Pesquisa Qualidade dos Serviços Públicos aponta os principais desafios da gestão pública em Boa Vista pós-eleição

Confeccionado pela Agenda Pública em parceria com o Instituto IDEA, estudo também revela que a capital obteve melhora nos seus indicadores de educação e saúde. – Foto: Arquivo

Buscando apresentar e fomentar propostas de melhorias em relação aos serviços públicos nas capitais brasileiras, a Agenda Pública, uma organização que atua em favor do aprimoramento dos serviços públicos no país, está divulgando a pesquisa Qualidade dos Serviços Públicos, que analisa os principais gargalos que as próximas gestões vão ter que lidar ao assumirem as cadeiras das prefeituras nas transições de governo 2024-2025. O estudo revela que os moradores de Boa Vista estão sentindo melhora nos serviços de saúde e educação infantil.

O estudo foi feito a partir da combinação de dois componentes: um deles é a avaliação de percepções e opiniões, levantada a partir de entrevistas com 3.000 pessoas nas dez maiores capitais do país. Outro é a avaliação de indicadores de desempenho das 26 capitais, elaborada a partir de dados secundários oficiais disponíveis em bancos de dados públicos. Essas informações abrangem seis temas diferentes: educação, saúde, proteção social, desenvolvimento econômico, mobilidade e gestão da qualidade. As pesquisas de opinião com usuários foi feita pelo Instituto IDEA e a Agenda Pública construiu a análise de indicadores e as sugestões de propostas de melhorias para que os gargalos de qualidade sejam superados.

Panorama sobre os principais gargalos e áreas em que Boa Vista se destaca

Educação

A taxa líquida de matrículas em creches de Boa Vista aumentou de 8,7% em 2021 para 17,1% em 2023. Um acréscimo de 8,4 pontos percentuais. Ainda, a capital registra uma taxa muito próxima a do Estado de Roraima desde 2022, sem uma diferença significativa. O município apresenta a terceira maior taxa entre as capitais da região em 2023.

Boa Vista superou a meta do IDEB em 2017, com um excedente de 0,2, e novamente em 2019, por 0,1. No entanto, não atingiu a meta em 2021. Em 2023, o índice registrou um aumento de 0,2 em comparação a 2021, mas ainda permanece abaixo do nível alcançado em 2017.

Para refletir: Antes da pandemia, o município apresentou bons resultados no IDEB, o que indica a necessidade de retomada do progresso interrompido. É essencial que Boa Vista fortaleça suas políticas educacionais, priorizando a melhoria no desempenho acadêmico e na equidade educacional.

A capital de Roraima apresentou uma alta na taxa de abandono escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental em 2020, atingindo 0,9. De 2021 a 2023, registrou uma queda de 57%, passando de 0,7 para 0,3. Por outro lado, a taxa de distorção de idade-série aumentou de 12,7 em 2021 para 15,1 em 2023, o que representa um aumento de aproximadamente 18,9%.

Boa Vista aumentou em R$ 433,12 o gasto per capita em educação entre 2020 e 2023, alcançando R$ 1.202,95. O município tem o segundo maior gasto per capita na área entre as capitais da Região Norte, superado apenas por Palmas, que registra R$ 1.720,77. Fora Palmas, Boa Vista é o único município da região com gasto per capita em educação acima de mil reais em 2023.

Recomendações:

1 – Fortalecer políticas de formação continuada de professores e de recomposição da aprendizagem. Considerando os resultados de Boa Vista no IDEB no período anterior à pandemia, é importante retomar iniciativas e fortalecer a recomposição de aprendizagem. Avaliar e fortalecer iniciativas de recomposição da aprendizagem que estejam relacionadas às Competências da Base Nacional Comum Curricular – BNCC e investir em práticas pedagógicas inovadoras que atendam às necessidades específicas dos alunos são estratégias para promover uma melhoria contínua na qualidade da educação do município. O estudo “Recomposição das aprendizagens: estratégias educacionais para enfrentar os desafios da pandemia” do Instituto Natura e Fundação Lemann descreve experiências interessantes para inspiração como o programa de tutoria e mentoria online da Prefeitura do Rio de Janeiro, “Tá On!” para turmas especiais de regularização de fluxo. O estudo pode ser acessado aqui

2 – Reduzir a taxa de distorção de idade-série. Estratégias focadas na redução da taxa de distorção de idade-série são importantes no contexto de aumento percebido nos últimos anos. Nesse sentido, são recomendações do estudo da UNICEF que pode ser acessado aqui: (i) Mapear estudantes com distorção idade-série nas escolas públicas do município e (ii) Implementar estratégia de oferta de currículos específicos para estudantes em distorção idade-série nas escolas públicas do município.

