A ciência é um discurso sobre conceitos. Os conceitos são nomes que os cientistas inventam para as coisas da realidade. Como esses nomes são inventados, é preciso uma laboriosa série de procedimentos para que as comunidades científicas aceitem e passem a utilizar os nomes inventados. É importante que se compreenda que os cientistas inventam um nome para as coisas que “descobrem” nos campos da ciência, o que significa que, aqui, eles não inventam a realidade; no campo da tecnologia, por outro lado, eles também inventam nomes, mas, agora, para as coisas que eles criam. Isso é essencial para que não se imagine, por exemplo, como dizem alguns nobres divulgadores da ciência, que Albert Einstein criou a gravitação universal. A gravidade já existia. Einstein apresentou uma proposta de explicação (ciência é explicação!) que grande parte da comunidade científica tem aceito até agora (a ciência é sempre temporária). Quando o cientista alemão formulou a teoria da relatividade, obrigatoriamente definiu o conceito “relatividade”. Do ponto de vista da ciência, primeiro vem a descoberta, depois a conceituação (inventar o nome) e em seguida a definição do conceito (conceituação). Produto tecnológico é um conceito que ainda está em processo.
Para que se compreenda o estágio atual de conceituação de “produto tecnológico”, é importante que se entenda duas coisas. A primeira é a separação entre conceito e constructo; a segunda, a ideia de integração e derivação. Quando os cientistas descobrem alguma coisa, já sabemos, eles inventam um nome e ao mesmo tempo explicam o que é o fenômeno, como ele acontece e por que ele se comporta de determinadas formas. Quando dizem o que é, estão fazendo o que chamamos de conceituação. A conceituação tem duas partes. A primeira é o próprio nome da coisa, como “mesa”, “gravidade” ou “produto tecnológico”; a segunda é a conformação compreensiva, uma espécie de ideia mental da coisa, como “mesa é um objeto que serve para realizar as tarefas de aula e refeições”, “gravidade é a curvatura do espaço-tempo provocada pelo peso dos corpos” e “produto tecnológico é um conjunto de componentes que fazem algum bem”. A primeira conceituação é apresentada e aos poucos vai sendo aceita e aperfeiçoada pela comunidade científica até se tornar mais ou menos consensual. Quando ela atinge o patamar de consenso, é chamada de “conceito”; enquanto ela não for consensual, é chamada de “constructo”, justamente porque ainda está sendo aperfeiçoada, ainda está sendo “construída”. Há definições conceituais e operacionais, como já demonstramos antes.
Os processos de integração e derivação são mais conhecidos no campo da matemática. Contudo, são esquemas lógicos anteriores à invenção do cálculo. A gramática, por exemplo, já as utilizava há muito tempo. Por exemplo, pedra, Pedro, pedreira, pedregulho e pedraria são derivações da raiz PEDR, em português, linguisticamente chamada Radical. Outra metáfora é a cebola, com suas diversas camadas. Cada camada é uma derivação. A somatória de todas as cebolas compõe a cebola integral. Um processo muito parecido é praticado pelos cientistas tanto para dar nome (conceituar) quanto para delimitar o nome (definição conceitual) das coisas que descobrem. É exatamente isso o que está acontecendo, neste momento, com o fenômeno produto tecnológico. Tanto é assim que, se se fizer uma busca nas bases científicas de dados, como Google Acadêmico, Scopus e Web of Science, muito poucas definições conceituais vão ser encontradas. No Google Acadêmico, por exemplo, encontramos apenas uma, dentre milhões de estudos sobre produtos tecnológicos. Não encontramos nenhuma nas demais.
E como proceder neste caso? Usamos derivações. A ciência já tem diversas propostas de definições para “produto”, assim como também para “tecnologia” e “tecnológico”. Neste caso, utilizamos o processo de derivação por aglutinação, onde dois ou mais conceitos ou constructos são unidos (“produto tecnológico”). Dissemos que “um produto é qualquer coisa que supre alguma necessidade” e “tecnologia é o encapsulamento de conhecimentos em algum tipo de artefato”. Disso advém que um produto tecnológico é qualquer tipo de encapsulamento de conhecimentos capaz de suprir alguma necessidade. Nesta definição está contida a natureza genérica de produto (qualquer coisa) e seu atributos diferenciador de tudo o mais (suprir necessidade), assim como a natureza genérica de tecnologia (encapsulamento de conhecimento) e seu atributo diferenciador (artefato).
A proposta de toda definição conceitual na ciência visa a universalidade do fenômeno. Isso quer dizer que a definição que construímos deve valer para todo e qualquer tipo de produto tecnológico. Engloba os produtos tecnológicos da medicina e todas as áreas da saúde, às engenharias e educação. Dá conta de todos os métodos e procedimentos de geração de produtos tecnológicos, desde os elaborados com a metodologia do design thinking às belas e artísticas embarcações construídas pelos caboclos amazônicos (e, inclusive, os que são construídos por seres sencientes, como os joões-de-barro). No caso do método científico-tecnológico (MC-T), a matéria-prima para a construção dos produtos tecnológicos é, majoritariamente, os conhecimentos de natureza científica. É por isso que é composto por quatro etapas para a geração dos conhecimentos da ciência e quatro etapas para o encapsulamento desses conhecimentos em algum tipo de artefato.
Quando falamos em produto tecnológico, sob o viés do MC-T, estamos nos referindo justamente a isso: encapsulamento de conhecimentos capaz de suprir alguma necessidade. É isso que o método considera como produto tecnológico. Essa construção foi feita com base em alguns milhares de estudos voltados especificamente para a geração de tecnologia que consultamos nos últimos 15 anos. Como não há definições cientificamente construídas para o fenômeno, esta proposta, de diversas formas, ainda está sendo apresentada às comunidades científicas, na maioria das vezes com grande receptividade, principalmente devido às várias sugestões de aperfeiçoamento, inclusive de ordem operacional.