Os estudos científicos têm uma lógica (chamada método científico) para gerar suas descobertas e outra lógica para fazer a comunicação delas. Temos detalhado como essas descobertas são geradas com o intuito de se produzir artefatos tecnológicos seguindo o método científico, que começa com a dúvida sistemática e termina com a apreciação das descobertas pela comunidade científica através da sua publicação. E publicar implica, naturalmente, redigir, escrever. O desafio da redação é similar à da própria produção dos conhecimentos: precisa ser planejada, em conformidade com um método aceito pela comunidade científica, que quase sempre está explícito nas diretrizes para autores dos periódicos científicos. Isso quer dizer que quando se pretende redigir um texto científico para ser submetido à publicação é necessário que ele seja planejado em conformidade com as diretrizes dos periódicos. E quanto mais alto for o fator de impacto da revista para onde queremos fazer a submissão, mais rigor os avaliadores terão para que a redação contenha aquelas exigências contidas nas diretrizes. Apesar de essas diretrizes diferirem grandemente de revista para revista, uma lógica fundamental está contida em todas elas, de maneira que, se for obedecida, contemplará quase todas as exigências que o manuscrito terá que cumprir. É o que vamos mostrar aqui.
Toda redação científica é um texto que conta uma história que começa com o balanço de conhecimentos oriundos da literatura científica que foram manuseados para testes empíricos, a forma como esses testes foram feitos e os resultados alcançados. É por isso que três são os grandes focos das redações científicas. O primeiro é a revisão da literatura, com o desafio de se mostrar tudo, relativamente tudo o que a ciência sabe sobre os fenômenos envolvidos no nosso estudo. Se fosse possível, teríamos que levantar a produção de todos os países do mundo em suas línguas nativas. Como não é possível, a comunidade científica se contenta com os levantamentos em língua inglesa, a língua oficial da ciência. Boa ciência se mostra em inglês. É isso o que deve conter a primeira parte. Preferencialmente, o balanço deve ser organizado em termos de partes do fenômeno (chamadas de dimensões analíticas) e seus componentes (as categorias analíticas), estruturalmente desenhadas no que se conhece por arquitetura teórica. Quando isso não é possível, apontam-se aspectos específicos e precisos que devem ser considerados sobre os fenômenos, chamados marcos teóricos. A lógica de redação dessa parte é: o que é o fenômeno (definição conceitual) e quais suas dimensões e categorias analíticas (definição operacional).
Essa arquitetura é colocada à prova porque ela é inventada. Ela é parte da genialidade dos cientistas. É a demonstração da geniosidade de se relacionar coisas que aparentemente não têm vinculação, mas que são passíveis de testagens. É nisso que se constitui a segunda parte da redação científica: a descrição dos resultados dos testes a que foi submetida a arquitetura teórica ou marco teórico. Não fazemos pesquisas científicas para explicar o que acontece com a realidade. Esse é um equívoco crasso. Fazemos estudos científicos para testar a validade do que a ciência sabe para explicar a realidade. E nesse teste de validade da ciência vamos expandindo suas fronteiras e tapando suas lacunas. É por isso que a lógica de redação dos resultados deve seguir sempre o seguinte esquema: o que está acontecendo, como acontece e por que acontece. Cada segmento desse esquema deve obrigatoriamente seguir a apresentação de evidências empíricas. É por isso que primeiro descrevemos o que encontramos para depois compararmos esse achado com o que está escrito naquela primeira parte, a revisão da literatura. Para facilitar essa complicação, devemos seguir as questões norteadoras da pesquisa, que são quem, também, orientam a redação da terceira parte fundamental do texto: a metodologia.
O desafio da metodologia é detalhar como os resultados do estudo foram achados. Essa parte tem que ser tão detalhada de forma que permita que outro cientista replique o estudo. É isso mesmo: se alguém desconfiar dos resultados, deve pedir os dados dos autores e refazer o estudo para aferir se aqueles resultados são consistentes. Como revisor, já pedi e refiz o estudo de vários manuscritos. É grande erro dizer nessa parte da redação que o estudo é qualitativo ou quantitativo, que fulano disse isso ou aquilo e coisas sem sentido. Queremos entender como cada resultado foi gerado, como cada descoberta foi feita. Por isso devemos detalhar cada uma delas. Se um estudo com cinco questões norteadoras utilizou cinco procedimentos diferentes para gerar as respostas, cada procedimento precisa ser detalhado e exemplificado. De forma prática, essa parte é uma redação que começa com as questões norteadoras (que vêm da arquitetura ou marco teórico), passa pelas etapas que levaram à geração dos resultados, prossegue com a descrição da população/amostra e/ou sujeitos, continua com a demonstração de como cada instrumento de coleta de dados foi construído e validado, como os dados foram coletados e organizados, como os dados foram analisados, como os resultados foram gerados e interpretados e termina com as limitações do estudo. Uma boa metodologia tem um tamanho similar ao do resultado/discussão em número de páginas.
Introdução e conclusão são partes antípodas. O que tiver em uma, terá que ter na outra. A introdução começa com a contextualização teórica ou empírica do estudo, prossegue com a apresentação do problema e termina com a apresentação do objetivo e a importância dele ser alcançado. A conclusão começa com a conclusão alcançada (todo estudo científico precisa ter uma conclusão), prossegue com a remodelagem do problema a partir da conclusão alcançada e termina com a recontextualização a partir da conclusão do nosso estudo. Simples de entender, mas árduo para se transformar em habilidade, como mostraremos.
(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)