Quatro aspectos das redações científicas precisam ser levados em consideração por todos os que desejam agir em conformidade com o método científico e os princípios éticos: plágio, fraude, referências e evidências. Reconhecemos que é muito difícil entender as linhas divisórias entre eles, principalmente para quem está começando ou pretende começar sua trajetória nas arenas da ciência. Talvez a origem dessa dificuldade seja o fato de que grande parte dos livros de metodologias não terem cientistas como autores. Aliado a isso, parece ser praxe por parte das instituições de baixa qualidade de ensino colocarem como professor de metodologia justamente quem não tem experiência sólida com publicações em revistas de alto impacto. Na verdade, a maioria nem publicação tem. E essa praxe vale tanto para as instituições privadas quanto as públicas. Nesse aspecto parece não haver diferença significativa entre elas. Na prática, quase todos os trabalhos acadêmicos, por exemplo, dificilmente passam na prova do plágio. Vejamos essas quatro coisas mais de perto, porque elas são cruciais no método científico-tecnológico.
O plágio, resumidamente, é a apropriação do trabalho de outra pessoa. Essa apropriação pode acontecer na totalidade, quando uma pessoa rouba o trabalho da outra e a publica como se fosse seu, ou em partes, que chamamos ideia ou descoberta. Neste caso, o plagiador pega a descoberta ou a ideia de outra pessoa e a utiliza no seu trabalho sem citar a fonte. Tão criminosa quanto essa atitude é o fato de muita gente pegar ideias e descobertas dos outros, alterar algumas partes do texto original e utilizar como se fosse concepção do plagiador. No primeiro caso há o exemplo do roubo puro e simples, enquanto no segundo é praticada uma forma de paráfrase, que é o ato de dizer a mesma coisa com outras palavras.
É preciso chamar a atenção para o tipo mais praticado de plágio, chamado de mosaico. A característica dessa desonestidade é pegar ideias de vários autores e misturá-las. Nessa mistura, o autor plagiador faz os autores citados dizerem coisas que eles jamais diriam e, inversamente, suprimem coisas que os autores citados disseram. É preciso muita atenção para perceber o plágio desse tipo de produção textual porque é habitualmente comum e até ensinado normalmente por orientadores de ensino médio a doutorado. Nesse tipo de plágio os autores são meros instrumentos para que o autor plagiador passe por válida uma determinada ideia que não se sustenta, caso utilizasse o método científico. Na verdade, o mosaico é praticado justamente por quem desconhece as regras da ciência. Caracterizam também o plágio em mosaico o fato de os textos denunciarem pessoas, instituições e autores, como se a ciência fosse um espaço de batalha. Quase todos os plagiadores em mosaico não sabem que o que escrevem e o seu proceder são plágios.
A fraude é um tipo diferente de plágio. Há a fraude da fonte, quando o autor consulta uma fonte secundária e cita a fonte primária. Um exemplo disso é quando um texto A mostra uma citação direta de um texto B e o plagiador, utilizando a ideia contida na citação de B, cita A, porque é mais recente, ou cita B porque é mais famoso. O correto é citar ambos os textos, com o famoso apud (pronunciado apud e não apud). Outra forma de fraude é adulterar ou omitir dados. Um exemplo é somar aos casos de óbitos de uma doença pandêmica aqueles decorrentes de outras naturezas apenas para inflacionar criminosamente determinada ocorrência.
E o que as referências têm a ver com fraudes e plágios? Simples: referência é citar a fonte de forma idônea. Em síntese, referenciação é citação. E citação, na prática, é dizer a fonte no exato instante em que ideias, dados e descobertas são utilizadas. Acontece, porém, que o método científico exige que esses dados, ideias e descobertas sejam tratados como dados e não unicamente como informações, exemplificações ou comprovações. Eu não posso provar que pedra é água apenas juntando a afirmativa contida em um texto A de que a água pode ser uma rocha e o texto B com outra afirmativa de que pedra pode ser água. A ciência exige experimentação, evidência empírica. Um único dado não pode ser tomado como tal, tampouco poucos deles. A ciência é universal e por essa razão deve-se trabalhar com todas as ideia, dados e descobertas relativas ao fenômeno que queremos explicar o seu comportamento. É por isso que trabalhar apenas com ideias das quais se gosta ou com as quais se afina é fraude. Citações e referências não são fontes de evidência.
E o que são evidências? São constatações que qualquer um pode fazer. O que isso quer dizer, na prática da ciência? Se eu digo que pau é pedra no meu texto, tenho que apresentar uma estrutura lógica decorrente de toda a literatura científica que trata de pau e pedra (aqui tenho que citar todas as fontes), testar essa estrutura na prática e depois relatar as constatações e refutações em relação à arquitetura teórica testada. Nesse relato devo citar novamente as fontes da literatura e as fontes empíricas, da realidade testada. Deve fazer parte deste relato um passo a passo tão minucioso que permita que outros pesquisadores coletem os mesmos dados e repliquem o estudo, para aferir a sua consistência e validade, caso desconfiem dos resultados. O resultado de cada um desses estudos replicados não pode ser muito diferente do meu. Disso advém que fraudes e plágios são uma forma de impedir o progresso da ciência.
Escrever um texto científico não é pegar ideias de autores e dar sentido a elas. Tampouco é forçar os autores dizerem aquilo que está na minha cabeça apenas articulando frases. A ciência não lida com frases, nem com ideias e muito menos com pensamentos e reflexões de quem quer que seja. A ciência é fatual, empírica. E por essa razão ela exige que todo aquele que queira se considerar um cientista aprenda a trabalhar com dados. O cientista é uma espécie de engenheiro e artista de dados. Quanto mais dados, mais beleza e precisão há na arte que produz. E menos plágios e fraudes.
(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)