Especialistas da área de saúde, comunidade acadêmica, autoridades e representantes de sindicatos estiveram presentes na audiência pública “Câncer de Cabeça e Pescoço: os desafios para a prevenção, diagnóstico e tratamento”, promovida pela Assembleia Legislativa (ALE-RR), no Plenário Deputada Noêmia Bastos Amazonas, nesta quinta-feira, 17.
Com um enfoque na promoção de políticas públicas e na mobilização da população acerca dos fatores de risco desse tipo de câncer, que engloba diversos tumores que têm origem nas vias aerodigestivas, abrangendo áreas como boca, língua, gengivas, bochechas, amígdalas, faringe, laringe e seios paranasais, o evento foi idealizado pelo deputado Dr. Cláudio Cirurgião (União), que também preside a Comissão de Saúde e Saneamento da ALE-RR.
Palestras
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP), a doença é responsável pela morte de cerca de dez mil brasileiros anualmente. Para contextualizar a situação em Roraima, a audiência contou com palestras de especialistas, da fonoaudióloga Fernanda C. Mendes Ross, representante da Associação de Câncer de Boca e Garganta (ACBG), e o do cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital Geral de Roraima (HGR), Ruiter Diego de Moraes Botinelly.
Mendes destacou a campanha “Julho Verde” como forma de conscientização e ressaltou os principais sintomas (ferida no rosto ou na boca que não cicatriza, caroço no pescoço, dor para mastigar ou engolir, manchas vermelhas ou esbranquiçadas na boca ou nos lábios, irritação na garganta ou tosse, dores de cabeça e ouvido persistentes) e os fatores de riscos (tabagismo, álcool, Papilomavírus humano (HPV), exposição solar sem proteção, má higiene bucal, entre outros) da doença.
“A primeira coisa que observamos nas pessoas é o rosto; depois, a voz. O câncer de cabeça e pescoço ocupa o quarto lugar no ranking, quando somados todos os tipos de câncer localizados na cabeça e no pescoço, totalizando 16 tipos nessas regiões”, afirmou a especialista.
Ela também trouxe à tona os desafios da Unacon-RR (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia de Roraima) e da fonoaudiologia na reabilitação dos pacientes, que requerem investimentos em tecnologia, especialmente na aquisição de equipamentos, como a laringe eletrônica.
“A questão da comunicação depende de médicos habilitados, treinamento para uma nova voz ou o uso da laringe eletrônica, que é um dispositivo capaz de gerar vibrações nessa região e produzir som, algo que ainda não tínhamos. A Associação do Câncer de Cabeça e Pescoço, após uma intensa luta, conseguiu a incorporação desse dispositivo pelo Sistema Único de Saúde [SUS]. Hoje, ele está disponível no Ministério da Saúde, com direito a reembolso. No entanto, aqui em Roraima, conseguimos essa conquista através de uma emenda parlamentar da deputada Angela Portella”, explicou a fonoaudióloga.
A palestrante também destacou os pacientes laringectomizados, pertencentes ao Grupo de Apoio de Roraima, que tem colaborado com a Unacon desde 2017. Sebastiana Alves da Silva, usuária de laringe eletrônica, compartilhou um depoimento emocionante sobre as consequências do diagnóstico tardio.
Na segunda palestra, o cirurgião Ruiter Botinelly apresentou tópicos, como os principais tipos de tumores que se encaixam na categoria do câncer. “É uma série de doenças tanto na cabeça e no pescoço, só excluímos os tumores intracranianos. Os principais nessas localidades são os de pele, na cavidade oral [faringe e laringe] mais comum entre os homens, que são os que dão mais sequelas nos pacientes, e os da tireoide com prevalência maior entre nas mulheres”, explicou Botinelly.
Ele enfatizou a relevância do diagnóstico precoce para aprimorar os prognósticos dos pacientes e apresentou em detalhes as estatísticas do HGR. O número de pacientes matriculados, correspondente àqueles que buscam atendimento pela primeira vez com o diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço, praticamente triplicou de 2018 a 2023, passando de aproximadamente 40 para quase 150 casos nesse período.
A preocupação do cirurgião reside no fato de que, caso os investimentos na área não estejam alinhados com essa crescente demanda, o serviço, que atualmente opera sem fila de espera, pode entrar em colapso.
“A gente ainda não chegou ao ápice da procura. Então, se prevê que daqui a uns dois anos, será preciso manter o investimento na unidade de oncologia para que não tenha uma piora na prestação desses serviços. Que o paciente não espere muito para operar. A espera hoje de um paciente é zero, então ele entra, faz os exames e, em seguida, já consegue ser operado. E queremos que se mantenha desse jeito”, alertou.
Além disso, ele listou os principais obstáculos no diagnóstico e tratamento dos pacientes, tais como a falta de radioterapia e iodoterapia para os tumores da tireoide, bem como a necessidade de universalizar o acesso a métodos diagnósticos como biópsias, ultrassom e laringoscopia.
“Pacientes com tumores de laringe, por exemplo, têm dificuldades para fazer a radioterapia dentro do prazo ideal. Outro ponto é o tratamento de tumores de tireoide, que requerem iodoterapia. Não temos resultados positivos, apesar de fazer cintilografias e exames de tireoide. Os pacientes ainda precisam sair do Estado para complementar seu tratamento, seja a radioterapia para tumores de cavidade oral ou a iodoterapia para tumores de tireoide. Formas de diagnóstico mais precoces são importantes. Também precisamos universalizar o acesso aos procedimentos diagnósticos, como a laringoscopia e punção de tireoide. A preocupação é garantir igualdade de acesso à saúde, independentemente da localização no Estado”, pontuou Botinelly.
