Coluna C & T: MC-T: dimensão tecnológica – Daniel Nascimento-e-Silva

A dimensão tecnológica do método científico-tecnológico é decorrente da sistematização das inúmeras metodologias correntemente existentes utilizadas e construídas pela engenharia de produtos. De forma semelhante ao procedimento utilizado para sintetizar as etapas do método científico, percebeu-se que praticamente todas as metodologias de geração e desenvolvimento de produtos é têm em comum as etapas de prototipagem, testes (e retestes), ajustes (e reajustes) e apresentação ou lançamento do produto. Em síntese, a dimensão tecnológica tem o desafio de transformar os conhecimentos científicos obtidos ou gerados na dimensão científica em produto tecnológico. Para utilizar uma metáfora logística, a dimensão científica é fornecedora da dimensão tecnológica, que é a mesma coisa que dizer que esta última é cliente da primeira. Antes, contudo, de serem apresentados os principais aspectos de cada etapa da dimensão tecnológica, é necessário que se compreendam tanto a interação quanto os meandros de cada uma delas, tomadas isoladamente, que será feito a partir de 20 artigos. Neste sentido, este primeiro apresenta o escopo do que se tem chamado de dimensão tecnológica do método científico-tecnológico.

Em primeiro lugar, estamos considerando um método como todo sequenciamento lógico de etapas que apresentem regras para serem executadas. Disso deduz-se que um método é um tipo de processo, porque é feito a partir de etapas, estágios; mas é um processo especial, porque tem regras. Se não houvesse regras, todo método seria simplesmente um processo. Essas regras disciplinam os procedimentos para que os resultados obtidos em cada etapa possam ser considerados válidos e confiáveis. Se a confiabilidade e a validade forem garantidas em todas as etapas, haverá uma grande probabilidade de que o produto final, a tecnologia, também o seja. E essa é justamente a segunda consideração a ser feita.

Estamos chamando tecnologia a todo artefato utilizado para resolver determinado problema. Um problema não necessariamente significa algo ruim, mas, sim, desafiador. Uma tecnologia que permita elevar a capacidade de aprendizagem de estudantes é um exemplo tácito de que as tecnologias não têm, necessariamente, que focar coisas negativas. Por outro lado, uma tecnologia que seja capaz de reduzir ou eliminar a desnutrição almeja, sim, a modificação de uma realidade nociva, em que a desnutrição ocupa um espaço relevante. Esses artefatos podem ser físicos, como os imunizantes, ou extrafísicos, como os softwares (na verdade, algo extrafísico ocupa uma posição física específica).

Disso advém que a dimensão tecnológica está focada na produção de artefatos físicos capazes de resolver problemas específicos. Ela representa quatro etapas que culminarão na materialização desses produtos, com uma diferença fundamental em relação a todos os outros métodos da engenharia de produtos: a sua matéria-prima, que é oriunda de conhecimentos científicos já disponíveis ou daqueles que necessariamente a equipe de pesquisa tecnológica terá que criar. Isso não quer dizer que em algum momento conhecimentos de outras naturezas não sejam utilizados. Pelo contrário, ainda é praticamente impossível que apenas a ciência seja a fornecedora da matéria-prima do método. Contudo, a maior parte desses insumos é originária da ciência, diferentemente de todas as demais metodologias existentes.

Encontram-se na literatura metodologias com diversas, distintas e até conflituosas etapas. Há metodologias com apenas três etapas genéricas, que podem ser sintetizadas meramente como pré-desenvolvimento, desenvolvimento e pós-desenvolvimento, assim mesmo, bem vagas e ambíguas, até procedimentos de múltiplas etapas, sendo sete o número mais comum. O que marca e caracteriza praticamente todas as etapas oriundas da prática do desenvolvimento de produtos sem base científica é a extensão interpretativa. Por exemplo, quase todas elas preveem o início do processo com a geração de ideias, que consideram sinônima de brainstorming. O método científico-tecnológico dá conta dessa etapa e da segunda, que é a geração de ideias, a partir das questões conceituais, estruturais e funcionais. Dito de outra forma, o MC-T apresenta a ideia do protótipo já na fase de revisão da literatura. E ainda o faz de forma muito mais consistente e válida, porque geralmente adentra a profundidade de conhecimentos com as questões processuais (quais e como executar cada etapa da prototipagem, testes e ajustes), relacionais (como uma parte ou componente se relaciona com as outras) e ambientais (quais os impactos causados pela tecnologia ao ambiente e do ambiente sobre a tecnologia e seus usuários).

As metodologias da engenharia geralmente colocam como única etapa a prototipação e o teste preliminar. O MC-T executa a prototipagem, os testes, retestes, ajustes e reajustes como etapas de campo dos testes das arquiteturas teóricas construídas a partir da revisão da literatura. Dito de outra forma, à medida que se vai adentrando e aprofundando na literatura científica existente, as fases de análise de mercado, desenvolvimento e validação de mercado, previstas pelas práticas de engenharia de produto, são realizadas também como outro estágio dos testes empíricos das construções teóricas. Em síntese, para o MC-T a revisão da literatura (e os seus testes empíricos) aponta a estrutura analítica do produto (protótipo), os testes e retestes que devem ser realizados para que possam ser feitos os ajustes e reajustes consequentes, tantas vezes quantas forem necessárias, até que o produto esteja pronto para ser lançado (também com base em revisão da literatura e testes empíricos).

Quem entra em contato com a dimensão tecnológica do método científico-tecnológico sem antes conhecer sua dimensão científica geralmente toma um choque. É que nas academias geralmente há a separação do momento do estudo científico propriamente dito do da construção da tecnologia. A consequência mais natural é se deixar de lado quase tudo ou boa parte do conhecimento científico, abrindo-se as possibilidades do improviso e da incerteza. No MC-T as etapas são feitas pari passu. Ao mesmo tempo em que se constrói conhecimento científico se está construindo a própria tecnologia. Isso será mostrado depois, em 120 artigos, 30 para cada etapa.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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