
A competitividade é um fenômeno quase que completamente desconhecido pela maior parte dos cientistas que desenvolvem artefatos tecnológicos. Uma parcela menor tem conhecimento muito limitado e, talvez por essa razão, bastante distorcidos em relação ao que a competitividade efetivamente é e como ela é trabalhada. Isso se desdobra em uma série de consequências nocivas e, obviamente, indesejadas para os pesquisadores e suas instituições de pesquisas. Quase todos esses equívocos têm como causa a antiga concepção da origem etimológica da palavra, que lembra competição. Daí fantasiam desdobramentos, como times de futebol competindo pelos primeiros lugares em um campeonato ou para não serem rebaixados. Essa é, talvez, a fantasia menos nociva. Mas outras fantasias, arraigadas em visões de mundo também anacrônicas, imaginam guerras, como as que ocorriam na Idade Média e épocas anteriores, em que a vitória exigia pelo menos continuar vivo, de maneira que competir era equivalente a sobreviver. É verdade que essas duas formas de imaginar ainda encontra guarida na realidade. Mas elas são a cada dia menos frequentes. Vive-se o tempo das parcerias, que se intensifica constantemente, principalmente porque seus desdobramentos são mais alvissareiros que a indiferença e a guerra. Para as parcerias se efetivarem e serem bem-sucedidas, é fundamental que se compreenda a competitividade contemporânea.
A primeira coisa a ser entendida é o foco da ideia de competir. A ciência tem mostrado que, não importa qual seja o seu tipo e sua finalidade, a competição está estruturada em dois pilares: conhecimentos e habilidade. Conhecimento é a compreensão de como as coisas funcionam e acontecem, como elas se comportam, mas com uma condição: a possibilidade de demonstração. Quanto maiores forem as formas de demonstração, mais efetivos são os conhecimentos. A habilidade é conhecimento aplicado, que pode ser traduzido como capacidade que uma pessoa tem de utilizar os conhecimentos que detém. Uma equação de primeiro grau mostra que uma coisa (eixo dos y) é dependente do comportamento de outra coisa (eixo dos x). Pode-se demonstrar esse comportamento de várias maneiras e expressando-o em números. Isso é conhecimento. Quando se aplica, por exemplo, para explicar e demonstrar que os investimentos em educação podem reduzir o analfabetismo e, em seguida, realmente fazer os investimentos educacionais para que o analfabetismo seja reduzido, passamos à habilidade. Então, competir é aumentar e polir o estoque de conhecimentos e habilidades.
A segunda coisa é que a capacidade competitiva de uma equipe de pesquisadores pode ser multiplicada. Isso quer dizer que o estoque de conhecimentos e habilidades das equipes não é a soma da competitividade de João com a de José. Os conhecimentos, quando unidos, abrem-se a múltiplos focos, multiplicando-se-lhes, com o perdão do pleonasmo. Se sou capaz de criar sensores para águas e meu parceiro entende de tipologias vegetais, podemos realizar múltiplos sensores para identificar patologias de inúmeros tipos de vegetação. Quanto maiores as possibilidades associativas entre os pesquisadores, maiores suas capacidades competitivas.
A terceira coisa é relativa ao emprego da competitividade. A experiência tem mostrado que quanto maior a capacidade competitiva, maiores são as atrações que ela faz para a geração de parcerias. O mundo da tecnologia abarca tanto as muitas partes de competição, em que as equipes, atuando sozinhas ou em consórcios, disputam com outras parcelas de mercado. Essa é uma coisa interessante, mas que também está abrigada no escopo teórico de competitividade como conhecimentos e habilidades. Contudo, as grandes invenções e as soluções para graves problemas quase sempre são feitas através da atração. É o caso, por exemplo, da construção do telescópio espacial James Webb e da criação de vacinas para patologias que assolam determinadas populações. Em síntese, competitividade têm mais potencialidades de atrair convites para a geração tecnológica.
A quarta coisa é que competitividade tem a ver com capacidade solucionar problemas ou suprir necessidades. É essa a primeira e grande competição que efetivamente existe nas grandes instituições de pesquisa e suas diversas equipes de geração tecnológica. A razão dessa competição é que é ela que garante a recepção de convites para a confecção de artefatos tecnológicos e a participação em editais de seleção. Em termos mercadológicos, a competitividade é vista como a capacidade de atender à demanda de seus clientes, usuários e demandantes porque é esse potencial efetivo que traz, em contrapartida, recursos e dinheiro. Essa contrapartida vai retroalimentar a competitividade, multiplicando-a, se devidamente investida.
A quinta coisa é que a competitividade é o efeito multiplicador de benefícios. A natureza ética da geração tecnológica pode ser expressa na frase simples que vê as equipes de inovação como “fábricas do bem” ou “células de produção de bem”. Isso não quer dizer que não haja cientistas que produzem deliberadamente o mal, como os artefatos bélicos. Mas o que a prática tem mostrado é que a eticidade da maior parte das equipes de geração de tecnologias une seus esforços para melhorar e elevar o padrão de vida de grupos de pessoas, comunidades e nações. Custo baixos, eficiência e progresso tecnológico são suas causas.
O que queremos mostrar é que é preciso que se conheça com mais propriedade o que é efetivamente hoje o fenômeno da competitividade. Infelizmente, a maioria dos pesquisadores a descreve frequentemente associada a mecanismos de mercado. Evidentemente que muitas equipes tecnológicas visam a esse fim, geralmente associado a bens individuais e serviços subsidiados em conceitos antigos de participação de mercado, produtividade e capacidade de inovação em comparação a um benchmark existente ou imaginário. O que a prática de equipes de grande performance (e que obtêm todos os benefícios que a visão antiga promete) nos mostra é que os focos da competitividade devem ser, primeiro, a qualidade dos conhecimentos e habilidades da equipe. Tudo o mais é derivado dessa dimensão esquecida e desconhecida da competitividade.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