3 – Gestão eficiente dos recursos: Tendo em vista que Boa Vista apresenta o segundo maior gasto per capita em educação entre as capitais da região Norte, seria importante focar na gestão otimizada dos recursos para geração de impacto. Estratégias incluem a priorização da equidade no uso dos recursos, garantindo que áreas com maiores necessidades recebam maior atenção, e o foco em políticas com evidências. Auditorias e avaliações periódicas dos programas educacionais podem ajudar a garantir que os investimentos estão resultando em melhorias concretas na qualidade da educação.

Saúde

Boa Vista ocupa a oitava melhor classificação em relação à dimensão saúde na avaliação dos indicadores da pesquisa entre todas as capitais do país, e a segunda posição entre as capitais da região Norte.

No que diz respeito ao gasto per capita em saúde, Boa Vista registrou um aumento de R$ 280,89 entre 2020 e 2023. Com isso, ocupa a terceira posição em termos de gasto per capita em saúde na região Norte, totalizando R$ 904,90.

A capital de Roraima apresentou um crescimento significativo na cobertura da Atenção Básica, passando de 60% em janeiro de 2021 para 80,3% em setembro de 2023. Um acréscimo de cerca de 20 pontos percentuais. Ainda, está entre as três capitais da região que registrou uma cobertura acima de 80% neste período.

Boa Vista diminuiu em cerca de 33% os óbitos por causas evitáveis de 5 a 74 anos no período de 2021, com 2.118, e em 2023, com 1.423 registros.

O município reduziu significativamente a cobertura vacinal de 2021, com 54,52%, para 45,61% em 2023.

96,45% da população total de Boa Vista possui acesso aos serviços de abastecimento de água, em comparação a 79,4% no estado de Roraima. Já 92,8% têm acesso aos serviços de esgotamento sanitário, enquanto a média do estado é de 87,58%, conforme dados do SNIS em 2022.

Recomendações:

1 – Implementar estratégias para aumentar a cobertura vacinal: Frente a queda da cobertura vacinal do município, recomenda-se a adoção de estratégias como as elencadas no estudo da Subsecretaria de Saúde Gerência de Informações Estratégicas em Saúde CONECTA-SUS que pode ser acessado aqui. Destaca-se o uso de recursos de saúde digital como mensagens de texto e aplicativos com informações sobre os imunizantes, opção para agendamento em unidades de vacinação e alerta para doses em atraso. Ainda, o estudo demonstra que estratégias de educação em saúde são efetivas.

2 – Incrementar progressivamente o financiamento em saúde. Recomenda-se aumentar gradualmente o financiamento destinado à saúde, com prioridade na equidade e na eficiência na alocação dos recursos. O desenvolvimento de um plano de investimentos a longo prazo, com metas definidas para aprimorar a Atenção Básica, expandir a cobertura vacinal e elevar a qualidade dos serviços prestados à população. A gestão eficiente dos recursos, fundamentada em dados e evidências, assegura que os investimentos sejam direcionados às áreas com maior necessidade e impacto, promovendo melhores resultados na saúde pública.

3 – Implementar modelos de monitoramento e avaliação robustos: Neste sentido, com o objetivo de garantir a eficácia e a transparência dos recursos, é importante desenvolver e adotar modelos robustos de monitoramento e avaliação das despesas e políticas de saúde. Avaliações contínuas garantem que o aumento do financiamento seja bem gerido e que os recursos possam ser alocados de forma a garantir acesso a serviços de saúde de qualidade pela população.

Desenvolvimento Econômico

Boa Vista ocupa o segundo lugar na classificação em relação à dimensão de desenvolvimento econômico na avaliação dos indicadores da pesquisa entre as sete capitais da região Norte.

A capital de Roraima possui desde 2020 um saldo positivo de empregos formais segundo dados do Novo Caged. Em 2023, de acordo com os grandes grupamentos de atividade econômica, o município apresentou um saldo de 3.944 empregos formais, considerando 85% em serviços, 8% em comércio, 3% em construção, 3% indústria e 0,3% agropecuária.

Até julho de 2024, Boa Vista apresentava um saldo positivo de 3.178 empregos formais, com cerca de 87% em serviços, 8% construção, 7% indústria e 1,5% agropecuária. O setor de comércio registrava um saldo negativo de -114 empregos formais no período.

