“É cultural, nosso país internalizou o preconceito”, iniciou a cadeirante Fátima Dantas, ao falar sobre o capacitismo que sofreu durante a vida inteira. Ela tem problemas nas pernas por complicações que passou quando nasceu e hoje usa cadeira de rodas. Professora e advogada, Fátima provou que é possível superar desafios e fazer as mesmas coisas que uma pessoa sem deficiência consegue fazer.
Para ajudar a combater atitudes que ferem os direitos de pessoas com deficiência (PCDs), a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) instituiu 21 de setembro como o Dia Estadual de Conscientização sobre o Capacitismo, por meio da Lei nº 1.712, de 21 de julho de 2022.
Fátima Dantas explica o quanto é difícil quando outras pessoas não a enxergam como alguém capaz ou até mesmo com discernimento. Exemplos disso são os tratamentos que ela recebe em supermercados, agências bancárias e cartórios.
“Um dia fui ao cartório e a bancada era alta para uma cadeirante conseguir ser vista. A pessoa que empurrava minha cadeira disse que o atendimento era para mim e, mesmo assim, a atendente seguiu tratando com a minha acompanhante”, relembrou.
Outra observação que ela faz é a forma como os produtos são organizados nas prateleiras dos supermercados, o que dificulta o acesso a quem não alcança os itens que estão em locais altos.
“Organizam os produtos na horizontal, então não consigo pegar um item que esteja acima. Sugeri para um dono de supermercado que organizasse a prateleira na vertical para que o produto ficasse acessível para todos os públicos. Depois, voltei lá e estava como propus”, disse, reforçando a importância de a sociedade como um todo ouvir as demandas das pessoas com deficiência.
Apesar de ter presenciado essa resposta positiva do comerciante, o capacitismo ainda se faz muito presente na vida de Fátima. Com tristeza, ela contou que as pessoas com deficiência são vistas como desmerecedoras de viver um relacionamento amoroso ou ter um trabalho, sendo, para ela, posicionamentos que mais a machucam.
“Já ouvi que eu seria a nora perfeita que a mãe do rapaz sempre sonhou, mas era uma pena eu ser deficiente. Isso faz eu me sentir invisível, inútil. Como se eu fosse apenas um objeto sendo carregado na cadeira”, relatou aos prantos.
O presidente da ALE-RR, deputado Soldado Sampaio (Republicanos), reforçou o papel do Poder Legislativo na promoção de políticas públicas voltadas para atender às principais demandas da população.
“Essa data nos lembra da nossa responsabilidade de lutar contra qualquer forma de discriminação, especialmente contra pessoas com deficiência. O capacitismo não é apenas uma questão de preconceito, é uma barreira que impede muitos cidadãos de exercerem seus direitos e viverem com dignidade. A Assembleia está comprometida em combater essa realidade e promover uma sociedade mais inclusiva e justa para todos, sempre trabalhando para garantir que essas vozes sejam ouvidas”, destacou.
O que é o capacitismo?
Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), o capacitismo é a discriminação, violência ou atitude preconceituosa contra pessoas com deficiência.
Para especialistas, o debate é necessário para que todos entendam como comportamentos capacitistas podem causar prejuízos, em especial, à saúde mental, com a ocorrência de traumas.
A psicóloga Elorena Araújo acompanha pacientes de todas as idades, sejam eles com algum tipo de deficiência ou não.
“O impacto é o mesmo, independentemente da idade. Quando a pessoa escuta algum termo capacitista, a primeira reação que ela tem é de não querer mais sair de casa. Perde a segurança de socializar, acaba se diminuindo e achando que as outras pessoas irão olhá-la de forma diferente. Por isso, precisamos ter cuidado com nossos olhares e ações”, explicou.
Ela também frisou que políticas públicas, como a Lei 1.712, são importantes para conscientizar a população acerca do tema e, assim, modificar uma cultura preconceituosa.
“Temos que demonstrar aos outros o quanto é necessário praticar o respeito, pois ao ser capacitista, tornamos a pessoa ‘incapaz’ e destruímos o emocional dela. É importante olhar quem está ao nosso lado e modificar o nosso comportamento”, concluiu.
Termos capacitistas
No dia a dia, é comum usar expressões para demonstrar determinada situação. “Dar uma de João sem braço”, por exemplo, quando alguém se faz de desentendido para não cumprir obrigações. Mas você sabia que o termo é capacitista?
Isso porque indica que pessoas sem braço, por exemplo, são incapazes de cumprir obrigações. Outros termos comuns, que ferem as pessoas com deficiência, são:
· “fingir demência”
· “dar uma mancada”
· “está cego/surdo?”
· “estou cego de raiva”
· “mais perdido que cego em tiroteio”
· “para de ser retardado”
· “em terra de cego, quem tem um olho é rei”
· “você está sendo meio autista”
· “nem parece que você tem deficiência”
Em alguns casos, as pessoas não sabem que estão sendo capacitistas e acabam reproduzindo comportamentos pela cultura em que se inseriu.
É o caso da ambulante Deusanira da Cruz, que já usou a frase “para de fingir demência” quando, na verdade, quis dizer para a pessoa não agir com sonsidade. “Agora que eu sei, não vou mais usar”, garantiu.
“Você está surdo?” foi uma pergunta que o motorista de aplicativo Alexandre Melo sempre usou para chamar a atenção de alguém que não entendia o que ele falava. Ele também se surpreendeu com a frase “mais perdido que cego em tiroteio”, já que é considerado um ditado popular.
“Já usei essa frase em vários tipos de situação. Acredito que várias frases que falamos no dia a dia são preconceituosas e não sabemos. Se pararmos para pensar, não usaríamos”, refletiu.
Luta da pessoa portadora de deficiência
A data do Dia de Conscientização sobre Capacitismo foi escolhida em alusão ao Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência, também celebrado em 21 de setembro, criado para marcar a atuação do movimento social iniciado em 1981 a fim de garantir a participação plena em igualdade de condições.
O objetivo é mudar a realidade de uma sociedade capacitista, que enxerga as pessoas com deficiência como sendo inferiores às sem deficiência.
Bruna Cássia
Data busca alertar as pessoas sobre comportamentos capacitistas que ferem direitos de pessoas com deficiência.