Coluna C & T: Citações – Daniel Nascimento-e-Silva

As citações são fontes de alguns debates acalorados entre pessoas que não têm muita intimidade com produções científicas. Esses debates quase sempre têm como foco os aspectos formais de as citações serem feitas. Alguns recomendam, por exemplo, que sejam feitas destacadas, com todo o texto copiado de outros autores alocado abaixo, com letras menores e determinados centímetros de recuo. (Há debates até quanto ao tamanho do recuo e das fontes.) Muitos outros, que se encantam facilmente com as palavras bonitas que leem e ouvem, escolhem as citações para conferir uma certa estética aos textos que compõem. Acreditam que citando o autor A em detrimento de Z o texto ganha em acreditação. Também é comum encontrarem-se citações destratando e ridicularizando os textos dos outros, geralmente seguindo-se maquinalmente esquemas modais muito comuns periodicamente entre quem desconhece a ética científica. O que queremos mostrar é que periódicos com baixa qualidade em suas publicações passam por cima das regras elementares das citações. É isso o que vamos mostrar aqui.

Os livros antigos de metodologia dizem que existem dois tipos de citações: as diretas e as indiretas. Se for perguntando a cientistas experientes sobre qual delas se deve privilegiar, certamente eles vão dizer: nenhuma das duas. Esses livros dizem que citação direta é a transcrição literal de parte do texto de outro autor no texto que está sendo redigido. Utilizam-se as palavras na mesma ordem do original, sem nada a elas acrescentar. A citação indireta é quando uma parte de uma obra é citada no texto que estamos redigindo, tentando captar apenas a ideia central do autor e obra citada. As regras de redação desses livros dizem que as citações diretas têm que vir entre aspas e, no final da transcrição, deve-se indicar o autor, ano da publicação e número da página de onde o trecho foi copiado. É mais ou menos assim: “Atirei o pau no gato, mas o gato não morreu” (CHICA, 2022, p. 13). A regra para as citações indiretas é a mesma, com a diferença de não haver nada entre aspas e nem indicar o número da página.

No universo da ciência as coisas são um tanto quanto diferente disso tudo. As citações são circunscritas, quase sempre, às revisões da literatura. Ali as coisas funcionam mais ou menos assim: se se quiser saber que estudos consideram Educação como um processo, citaremos todos eles. Por isso é comum os cientistas restringirem suas explicações temporalmente. Nesse exemplo, poderíamos delimitar as descobertas apenas ao ano de 2022. A citação é obrigada a referenciar todos os estudos encontrados. Isso explica, por exemplo, artigos que citam inúmeros estudos só de uma vez. E são inúmeros mesmo, chegando às casas das dezenas, mais ou menos assim: “Souza, 2023; Silva, 2015; Sales, 2020; Lima, 2019; Abreu, 2020a; Abreu, 2020b; Cordeiro, 2019; Alvim, 2020; Cerdeira, 2022; Simões, 2023”. Vejamos o que se passa na cabeça dos cientistas quando fazem citações.

A primeira coisa a ser entendida é que não citamos autores. Os autores, na ciência, são irrelevantes e até mesmo prejudiciais. O que a ciência privilegia e coloca em evidência são as descobertas dos estudos científicos. O que é citado, portanto, não é o nome do autor, mas a descoberta, a ideia. É por essa razão que autores muito amados e idolatrados são praticamente inexistentes na ciência. Grandes cientistas quase sempre têm suas descobertas rapidamente expandidas, como é o caso da teoria da relatividade de Einstein, com suas muitas e distintas variantes. E quando mais se expandem, menos se fala do autor que primeiro a evidenciou.

A segunda coisa é que o que não cientistas chamam de citações, como os metodólogos, os cientistas chamam de evidências empíricas. Quando há poucos estudos sobre determinado aspecto da realidade, as evidências a serem apresentadas (as citações), naturalmente, são poucas. Inversamente, quando são muitas, elas também tendem a ser em quantitativo maior.

A maior ou menor quantidade de autores citados sempre depende da ousadia da hipótese ou questão acessória a ser respondida, que é a terceira questão a ser entendida da prática dos cientistas. Essa regra é simples: afirmativas ousadas exigem evidências empíricas ousadas. Se digo que existem poucos estudos que definem “Criminologia verde”, tenho que provar isso apresentando todos esses estudos. Se a afirmativa é no sentido contrário, sobre a fecundidade desses estudos, a quantidade de evidenciação deve ser maior, inclusive com a obrigatoriedade de apresentação de diversidade interna, reorganização das evidências.

E a quarta e última coisa é a fonte da citação. A ciência exige que a maioria das evidências sejam de estudos científicos. Preferencialmente os publicados em revistas de alto impacto. E, dentre estes, a maioria absoluta, sempre superior a 75%, de estudos de revistas internacionais – mais precisamente, em inglês. Livros podem ser citados, naturalmente, desde que sejam os objetos do estudo ou de referências, como livros de metodologia e de estatística.

Então nunca se deve transcrever trechos de obras, configurando citação direta? Sim, naturalmente, mas em uma única situação: quando se quer provar que um autor falou certa coisa exatamente com aquelas palavras. Para isso, essa citação segue a regra das figuras: dois parágrafos acima da citação deve-se descrever o conteúdo dela e dois parágrafos abaixo a sua interpretação, ou seja, dizer o sentido dela e sua implicação para o estudo.

Só para terminar: um texto repleto de citações, geralmente chamado de colcha de retalhos, é considerado plágio. Ainda que tenha uma ordem, certa lógica interna, os retalhos não levam a nenhuma ideia nova ou qualquer descoberta em seus parágrafos e seções. Quando vistas panoramicamente, as seções não dialogam entre si. No final, é um texto estéril.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

 

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