Boa Vista ocupa a 6ª posição do ranking geral do Índice de Cidades Empreendedoras (ICE) da ENAP, estudo sobre o ambiente regulatório, infraestrutura, mercado, acesso a capital, inovação, capital humano e cultura dos municípios brasileiros. É a capital da região Norte mais bem classificada.

Recomendações:

1 – Fomentar a diversificação econômica com foco em sustentabilidade e fortalecer o mercado de trabalho. Considerando o grupamento de atividade econômica de empregos formais do município em 2023, com 85% em serviços, recomenda-se investir em iniciativas que diversifiquem a economia local. Setores como a agricultura sustentável, energia renovável e ecoturismo, aproveitando o potencial natural e a localização estratégica de Boa Vista. Medidas que aumentem a resiliência do mercado de trabalho com o objetivo de melhorar a competitividade e estabilidade do município também são relevantes, como apoio ao empreendedorismo local e incentivo à formalização de emprego. Ainda, destaca-se a importância de explorar as novas economias (verde, criativa e prateada) como oportunidades para crescimento e diversificação econômica.

2 – Fortalecer políticas de inclusão produtiva: Boa Vista deve desenvolver iniciativas com o objetivo de promover a inclusão socioeconômica de parcela da comunidade em situação de vulnerabilidade, composta principalmente por brasileiros e migrantes venezuelanos. O município pode integrar a agenda de economia circular, sustentabilidade ambiental e empreendedorismo, criando oportunidades para o desenvolvimento sustentável. É essencial implementar modelos robustos de monitoramento e avaliação das políticas de inclusão produtiva, que mensurem o impacto e forneçam uma visão territorializada das demandas do município, permitindo a alocação eficiente de recursos e maximização dos resultados territorializado do município para orientar a alocação dos recursos de forma efetiva.

Investir em Infraestrutura e Conectividade: Melhorar as condições de infraestrutura de transporte, comunicação e energia, dentro de suas competências, para facilitar o fluxo de mercadorias e serviços. Entre as possíveis ações estão a ampliação da conectividade digital, promovendo maior acesso à internet em áreas urbanas e rurais, com o objetivo de atrair novas empresas, fortalecer o turismo local, e impulsionar o comércio.

Proteção Social

Panorama famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) no município de Boa Vista entre janeiro de 2021 a janeiro de 2023:

– Quantidade de famílias em situação de extrema pobreza: 18.947 a 21.166 Aumento de aproximadamente 12%

– Quantidade de famílias em situação de pobreza: 10.867 a 12.710. Aumento de aproximadamente 17%

– Quantidade de famílias com renda per capita mensal até meio salário mínimo: 44.227 a 52.395. Aumento de aproximadamente 18,5%

– Quantidade de famílias com renda per capita mensal acima de meio salário mínimo: 10.768 a 12.398. Aumento de aproximadamente 15%

Recomendações:

1 – Promover políticas de subsistência e autonomia para refugiados e migrantes. Diante do contexto de crise migratória de cidadãos venezuelanos em Boa Vista desde final de 2015, é importante implementar estratégias locais de governança migratória e de desenho de políticas públicas para migrantes. Mais recomendações podem ser acessadas no Relatório sobre a população jovem migrante venezuelana em Boa Vista, realizado pelo Instituto Auschwitz para a Prevenção do Genocídio e Atrocidades Massivas (AIPG), que pode ser acessado aqui

1 – Fortalecer o Sistema de Assistência Social Municipal. Garantir a cobertura e adequação dos serviços de assistência social às necessidades identificadas nas avaliações contínuas dos serviços prestados e na análise dos dados, com o objetivo de aumentar a capacidade de resposta às demandas da população. Ressalta-se ainda que o Cadastro Único é um instrumento para focalização de políticas públicas que pode ser utilizado pela prefeitura na gestão e tomada de decisões voltadas à identificação das famílias em situação de vulnerabilidade. As informações disponíveis possibilitam a elaboração de diagnósticos e de políticas sociais. Por isso, a atualização e manutenção do CadÚnico deve ser tratada como uma prioridade pela gestão municipal.

3 – Promover políticas de igualdade racial e de gênero. A promoção de políticas de igualdade racial e de gênero deve ser tratada como uma prioridade. As iniciativas da Prefeitura, como a Patrulha Maria da Penha, precisam ser continuamente monitoradas e avaliadas em termos de impacto, permitindo ajustes e direcionamento de recursos conforme necessário. É preciso garantir que os programas alcancem seus objetivos e, se necessário, recebam maiores investimentos para ampliar sua eficácia.

