Instabilidade na Saúde: deputados vão investigar denúncias apresentadas por pacientes renais em reunião de comissão especial

Eles denunciam falta de especialistas, serviços essenciais, má qualidade na alimentação e ameaças de paralisação dos atendimentos. – Fotos: Nonato Sousa / Renata Carvalho | SupCom/ALE-RR

Pacientes renais crônicos assistidos pelo Estado se reuniram com a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), nesta quarta-feira, 19, para relatar denúncias sobre o atendimento na Clínica Renal, que presta serviço ao governo estadual.

Entre as principais acusações, estão ausência de especialistas e de serviços essenciais, má qualidade na alimentação, além de ameaças de paralisação dos atendimentos e atraso no pagamento de funcionários devido à constante falta de repasses de recursos do governo à clínica, que presta serviço desde 2012 e atende mais de 370 pacientes renais atualmente.

Com isso, os deputados que compõem a Comissão de Saúde informaram que vão investigar de forma intensa as denúncias, a fim de acabar, definitivamente, com os problemas enfrentados na saúde pública. Será confeccionado um relatório, apresentado em plenário e, posteriormente, protocolado nos órgãos responsáveis.

Valéria Pinto é paciente renal.

Valéria Pinto, uma das pacientes participantes da reunião, faz hemodiálise há três anos e, atualmente, está afastada do trabalho. Ela relata que alguns serviços, como visita domiciliar de nefrologista, explicação sobre uso de medicamentos e exame de bioimpedância com profissional de enfermagem ocorrem cada vez menos por parte da unidade.

“A falta de suporte multidisciplinar também me afeta muito. A assistente social e a nutricionista aparecem de forma irregular, e quando preciso de exames importantes, como a bioimpedância, tenho que esperar muito tempo ou nem consigo fazer. Passei quatro meses sem conseguir me alimentar direito e relatei isso várias vezes para os profissionais da clínica, mas ninguém tomou providências”, relembrou.

A paciente também relatou outros problemas que têm enfrentado e afirma não conseguir suporte para resolvê-los e, por isso, segue passando por situações delicadas.

“Desde 2023, venho sentindo dores na minha fístula. Relatei isso várias vezes, mas nada foi feito. Como resultado, acabei tendo infecções e precisei ser internada. Mesmo depois de tudo, continuo enfrentando a mesma situação, sem que tomem qualquer providência”, acrescentou.

Representante da Clínica Renal, Kalil Coelho.

Conforme explicou o representante da clínica, o médico Kalil Coelho, são feitas mais de três mil sessões de hemodiálise por mês. No entanto, o local enfrenta grave crise devido à falta de repasse de recursos do governo, o que tem comprometido a qualidade do atendimento e a continuidade dos serviços.

Débitos oriundos de 2022 somavam R$ 10,8 milhões. Entretanto, nesta terça-feira (18), a clínica recebeu R$ 1,3 milhão referente a janeiro deste ano.

“Tivemos que reduzir nosso quadro de funcionários, demitindo nutricionistas, farmacêuticos e assistentes sociais. O transporte dos pacientes foi cortado e a alimentação fornecida não atende mais adequadamente às necessidades nutricionais deles. Além disso, estamos operando com um estoque de insumos que dura apenas 14 dias, o que coloca em risco a realização das sessões de hemodiálise. Para piorar, enfrentamos dificuldades logísticas, já que a reposição de insumos leva até 25 dias para chegar a Boa Vista, aumentando ainda mais os custos operacionais”, iniciou.

Outro ponto citado por Coelho foi a retenção de repasses federais por parte do Estado. Ele disse que os recursos enviados pelo Ministério da Saúde entram na conta estadual no dia 5 de cada mês, mas não são repassados à clínica com a devida agilidade.

“Isso nos impede de manter um atendimento seguro e eficiente. Essa falta de compromisso ameaça não apenas nosso funcionamento, mas principalmente a saúde e a vida dos pacientes”, disse.

O médico também denunciou crime sanitário no Hospital Geral de Roraima (HGR), que atende os pacientes renais do tipo agudo, que são pessoas com complicações gerados por outros problemas de saúde, com perspectiva de restabelecerem o quadro renal.

“Pacientes com sorologia negativa estão sendo misturados com os de positiva, incluindo casos de hepatite e HIV. O tratamento de água do HGR não é adequado para pacientes renais crônicos, pois não segue os protocolos de limpeza e desinfecção necessários. A Vigilância Sanitária deveria se posicionar sobre esse problema, porque, do ponto de vista médico, isso é um verdadeiro crime sanitário”, pontuou.

Além disso, Kalil frisou que o HGR não suporta mais do que 150 pacientes por dia, porém é a unidade disponível quando a Clínica Renal precisa suspender os serviços.

“Atualmente, não existe nenhuma estrutura no Estado capaz de atender 370 pacientes renais. No HGR e no Hospital das Clínicas, com todo o respeito aos profissionais que lá trabalham, as condições são insuficientes. A quantidade de máquinas não suporta a demanda, e o tratamento de água é pequeno, feito apenas para atendimento à beira-leito”, citou.

Adjunta da Sesau, Adilma Lucena.

Representando a Sesau, a secretária-adjunta Adilma Lucena, informou que questões administrativas impendem a quitação dos débitos.

“Esse valor ainda não foi pago, não por falta de dinheiro em caixa, mas por limitações no orçamento. O problema é que, para liberar o pagamento, é necessário um aporte orçamentário, e isso depende de processos administrativos específicos”, alegou.

