Artigo: Tempos de truculência – Gaudêncio Torquato

Tempos de mediocridade. Tempos de ganância. Tempos de barbárie.

Hora de lembrar José Ingenieros, em seu monumental O Homem Medíocre.

A vulgaridade, ele nos ensina, só floresce quando as sociedades se desequilibram em prejuízo do idealismo. “É a renúncia do pudor do ignóbil… os homens vulgares ousam denominar ideias a seus apetites, como se a urgência de satisfações imediatas pudesse ser confundida com a ânsia de perfeições infinitas”.

Fixemos, agora, nossa visão sobre o arrogante governante, de topete alourado, que comanda a Nação da maior democracia ocidental. O que se distingue em suas feições, acentuadamente caracterizadas para parecer um feroz leão do planeta Terra, urrando para assustar aliados, impor medo aos adversários e apagar o simbolismo representado pela estátua da Liberdade, com seu facho iluminando o sonho de uma Pátria livre e democrática para milhões de imigrantes?

Tempos de truculência! Tempos de Trumpulência!

Tempos de mercantilização de valores.

Cidadania?

– Você, imigrante, quer ganhar um título de cidadão americano? Pois se dirija ao nosso balcão de negócios e aproveite os descontos. Hoje, o título está custando 5 milhões de dólares. Se não possuir essa grana, providencie com urgência seu êxodo da terra americana, sob pena de ser deportado.

Em menos de dois meses, desde 20 de janeiro passado, quando Donald Trump tomou posse, a Pátria americana ganha novos contornos. Está deixando de ser o berço dos valores espirituais – o direito de ir e vir, o livre debate entre os contrários, a livre expressão – para se transformar num grande balcão de negócios.

Ingenieros volta a lembrar: “os países são expressões geográficas e os Estados são formas de equilíbrio político. Uma Pátria é muito mais que isso, e é outra coisa: sincronismo de espíritos e corações, têmpera uniforme para o esforço, e homogênea disposição para o sacrifício, simultaneamente na aspiração à grandeza e no desejo da glória. Quando falta esta comunhão de esperanças, não há, nem pode haver Pátria. É preciso que haja sonhos comuns, anelos coletivos de grandes coisas”.

E o que se vê na terra dos americanos? O refrão nos bonés vermelhos: fazer a América grande novamente. Como? Deportando milhões de imigrantes? Vendendo títulos de cidadania para imigrantes que tenham 5 milhões de dólares para comprá-los? Anexando o Canadá, cujo primeiro-ministro, Justin Trudeau, acaba de ganhar o título de governador do 51º Estado dos EUA? Querendo puxar a Groelândia para o balcão de negócios? Ora, nosso território não está à venda, replica o governo da Dinamarca.

Será que o desprezo e o deboche do senhor Donald sobre seus aliados europeus contribuirão para engrandecer a América? Será que escantear a Ucrânia nas negociações de paz com a Rússia, quando é a própria Ucrânia que luta contra o invasor, é um gesto de respeito à soberania das Nações? As leis de outros países podem ser jogadas no lixo pelo impetuoso governante norte-americano? Traduzindo: empresas americanas, que operam no Brasil, não devem respeitar os ditames legais do país, com registro de seus negócios e de seus dirigentes?

“Fazer a América grande novamente” requer decisões como a de retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde, e também retirar o país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas?

Como é possível que o empresário mais rico do mundo, o senhor Elon Musk, detenha poder para ordenar a milhões de americanos que respondam a seus emails, dando conta do que fazem, sob pena de irem para o olho da rua? O senhor Musk, com seu gesto de levantar o braço direito, com a palma da mão aberta, em clara alusão ao nazismo, se não é membro oficial do governo, pode dar ordens aos funcionários públicos? Pode participar de reuniões com os secretários do Governo Trump? É legal que um homem de negócios tenha acesso a dado sigilosos dos americanos? Todas essas perguntas remetem à outra indagação: será que o senhor Trump considera a Casa Branca e as instituições nacionais como extensão de seu resort Mar-a-Lago, em Palm Beach?

O fato é que o mundo vive um momento borrascoso. A comunidade mundial está assombrada com a avalanche de decretos assinados pelo senhor Donald Trump, que, tempos atrás, ficou famoso, com o programa de TV “The Apprentice” (O Aprendiz), do qual era apresentador.

Até quando o freio do bom senso fará o 45º e o 47º presidente dos Estados Unidos da América cair na realidade e deixar de rugir, como o rei dos animais, ameaçando o planeta? Seus eleitores continuarão a lhe dar apoio ou repetirão o dito que marcou sua imagem: “você está demitido”?

(*) Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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