversas razões, razões estas que são expostas na introdução do texto. Ali, na revisão da literatura, ela é detalhada, desmembrada e desdobrada. A partir desse procedimento, que chamamos de análise, dois produtos são gerados: uma arquitetura teórica ou um marco teórico, dependendo do estoque de conhecimentos disponíveis sobre os fenômenos a serem investigados. A redação consiste, então, a descrever a arquitetura ou o marco teórico, sempre com o foco na lacuna ou na expansão a ser perseguida empiricamente. Vejamos isso mais de perto.
A primeira coisa que se deve entender bem para compreender o papel da revisão da literatura em uma comunicação científica é do que essa parte trata. O próprio nome já diz tudo. Revisar é um verbo que em ciência é diferente do que imagina o senso comum. A revisão é um esforço que fazemos para coletar todos os dados necessários para a geração de respostas a questões norteadoras formuladas especificamente para o entendimento da lógica que os conhecimentos científicos sobre determinado fenômeno apresenta. Essa lógica ainda não está estabelecida. É obrigação do cientista mostrar que ela existe. Essa existência é apenas uma hipótese, que depois será testada empiricamente. Levantamos todos os estudos, especialmente os publicados em revistas científicas (usamos muito pouco livros). E quando falamos todos é todos mesmo. Os publicados em língua inglesa são obrigatórios que sejam todos consultados. Se queremos gerar conhecimentos científicos, devem ser deixados de lado todos os estudos que não são científicos. E não se deve escolher esse ou aquele estudo. A ciência lida com tudo. Revisão da literatura é revisão de tudo.
O método científico-tecnológico prevê cinco tipos de questões norteadoras, quando a intenção da revisão da literatura é gerar conhecimentos para a produção tecnológica. Essas questões são classificadas em definicionais, estruturais, processuais, funcionais, relacionais, ambientais, de acordo com o seu foco. A primeira pergunta é obrigatória, principalmente porque ilumina e direciona as perguntas seguintes. Cada pergunta respondida é redigida com aquela finalidade específica. Por exemplo, se quero saber o que é “monitoramento”, a primeira pergunta é “O que é monitoramento”. Em seguida eu redijo um texto explicando as descobertas para a questão e a resposta encontrada. Se a resposta encontrada diz que monitoramento é um sistema e pretendo prototipar um sistema, as próximas perguntas serão “Quais são os componentes de um sistema de monitoramento?”, que é uma questão estrutural, e “Quais são as etapas de construção de um sistema de monitoramento?”, que é uma questão processual. Vale ressaltar que toda resposta precisa ser transformada em um desenho. A redação se transformar, portanto, na descrição do desenho e nos esquemas lógicas ali envolvidos.
A redação para esse tipo de procedimento é chamada de arquitetura teórica porque os resultados obtidos na revisão da literatura permitiu o desenho de figuras onde aparecem as partes do fenômeno (monitoramento). No nosso exemplo, as partes são entradas, transformação, saídas e retroalimentação, que todo sistema tem, contidas na resposta estrutural, e as atividades para que cada etapa seja executada. As partes do fenômeno são chamadas dimensões analíticas e seus componentes são ditos categorias analíticas. De forma semelhante, as etapas de sua construção são as dimensões analíticas e cada atividade é uma categoria analítica. Simples assim. Redigir uma arquitetura teórica se resume a isso: mostrar o que é cada fenômeno, quais as suas dimensões e categorias analíticas. Disso vêm as hipóteses a serem testadas empiricamente, já como componentes da metodologia.
A outra possibilidade são os marcos teóricos. Um marco, para os cientistas, é muito parecido com o que é entendido pelo senso comum. Um marco é um tipo de sinalização que delimita ou serve de referência para que o comportamento de um determinado fenômeno seja compreendido, ainda que de forma bastante rudimentar. Os cientistas trabalham com marcos teóricos quando não é possível a construção de um arquitetura teórica. Embora não seja uma regra, as arquiteturas teóricas vêm de estoques de conhecimentos científicos robustos. Por exemplo, se quero prototipar uma escada de nuvens, posso tomar como referência os estudos sobre escadas e os existentes sobre nuvens. Essas referências externas serão os marcos do meu estudo, ou seja, as explicações originárias sobre escadas e nuvens serão utilizadas aqui para que o cientista mostre que determinada lacuna pode ser preenchida por analogia com conhecimentos de outras áreas. É preciso bastante experiência em pesquisa para que se possa fazer uma revisão de literatura com marcos teóricos. E esse desafio é ainda maior quando o que está envolvido é a geração de tecnologias que, não poderia ser diferente, é quando mais os marcos teóricos são utilizados.
O papel da redação da revisão da literatura é mostrar, de forma esquemática, o que a ciência sabe sobre o comportamento de determinados fenômenos. Esse conhecimento é redigido em forma de descrição de esquemas lógicos internos, entre as dimensões e categorias analíticas, e externos, entre as dimensões e categorias analíticas de outro fenômeno, como no estudo que procura entender a relação entre “Estratégia de ensino” e “Desempenho do aluno”. Se o estoque de conhecimento permitir, utilizamos arquiteturas, se não permitir, marcos teóricos. Em todos os casos o desafio é mostrar o que a ciência global sabe sobre o comportamento dos fenômenos envolvidos.