Coluna C & T: Prototipagem de conceitos – Daniel Nascimento-e-Silva

A prototipagem do conceito é o primeiro desafio dos cientistas nos seus esforços de criação de tecnologias ou produtos tecnológicos. A negligência para com essa etapa tem sido a grande causadora dos fracassos na geração tecnológica. Sem a imagem conceitual fica, muitas vezes, difícil para os financiadores, por exemplo, compreenderem o que queremos criar. A experiência tem mostrado, também, que as dificuldades de desenvolvimento são maiores quando não se tem um protótipo conceitual, de maneira que se possa ter uma ideia panorâmica do que vai ser inventado. Em termos analógicos, a prototipagem conceitual é similar às plantas panorâmicas da arquitetura, em que são colocados em primeiro plano os aspectos mais importantes da edificação que se pretende construir, tais como os jardins e as paisagens para se colocar em evidência a harmonia do prédio nesse ambiente. Com essa representação, sabe-se exatamente onde o prédio deve ser estabelecido, que alterações precisam ser feitas na paisagem natural e que construção artificial vai gerar os jardins. Isso facilita aos futuros clientes saberem, de antemão, o que estão comprando, da mesma forma que dão uma ideia precisa aos engenheiros o que, como, quando e em que sequência o protótipo vai se transformar em realidade.

Um conceito pode ser definido como uma ideia abstrata construída a partir de aspectos específicos. Isso quer dizer que se pegam partes de coisas que existem ou que sejam fáceis de serem compreendidas para se fazer algo que não existe ou que seja de difícil compreensão. Veja o exemplo: jardins são fáceis de serem compreendidos, assim como um lago de determinado lugar e casas campestres; mas uma casa específica em determinado lugar real em conjunção com jardins que ainda não existem não é uma tarefa fácil de ser falada oralmente. É aí que entram as plantas panorâmicas, que são uma forma de protótipo conceitual. Note que não é a casa propriamente que está sendo representada, mas a conjunção de edificação, jardins e ambiente natural. De forma semelhante, quando se fazem protótipos de produtos ou tecnologias, não é apenas o artefato físico em si que estará sendo prototipado, mas o seu conceito, o seu mais além.

Um conceito é uma ideia abstrata, ou seja, algo que só é “vista” pela mente. Mas essa ideia está associada a determinadas propriedades que são consideradas muito importantes e significativas para algumas pessoas, organizações ou instituições. Chamamos de propriedades a tudo aquilo que é próprio de alguma coisa, naturalmente. Essas propriedades podem ser específicas dos componentes dessa coisa ou podem apontar os benefícios que essa coisa pode gerar. O protótipo do conceito dessa coisa vai apontar justamente a sua feição, seus componentes, e/ou os benefícios, as propriedades que são significativas para um ou mais públicos-alvos que serão os seus beneficiários. Uma sequência didática, por exemplo, vai apontar seus componentes e os benefícios que ela vai gerar, assim como uma tecnologia de tradução simultânea deve ser prototipada em termos de suas propriedades significativas para o seu público-alvo.

Uma terceira forma de se entender um conceito e sua prototipagem é como um termo, também abstrato, derivado de atributos e descrições de alguma coisa que se pretende criar. Mesa é um conceito, assim como cadeira, panela e nave espacial. Todos são conceitos porque são palavras, são termos. Esses termos não são a cadeira, a panela e a nave espacial que elas representam. São abstrações, são apenas palavras, termos. Se eu falo “mesa com oito pernas”, essa fala também é uma abstração, mas já permite alguma forma de compreensão porque sei o que é uma mesa, sei o que é uma perna e sei que oito é uma quantidade. Quando associo tudo isso, tenho uma descrição da coisa chamada mesa a partir desses atributos (pernas e oito). Para fazer o protótipo desse conceito “mesa com oito pernas”, devo fazer um desenho esquemático desses atributos para transformar a abstração em algo visível, sem esquecer, mais uma vez, das propriedades que são significativas para o público-alvo.

Com essas três indicações dos conceitos poderemos entender o que é um conceito de um produto, serviço ou processo e sua consequente prototipagem. Um conceito é uma ideia, um termo abstrato que designa algo que se pretende criar. Essa ideia, contudo, precisa ser representada esquematicamente, ou seja, precisa ser transformada em um desenho, uma maquete, enfim, algo que se possa vê-la fisicamente, uma vez que ela não existe em outro lugar que não seja a mente do inventor, do cientista. Resumindo, a representação esquemática do que queremos inventar é o protótipo do conceito. Mas esse protótipo estará sempre incompleto se desconsiderar duas coisas: o suprimento de necessidades e o encapsulamento de conhecimentos.

Um protótipo conceitual é um esquema representativo se ele mostrar que necessidades vão ser supridas. A razão disso é que ninguém compra produtos, serviços ou processos. As pessoas, organizações e instituições compram soluções para seus problemas e necessidades. O esquema representativo facilita a apresentação e a demonstração das soluções embutidas no protótipo. Disso resulta que a prototipagem conceitual é baseada nas soluções e benefícios que o artefato tecnológico, serviço ou processo vai entregar. A parte física é apenas o encapsulamento dessas soluções que são construídas a partir de conhecimentos confiáveis e válidos. Para aumentar ainda mais a confiabilidade e a validade do que é produzido por seu meio é que o método científico-tecnológico se baseia em conhecimentos oriundos da ciência.

O protótipo conceitual não é um simples desenho ou um esboço de uma futura tecnologia. Ele é o produto de um grande desafio, que é o de mostrar, de forma panorâmica, mas precisa, os benefícios e soluções que serão entregues ao seu público-alvo, também chamados de propriedades significativas porque são aspectos muito valorados, de muita serventia. Como não é possível entregar essas soluções e benefícios diretamente, inventam-se artefatos físicos e extrafísicos em que elas estão contidas. É por isso que se diz que a tecnologia é encapsulamento de conhecimentos que, por sua vez, geram as soluções e benefícios.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

 

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