É interessante como coisas que são tomadas como absolutamente simples muitas vezes são difíceis de serem compreendidas. Dentre essas coisas se encontram as questões norteadoras. Elas quase sempre são oriundas da revisão da literatura. Diferentemente do que muita, mas muita gente mesmo, imagina, há uma relação entre as questões norteadoras (que são outra forma de apresentação de hipóteses operacionais), os objetivos específicos e as dimensões e categorias analíticas que os estoques de conhecimentos científicos relativamente robustos apresentam. Em termos analógicos, se meu estudo é sobre o corpo humano, cabeça, tronco e membros fariam o papel de dimensões analíticas e ouvido, nariz, boca e sobrancelha, as categorias ou partes da dimensão. O papel da ciência, como mostrado inúmeras vezes, é ampliar o número de categorias e dimensões, sempre quando possível, analisar as possíveis relações entre elas e as de outros fenômenos ou estabelecer relações de causa-efeito. É com base nessa intenção, que chamamos de desenho da pesquisa, que toda redação científica deve se ater. Se o estudo é exploratório, a intenção é estabelecer classificações (encontrar dimensões e categorias) ou descobrir novas variáveis. Cada tipo de desenho tem sua finalidade operacional.
Essa é a lógica da redação das questões norteadoras ou hipóteses acessórias.
A operacionalização desse esquema lógico é sempre único: apresentação da descoberta, apresentação das evidências empíricas que comprovam a descoberta e comparação da descoberta com o que há de disponível ou com o que prevê a teoria ou campo teórico que fundamentou a investigação. Isso quer dizer que a redação das respostas começa já na revisão da literatura, mas sempre em forma de probabilidade, possibilidade. Nada, portanto, de se apresentar um texto mandatório, normativo, imperativo, como costumeiramente se encontra por aí. A revisão da literatura é uma redação de balanço. Por isso não pode ser um texto que dá aula, que apenas reproduz aquilo que todo mundo já sabe. É um texto arquitetado, estabelecido a partir de esquemas que o próprio autor cria. É essa invenção autoral que vai ser testada e que futuramente os resultados (chamados de descobertas) deverão ser redigidos para completar a comunicação científica.
Uma redação geometricamente feita apresenta muitas vezes, explicitamente, a estrutura da seção de resultados parecida com a seção da revisão da literatura. Nesses casos específicos, se a seção da revisão da literatura fosse estruturada como “2.1 Metodologias ativas e satisfação, 2.2 Metodologias ativas e desempenho e 2.3 Metodologias ativas e criação tecnológica”, se as questões norteadoras fossem “a) As metodologias ativas impactam o desempenho dos alunos?, b) As metodologias ativas causam satisfação nos alunos? e c) As metodologias ativas facilitam a criação tecnológica?”, a seção de resultados também deve seguir o mesmo esquema “4.1 Metodologias e satisfação, 4.2 Metodologias ativas e desempenho e 4.3 Metodologias ativas e criação tecnológica”. Por que agir assim? Simplesmente para deixar explícita, clara e precisas as descobertas.
Veja como fica fácil e simples a redação. Para cada a primeira questão norteadora, a redação do primeiro parágrafo ia começar mais ou menos assim “Há evidências empíricas de que as metodologias ativas impactam diretamente ou inversamente ou não há relação alguma com a satisfação dos alunos”. Na última possibilidade, a redação também poderia começar assim “Não há evidência empírica de relação entre metodologias ativas e satisfação”. Em seguida, explica-se o que essa frase quer dizer, para completar o parágrafo. Esse primeiro parágrafo tem sempre o desafio de deixar claro, sem ambiguidade, o que foi realmente que se descobriu.
Os parágrafos seguintes têm a missão de comprovar empiricamente o que diz o primeiro parágrafo. Eles são tão importantes que é necessário que sejam criados tantos quantas forem as evidências empíricas obrigatórias de serem apresentadas para corroborar cada um deles e, por extensão, a afirmativa contida no primeiro parágrafo. Descobertas de grande impacto (também chamadas de afirmativas impactantes) devem, obrigatoriamente, apresentar comprovações tão robustas e inéditas quanto a afirmativa feita. Cada demonstração, cada frase, cada afirmativa devem se ater exclusivamente ao que os dados permitem. Nada, portanto, de dizer que “as metodologias ativas não aumentam a satisfação dos alunos porque o papagaio da vizinha é viciado em mídias sociais da internet, se nem papagaio, nem vizinha, nem vícios, nem mídias sociais, nem internet fizerem parte da revisão da literatura.
Resumindo: apresenta-se a descoberta, assim mesmo, no singular, e depois mostram-se as evidências empíricas que corroboram-na ou não. Mas só isso não basta. É preciso redigir uma comparação dessa descoberta (não das evidências empíricas, que isso fique claro) com o que foi escrito na revisão da literatura. É que a revisão da literatura foi arquitetada, como se fosse uma construção, feita com tijolos oriundos de um grande armazém chamado conhecimento científico. Dessa comparação vem uma conclusão, que vai ser fundamental para a composição da conclusão geral do estudo. Como veremos mais adiante, a conclusão da pesquisa é feita de maneira indireta, a partir das conclusões de cada questão norteadora. É por isso que esse mesmo esquema lógico deve ser aplicado a cada questão norteadora isoladamente.
Redigir as respostas às questões norteadoras é simples e fácil. Começa-se o primeiro parágrafo apresentando a descoberta em uma oração simples “Há uma relação diretamente proporcional entre metodologias ativas e satisfação dos alunos”.
Depois apresentam-se todas as evidências obtidas para corroborar essa afirmativa, em tantos parágrafos quantas forem as evidências. Depois finaliza-se a redação apresentando-se uma comparação da descoberta com a revisão da literatura. Esse procedimento tem que ser feito para cada questão norteadora, que dará nome a cada subseção da seção de resultados.
(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)