Coluna C & T: A ideia de protótipo – Daniel Nascimento-e-Silva

A ideia de protótipo ainda é muito confusa. Para o entendimento popular, quando se fala em protótipo geralmente a primeira ideia que vem à cabeça é o sentido de incompletude, rascunho, ideia vaga ou mais ou menos delineada. Mas esse entendimento paira apenas nas mentalidades populares. No meio científico, as coisas já são mais ou menos consolidadas, tanto que os protótipos até chegam a receber nomes especiais, como projeto. Um projeto é um protótipo, por incrível que possa parecer. Uma maquete também o é. Pode até parecer surpreendente para muita gente, mas um projeto é sempre a representação de algo que se pretende construir, materializar; o projeto é apenas uma ideia, por mais detalhada que seja a sua representação. Da mesma forma a maquete, que tem em miniatura todos os detalhes (chamadas tecnicamente de instâncias) do que se pretende edificar, é a representação física daquilo que se pretende realizar em escala normal, natural. Mostraremos que um protótipo é apenas um produto que ainda não foi considerado aprovado nos testes que, obrigatoriamente, tem que se submeter.

Certa vez um aluno de mestrado que estava sem orientador procurou por um dos docentes do curso. O professor pediu que ele lhe enviasse por email um esboço do projeto que pretendia desenvolver para a obtenção do título desejado. No mesmo dia o mestrando enviou o arquivo com o documento solicitado. O docente abriu o arquivo e imediatamente devolveu, dizendo que aquilo não era um esboço do projeto. É impossível um esboço em apenas cinco páginas, asseverou. Vários encontros depois o aluno entendeu a estranha lógica do projeto como protótipo. O esboço que o professor solicitou nada mais era do que o projeto completo, sem nada faltar, tão completo que, se estivesse em conformidade com os interesses de pesquisa dele, seria imediatamente considerado o seu projeto de mestrado. A estranheza era decorrente do fato de que um esboço é algo completo que ainda não foi formalmente aprovado. No caso do nosso exemplo, o projeto completo que o aluno deveria submeter seria chamado de esboço até o momento em que o professor o considerasse pronto para começar a ser executado. Daí iniciava outra lógica: o projeto como protótipo do produto desejado, que era a dissertação. Naquele documento chamado projeto estavam todos os contornos do produto final e o passo a passo a ser seguido para materializá-lo. Um protótipo é um protótipo, não é um produto.

A palavra em língua portuguesa que talvez seja a mais adequada para englobar a significação de protótipo é representação. Essa palavra significa apresentar de novo, reapresentar, da mesma forma que significa tornar presente algo que estava no passado ou no futuro. Quando representamos a Paixão de Cristo, estamos tornando presente evento pretérito; quando represento os contornos de uma tecnologia a ser construída, torno presente o futuro, puxo o futuro para o agora. Um protótipo é isso: uma representação. Mas não é uma representação qualquer. O protótipo destaca determinados aspectos do artefato a ser construído que deixam claros instâncias nebulosas. Essas instâncias podem ser tanto conceituais quanto operacionais, tecnicamente chamadas executivas em prototipagem. As instâncias conceituais buscam clarear ideias, tais como os benefícios que a tecnologia vai trazer; as instâncias executivas focam naquilo que é importante para a construção da tecnologia, como as partes e seus componentes, funcionamento, processo de construção, relações internas e externas, além dos impactos ambientas.

A ciência diz que o protótipo é uma aproximação do produto. Realmente, por mais perfeito que seja o protótipo, ele nunca será produto se não for submetido a testes. Que testes? Um deles é o de eficácia, se ele faz realmente o que promete fazer. Outro é o de eficiência, que significa fazer da melhor maneira possível. Há muitas maneiras de se definir os testes a que os protótipos devem ser submetidos para que possam ganhar a alcunha de produtos. Quem define as testagens são as equipes de geração da tecnologia, o que engloba os cientistas, seus auxiliares, patrocinadores e, principalmente, o público-alvo, que é quem vai utilizar efetivamente aquilo que se pretende materializar ou aperfeiçoar. A cada teste que o protótipo é aprovado, mais e mais perto ele fica do estágio de produto.

A ciência também considera todo protótipo um modelo. Essa é uma ideia interessante porque um modelo é uma representação a mais fiel possível da realidade que se pretende construir. Mas é preciso advertir sobre o entendimento de modelagem. O modelo construído é uma cópia da realidade, não é a realidade que deve ser uma cópia do modelo. Muita atenção. Isso é fundamental que se leve em consideração porque a prototipagem só alcança aquilo que se pode controlar. Os testes e retestes a que as tecnologias precisam ser submetidas são justamente para aferir se esses itens de controle se comportam em conformidade com a modelagem prevista. E isso vale tanto para a modelagem de um roteiro pedagógico, uma matriz SWOT ou nave espacial que orbite o sol. Não conseguimos modelar a realidade-em-si, mas aspectos específicos e limitados da realidade.

Para o método científico-tecnológico (MC-T), o protótipo é o primeiro estágio do processo de encapsulamento de conhecimentos. Ele representa o esforço de colocar dentro de um artefato físico coisas extrafísicas, que só existem no campo mental de um cientista ou grupo de cientistas. O método recomenda, por isso, a sequência da prototipagem pari passu à construção da arquitetura teórica e seus respectivos testes. É por isso que há as questões, conceituais, processuais, estruturais, funcionais, relacionais e ambientais. As respostas obtidas para cada uma delas é um estágio a mais vencido em direção à materialização do protótipo e, por extensão, aos testes e retestes, ajustes e reajustes, que vão transformá-lo em produto tecnológico. Antes, contudo, é preciso entender a ideia de produto. Faremos isso a seguir.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
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