4 – Priorizar medidas de adaptação e mitigação climática de forma integrada. As mudanças climáticas afetam desproporcionalmente as populações em situação de vulnerabilidade, tornando fundamental a adoção de medidas abrangentes e coordenadas nas políticas públicas para aumentar a resiliência das comunidades. Possíveis recomendações incluem o mapeamento dos riscos climáticos e de vulnerabilidades; bem como o planejamento e implementação de intervenções estruturais e não estruturais. Uma referência de conteúdo de com boas práticas e orientações são os guias do Escritório da Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres de como construir cidades mais resilientes que podem ser acessados aqui

Mobilidade Urbana

Entre 2017 a 2022, o município diminuiu o número de internações por sinistro de trânsito por 100 mil habitantes de 869 a 129, o que corresponde a uma redução de aproximadamente 85%. Considerando o período de 2017 a 2021, a taxa de mortalidade em sinistro de trânsito por 100 mil habitantes reduziu de 28 para 19, uma redução de cerca de 32%.

Boa Vista apresenta um impacto de 18,41% no gasto mensal com Transporte Público, segundo estudo entre capitais brasileiras. O município ocupa a 22ª de 28 posições, empatada com as cidades de Belém, Rio de Janeiro e Recife.

1 – Avaliar o impacto no gasto mensal. Analisar os custos diretos e indiretos para os usuários do transporte público do município e o impacto sobre a acessibilidade e uso. Utilizar essas informações para ajustar políticas, garantindo que o transporte público seja acessível e financeiramente sustentável.

2 – Promover e divulgar resultados de pesquisas de avaliação contínua da mobilidade urbana. Investir na realização e divulgação regular de pesquisas sobre a eficácia das políticas de transporte, a satisfação dos usuários e as áreas que necessitam de melhorias. Divulgar os resultados a fim de garantir transparência e promover ações informadas para o aumento da qualidade do transporte público.

3 – Fortalecer iniciativas de mobilidade ativa. Com o objetivo de promover a segurança no trânsito e a qualidade de vida da população, é recomendada a adoção e aprimoramento de medidas voltadas à mobilidade ativa, como a criação de calçadas seguras e ciclovias. Além disso, as avaliações dos projetos de infraestrutura devem ser divulgadas e abertas à participação pública, permitindo que os cidadãos contribuam para a identificação e avaliação dos impactos na redução de acidentes, na diminuição da poluição e no incentivo a hábitos de vida mais saudáveis.

Gestão da Qualidade

Boa Vista apresenta uma nota 6,49 na Escala Brasil Transparente de 2020 da Controladoria-Geral da União (CGU), que avalia a transparência pública em relação à promoção do acesso à informação. A menor nota entre as capitais da região Norte.

De acordo com o Mapa de Governo Digital de 2022, a capital responde positivamente a 7 dos 12 indicadores avaliados de gestão e infraestrutura (58%) e 22 dos 59 indicadores de oferta (37%).

Recomendações:

1 – Implementar novos formatos de oferta de serviços digitais. Diante da baixa adesão aos indicadores de oferta de acordo com Mapa de Governo Digital e em busca de avançar na transformação digital, Boa Vista pode implementar novos serviços digitais como votação online para orientar a tomada de decisão sobre políticas públicas, grupos de discussão como fóruns ou comunidades pela internet, enquetes onlines sobre assuntos de interesse da prefeitura, entre outros. Além de modernizar a oferta de serviços, iniciativas similares também promovem uma maior participação cidadã e uma gestão mais transparente e eficiente.

2 – Realizar e divulgar avaliações contínuas de serviços prestados. Como estabelecido na Lei Federal 13.460/2017, é responsabilidade do município realizar e publicizar os resultados das avaliações contínuas de serviços prestados pela administração direta e indireta do município. Nesse sentido, a implementação da lei é um passo importante para promover a qualidade dos serviços públicos de Boa Vista.

3 – Fortalecer as ouvidorias. Reforçar o papel das ouvidorias na coleta e análise de feedback dos cidadãos é fundamental para identificar e resolver problemas relacionados ao atendimento público. Para além da criação e manutenção de canais de comunicação eficazes, como o Portal 156 Boa Vista, destaca-se a formação de equipes dedicadas a lidar com queixas e sugestões de maneira proativa. Ademais, implementar processos para monitorar e responder às reclamações em tempo hábil pode melhorar a transparência e a satisfação dos cidadãos.

Luiz Vieira

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