Debate amplo
Os representantes de sindicatos, médicos, secretários municipais e parlamentares também compartilharam suas experiências, preocupações e propostas para enfrentar os desafios que afetam aqueles que convivem com a doença.
Quando a palavra foi franqueada aos convidados, um dos temas mais abordados foi a ausência do tratamento de radioterapia no Estado. Um impasse judicial com o Ministério da Saúde, com atrasos em licitações, está dificultando a concretização desse serviço. Atualmente, cerca de 95% dos pacientes de câncer que necessitam de radioterapia fazem o tratamento fora.
O diretor da Unacon, Anderson Benetta, aproveitou a oportunidade para fornecer uma visão geral do aumento na demanda pelos serviços da unidade. A instituição oferece 32 serviços distintos, exclusivamente voltados para pacientes oncológicos, abrangendo 17 especialidades médicas diversas, além de contar com profissionais de diferentes áreas da saúde.
“A cada ano, a Unacon tem atendido cada vez mais pacientes. Em 2022, fechamos com 110 mil atendimentos, 31 mil a mais do que o ano anterior. Por isso, necessitamos de um aumento na estrutura física para acomodar esse fluxo, bem como a constante modernização, porque um bom atendimento, não só a ampliação da estrutura, é necessário, mas também a modernização dos equipamentos”, salientou.
A médica e professor universitária Rutiene Mesquita representou a Universidade Federal de Roraima (UFRR), falou da necessidade de investir na formação dos médicos, que é a base do diagnóstico precoce. Já o secretário de Saúde de São da Baliza, Paulo de Araújo, chamou a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos pacientes oncológicos do interior.
“Seria necessário que esses pacientes pudessem dar continuidade ao tratamento no interior antes de migrar para o HGR. Estamos buscando, inclusive, ferramentas tecnológicas que possam encurtar esse processo. Atualmente, o paciente precisa vir a Boa Vista para conseguir um agendamento, depois retorna para realizar o procedimento e precisa voltar para o acompanhamento, exames etc. Queremos que o paciente já possa vir com o procedimento agendado.”
A deputada Angela Águida Portella (PP), autora da Lei nº 1.502/2021, que estabeleceu o Dia Estadual de Combate e Prevenção à doença, o mês Julho Verde, e a realização anual de ações voltadas à conscientização sobre esse tipo de câncer, tem essa causa como uma das suas bandeiras. Ela afirmou que, apesar dos obstáculos enfrentados na execução das emendas parlamentares na área, é essencial manter o engajamento e alocar recursos para o tratamento.
“Uma coisa é os recursos serem executados, outra é alocarmos. Mas precisamos continuar esse alerta, continuar lutando. Agora, vamos iniciar o período das emendas parlamentares. Então, quero me colocar à disposição, vou conversar com os nossos colegas de Parlamento. Confiamos muito na prevenção, mas quando se precisa de tratamento, se precisa dar condições”, afirmou a parlamentar.
A deputada Catarina Guerra (União) enfatizou que o Poder Legislativo é o fórum apropriado para conduzir tais discussões.
“A gente percebe cada vez mais a área da saúde muito presente aqui dentro da Assembleia Legislativa. Essa forma de diálogo, de debater, de ser questionado e entender as pessoas, com certeza, é o mais importante, pois por aqui buscamos mecanismos de maior facilidade, transferência direta, mesmo que, infelizmente, muitas emendas da saúde não sejam executadas. Então, quero me colocar à disposição para que a gente possa alocar, remanejar, para que elas cheguem à população.”
Saúde na LOA
Após o encerramento da audiência, o deputado Cláudio Cirurgião detalhou os principais pontos debatidos durante o encontro e delineou as etapas seguintes para atender às necessidades dos pacientes.
“A partir da conclusão desta nossa reunião, vamos elaborar um relatório. Convoquei aqui e solicitei que todos os secretários municipais tragam suas ideias, planos e planejamentos até o fim de setembro. Enfim, as propostas que os municípios têm, para que possamos incluir todas essas sugestões no orçamento de 2024, por meio da Lei Orçamentária Anual.”
O deputado ainda ressaltou a importância da colaboração de todos os níveis da administração pública no processo de elaboração do orçamento participativo.
“Aos secretários municipais que estiveram presentes aqui e à Secretaria Estadual de Saúde, pedimos que todos esses projetos, não apenas em relação à saúde, mas de maneira geral, sejam trazidos para nós, para que possamos discutir com os deputados na comissão de saúde as principais prioridades para o avanço em Roraima”, concluiu o presidente da comissão.
Também estiveram presentes os secretários estaduais de Saúde dos municípios de Cantá, Alex Lima, de Amajari, Irislandia Galvão, o adjunto de Bonfim, Jader Vieira Gil, Tárcia Millene Barreto, presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RR), Thiago Reis, presidente do Sindicato de Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais de Roraima (Sinfito-RR), Maria de La Paz, presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem (Sindprer), e os cirurgiões de cabeça e pescoço Josinaldo Aguiar dos Reis e Fernando André Martins Ferreira, entre outros profissionais da saúde e interessados no assunto.
O evento também foi transmitido ao vivo pelo canal do Parlamento no YouTube (@assembleiarr).
Suellen Gurgel