Coluna C & T: Dados conceituais: termos de equivalência – Daniel Nascimento-e-Silva

Todo discurso científico é um discurso sobre conceitos. Falar a linguagem da ciência, portanto, é compreender os sentidos e as vertentes conceituais. E a primeira coisa que se deve fazer para dominar essa nova língua é a compreensão do que é um conceito e suas estruturas. Para o método científico-tecnológico, há conceitos definicionais e operacionais. Os definicionais dizem o que o fenômeno ou parte da realidade é (ou pode ser), no sentido de se apontarem seus limites e principais aspectos, enquanto os operacionais se esforçam em tornar os conceitos manuseáveis ou pelo menos simuláveis. Por essa razão o MC-T aponta a necessidade de se ter conhecimento dos limites científicos daquilo que se quer operacionalizar para a construção de tecnologias. Assim, as definições conceituais se revestem de vital importância para o cientista porque mostra as lacunas existentes e o que é possível de ser expandido no conhecimento sobre a realidade. Mas, para isso, é necessário que se compreenda a estrutura definicional de cada conceito.

A ciência aponta os conceitos com a seguinte estrutura. Primeiro mostra aquilo que vai ser definido, depois apresenta uma afirmativa categórica ou probabilística, em seguida vem um termo de equivalência e finaliza com uma teia de atributos que permite compreender o porquê daquele termo ser equivalente ao conceito. Vejamos um exemplo: “Homem é o ser humano do sexo masculino. “Homem” é o conceito, “é” a afirmativa categórica, “ser” humano é o termo de equivalência e “sexo” é o atributo (masculino é a categoria do atributo). Geralmente as afirmativas categóricas são típicas da filosofia, com sua pretensão de alcançar a verdade (algo só é porque é a expressão da verdade), enquanto as probabilísticas caracterizam a ciência (para a ciência a verdade não existe ou é inalcançável). Retomando o esquema, a estrutura científica ficaria: “homem pode ser definido/conceituado/percebido como o ser humano do sexo masculino”, uma vez que “pode ser definido como” é a unidade probabilística. Estruturalmente se tem: conceito = termo de equivalência + atributos.

É com base nessa concepção linguística que as definições são trabalhadas pelo MC-T. E por essa razão o primeiro desafio do cientista é quebrar as definições nas suas partes componentes. É justamente a isso que a filosofia, a lógica, a matemática e todas as ciências chamam de análise. Analisar, do grego, é quebrar, identificar as menores partes de alguma coisa para entender sua lógica. Dessa forma, as menores partes de uma definição conceitual são o termo de equivalência e os atributos. Destes, os termos de equivalência são os primeiros a serem analisados porque apontam os limites do conhecimento científico sobre o fenômeno que se quer entender, assim como as lacunas que subsistem.

É muito fácil identificar esses termos. Geralmente são a primeira palavra que aparece depois da afirmação probabilística (lembre-se de que a ciência lida sempre com um erro previsível ou estimável). Vejamos alguns exemplos: a) “Mulher pode ser definido como o ser humano do sexo feminino”, b) “Mesa pode ser conceituado como um objeto que serve para se fazerem as refeições e atividades laborais” e c) “Administração pode ser concebido como o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar recursos para alcançar os objetivos organizacionais”. Perceba que a palavra “como” vem seguida de um artigo definido ou indefinido em todas as definições. Os artigos apontam um substantivo, algo que existe na realidade ou que sua existência é suposta. É a esse substantivo que chamamos “termo de equivalência”. No exemplo a) o termo de equivalência é “ser” (humano é sua categoria), no b) é objeto e no c) é processo. Assim, a primeira (e única) palavra que aparece depois da afirmação categórica é o termo de equivalência.

Quantas definições se devem coletar? Todas. E se tiver milhares? Façam-se amostragens. E se assim ainda forem centenas? Limite a abrangência temporal. Explicando: a ciência é sempre universal. Não se fazem pesquisas para explicar a realidade da empresa A ou da universidade Alfa. Fazem-se estudos para compreender o fenômeno em todas as situações e fazer progredir a ciência. Se o fenômeno acontece em todas as ciências, de todas as ciências precisam ser coletadas as definições. Grandes e experientes cientistas trabalham com todas as definições do ano em curso. Se forem, digamos, menos de 40, eles prosseguem para o ano anterior e assim sucessivamente até encontrarem esse número. Contudo, um quantitativo de 20 definições, começando sempre do ano em curso, dá uma ideia bem nítida do estado da arte definicional. Softwares contemporâneos permitem lidar com centenas e milhares de dados. O desafio é coletar quantidades gigantescas.

O estágio seguinte da organização dos termos de equivalência é a realização da contabilidade ou estatística. É preciso saber quantos estudos apontam cada termo. Por exemplo o termo processo na definição de administração pode corresponder a X%, enquanto conjunto corresponde a Y% e esforço a W%. Essas descobertas são importantes para que se passe para a etapa seguinte, de agrupamentos semânticos, em que termos diferentes que querem dizer a mesma coisa são agrupados. Para cada agrupamento, um novo nome é inventado, construído (por isso são chamamos constructos). Finaliza-se com a busca de um termo capaz de representar todos os agrupamentos. Este será o termo a ser utilizado na investigação. Esta será a primeira descoberta sobre aquele fenômeno.

A organização dos dados conceituais começa com a identificação dos termos de equivalência de cada definição conceitual. Esta é uma atividade tipicamente de metanálise porque representa um balanço de tudo o que existe na ciência. Os termos de equivalência apontam o que os cientistas constataram, o que viram na realidade. Como cada um tem sua visão circunscrita a determinado ângulo ou ponto de vista, o que veem muda e, ao mudar, apontam para coisas diferentes. Assim, embora haja inúmeros termos diferentes, todos eles são equivalentes ao todo, ao fenômeno global. O que o MC-T faz com a organização dos termos de equivalência é a reconstituição, ainda que precária, desse todo.

(*) Daniel Nascimento-e-Silva, PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

Veja também

Topo