Deputados repudiam instabilidade na saúde

A instabilidade na saúde de Roraima, que envolve problemas de assistência aos pacientes renais, foi repudiada pelos deputados presentes à reunião de comissão. O presidente da Casa, deputado Soldado Sampaio (Republicanos), informou que há indícios concretos de corrupção na Sesau, o que causa prejuízo para a população.

“A Secretaria de Saúde virou um caos, e já recebi várias denúncias. Sei o que está acontecendo e tenho provas sobre o esquema da secretária [Cecília Lorenzon] e o marido. Empresários estão sendo obrigados a associar contratos com empresas ligadas a familiares dela para continuar operando na saúde”, citou.

Sampaio acrescentou que não se calará e continuará lutando até afastar a atual secretária da Sesau, e responsabilizá-la legalmente.

Deputado Soldado Sampaio.

“Esse é o meu compromisso. Não podemos permitir que cidadãos brasileiros, que pagam seus impostos e têm direito ao sistema de saúde, fiquem nessa situação. Estamos falando de vidas, de pessoas que já faleceram ou que estão sofrendo. Não há alternativa. Quem não pode pagar um tratamento particular, fica à mercê do sistema falho”, frisou.

O presidente da Comissão de Saúde da ALE-RR, deputado Dr. Claudio Cirurgião (União), disse que o governador de Roraima, Antonio Denarium (Progressistas), usa a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para dar “calote” propositalmente nas empresas terceirizadas.

“Isso de não pagar as empresas é ‘combinadinho’ do governador, porque tem parecer da procuradoria defendendo o Estado. Nós chegamos a um limite em que há uma armação do governo do Estado para não pagar as empresas terceirizadas, e está aí o resultado: desassistência”, frisou.

Claudio também destacou que a titular da Sesau não presta contas desde 2022, mesmo sendo uma obrigação constitucional. “A secretária não tem coragem de vir aqui [ALE]. Toda reunião ou audiência pública para as quais Cecília é convocada, ela manda a adjunta”.

O 1º vice-presidente da ALE-RR, deputado Jorge Everton (União), também é membro da comissão, criticou a gestão do Executivo e pontuou o descaso com pessoas que acabam morrendo por falta de atendimento na saúde pública.

“Quando indagamos algo, o governador diz que não sabe o que está acontecendo, e isso é grave! Se ele não sabe o que ocorre na gestão da saúde, sobre a qual todos os dias há relatos em rádio, televisão e imprensa escrita, está sendo incompetente na gestão. Ou se sabe, é omisso e suja as mãos de sangue quando pessoas morrem ou sofrem.”

O deputado Gabriel Picanço (Republicanos), também membro do grupo, disse entender a situação da empresa em paralisar o serviço de hemodiálise quando necessário e disse ser fundamental solucionar a situação o quanto antes.

“Eu sei que, se a empresa não estiver recebendo, ela não tem como fazer nada. Então é um problema sério que precisa ser resolvido porque com saúde não se brinca. O governador sempre dizia que o problema do Estado não era de recursos e, sim, de gestão. Mas se assume que o problema era de gestão, está se comprometendo, pois não está fazendo uma boa administração na saúde, porque recursos existem. Então alguma coisa errada está acontecendo”, reforçou.

Promotor do MPRR, Igor Naves.

Órgãos pedem esclarecimentos

Após ouvir as declarações dos pacientes, o titular da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde e do Consumidor do MPRR, Igor Naves Belchior da Costa, informou que todos os dias o órgão recebe denúncias relacionadas à saúde e reforçou a importância da transparência.

“É lamentável que nem a secretária Cecília nem o governador, que são os responsáveis por essas decisões, estejam presentes. Mas, se prega transparência, é preciso agir em conformidade. O que temos vivenciado nos últimos anos, e que se intensificou nos últimos meses, chegou a um ponto insustentável”, comentou.

O promotor reafirmou o compromisso do Ministério Público em fiscalizar e ajudar a população roraimense.

Representante da OAB, Patrícia Alencar.

A advogada Patrícia Alencar representou a Comissão de Saúde da OAB-RR na reunião. Ela frisou que a ordem também tem recebido denúncias e pediu esclarecimentos sobre a falta de pagamento e omissão, o que foi esclarecido pela Sesau e a clínica.

“É importante esclarecer porque os pacientes vão à OAB, que já apresentou denúncias e requerimentos tanto para pacientes quanto para o sindicato, em razão dos funcionários que estão sem receber”, disse.

Joana Gouveia, presidente do Simesp.

A falta de pagamento foi outro tópico abordado na reunião, uma vez que eles também são prejudicados com a falta de repasses do governo. A presidente do Simesp-RR, Joana Gouveia, enfatizou que além de os salários serem abaixo do teto, os profissionais não podem contar com o salário para sobreviverem.

Por isso, era iminente uma paralisação de funcionários, mas, com a quitação do débito de janeiro, os servidores permanecem normalmente.

“São 80 trabalhadores, entre profissionais de saúde, as outras categorias, como limpeza e manutenção. O salário de técnico de enfermagem é R$ 1.518,00, enquanto o enfermeiro recebe R$ 2.232,00. Isso não é nem o piso da enfermagem. Fica impossível um colaborador com salário baixo ainda demorar a receber”, concluiu.

Bruna Cássia

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