Coluna C & T: Protótipo de serviços – Daniel Nascimento-e-Silva

Podemos considerar os serviços como as formas através das quais determinadas necessidades são supridas através de uma sequência lógica de etapas de maneira que, quando a última delas for executada, um bem é transferido para o demandante. Essas inventividades humanas são consideradas formas enquanto maneiras, esquemas lógicos, procedimentos ou métodos, produtos da criatividade e inventividade humanas, que levam à produção de alguma coisa. Neste particular, a lógica dos serviços é muito parecida com aquelas que levam à produção de algum produto ou processo, uma vez que também visão ao suprimento de necessidades a partir de encadeamento lógico de etapas. Mas o que distingue, então, os produtos e processos dos serviços? A primeira diferença é a imaterialidade dos serviços, a segunda é que o bem gerado é incorporado ao cliente e a terceira é a sistemática de custeio. É preciso entender esses três diferenciais para que compreenda a lógica da prototipagem dessa maneira especial de suprimento de necessidades humanas.

Quando vamos ao cinema, a uma consulta médica ou nos hospedamos em hotéis e hostels, estamos suprindo nossas necessidades de diversão, serviços médicos e hospedagem. Essas necessidades são supridas por organizações que diferem muito em estruturação e operação em relação àquelas outras que produzem alguma coisa (indústrias) ou compram coisas para revender (comércio). Quando saímos do cinema, não levamos nada conosco que não seja aquela sensação de ter vivido momentos interessantes. Quando saímos dos consultórios médicos ou da internação de um hospital, não levamos com a gente nada que não seja a recuperação da saúde ou o impedimento de que ela em nós se instaure. Finalmente, quando deixamos o hotel ou hostel, apenas os momentos vividos ali e nas redondezas é que levamos com a gente. É muito diferente do que acontece quando fazemos a compra de produtos diretamente com o fabricante ou as aquisições semanais, quinzenais ou mensais nos supermercados.

Essa imaterialidade dos serviços exige, portanto, que o próprio cliente faça parte do processo de operações. Sem a participação do cliente não há a vivência da seção de cinema, tampouco a cura do paciente e muito menos o regozijo que as hospedagens proporcionam. Desde o período da demanda até tempos depois de sairmos dessas organizações, os serviços continuam em muitas delas. Por exemplo, os pacientes precisam manter contatos com os médicos e hospitais acerca do andamento dos procedimentos realizados ou recomendados. Em muitos serviços, o suprimento só é finalizado quando aquele bem procurado é efetivamente incorporado à vida do cliente. Nas seções de cinema, essa incorporação é completada já quando os clientes saem das salas de projeção, mas nos casos de consultoria jurídica e financeira, por exemplo, os procedimentos são contínuos e chegam a durar décadas. E isso tem um impacto direto em dois dos fatores que determinam o próprio suprimento dos serviços: o preço e a qualidade.

Diferentemente dos produtos, o preço dos serviços não é calculado através da fórmula p(V) = CF + CV + MC, em que p(V) é o preço de venda, CF é o custo fixo, CV é o custo variável e MC é a margem de contribuição. Geralmente a precificação depende da variedade de pequenos serviços que são demandados e consumidos, como café-da-manhã, almoço, janta, bebidas, diversos, tours e assim por diante, no caso das indústrias de hospedagens. É preciso uma sistemática diferente para valorar o que é “consumido” e determinar o preço global a ser pago pelos clientes. Em compensação, nos serviços é muito mais fácil a avaliação da qualidade do que é consumido do que nos outros tipos de organizações.

Entenda-se a qualidade como um desdobramento de diferentes formas de quantificação. Dessa forma, toda qualidade é a resultante da quantidade. A qualidade é apenas a decisão se algo está ou não conforme o que dele se espera ou do que foi contratado, que pode ser traduzido popularmente em “bom” ou “ruim”. A qualidade sintetiza, portanto, os processos de quantificação. Por exemplo, o que representa a nota 8,0 que se dá para os serviços de um cinema? A nota, sozinha, não diz nada. É preciso qualificar essa nota em termos de “bom” ou “ruim”. Assim, a nota 8,0 pode ser ruim para um hotel acostumado com notas 10, assumindo-se esta a nota máxima, enquanto para outros pode ser considerada boa. Qualidade não é sinônimo de não número, como se pensa. Por isso é mais fácil para os clientes do hospital dizerem se estão ou não satisfeitos com os serviços da portaria, elevadores, refeições, climatização e assim por diante. Sim e não. Simples assim. Nada de mais ou menos.

E como se fazem esses protótipos? De forma similar aos protótipos de processos. Há as etapas de pré-operação, operação e pós-operação. Note que nos processos de produtos chamamos tudo de produção, mas nos serviços o nome muda para operações. É que nos produtos físicos aplicamos técnicas de materialização, produzindo parte por parte, enquanto nos serviços fazemos a operação de um esquema que, apesar de estar escrito, é mental. Serviços de cinema são operados, da mesma forma que os serviços de ensino das instituições escolares. Nas atividades de operações listamos todos os procedimentos que devem ser feitos para que o bem se incorpore aos clientes, sempre atentando para o fato de que quanto mais procedimentos, mais caro será o preço global.

Os serviços derivam do verbo servir. Isso acontece em várias línguas. A ideia é exatamente essa: servir. O fato interessante é que os serviços de excelência deixam as pessoas encantadas com mais facilidade porque mexem com a alma delas. Quem está à beira da morte e é curado provavelmente será sempre grato ao serviço que recebeu. Essas técnicas de servir estão sendo transferidas para todos os tipos de organizações, até (e acreditem) nos governos, considerados os piores prestadores de serviços e péssimos produtores e vendedores.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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