
Durante o feriado prolongado da Semana Santa, a pacata Vila do Paiva, na Serra do Tepequém (RR), se transformou em um verdadeiro palco a céu aberto para a arte amazônida. Nos dias 18 e 19 de abril, a 2ª edição da Mostra Picuá de Cinema e Literatura atraiu um público expressivo e plural, formado por famílias, artistas, jovens e moradores da região. A proposta: reunir diferentes expressões artísticas em dois dias de intensa celebração cultural.
Com estrutura montada na principal avenida da vila, a Mostra contou com curtas-metragens, recitais de poesia e prosa, contação de histórias, oficinas com nomes como o poeta Eliakin Rufino e a cineasta Eliza Coimbra, além de rodas de conversa e atividades para o público infantil. O evento foi realizado pela Makunaima Soluções em Turismo, com parceria da Escola de Cinema e Comunicação da Amazônia (ECCA), Platô Filmes e apoio do Sesc-RR, por meio da Lei Paulo Gustavo, executada pela Prefeitura de Amajari via Fetec.
Literatura e Interpretação: vozes e histórias premiadas
Na categoria poesia, o prêmio principal foi para Pê Artezes, com “O lugar que não é meu lar”, uma potente reflexão sobre os desafios enfrentados por mulheres migrantes em Roraima. O segundo lugar ficou com Victor Hugo Vieira, poeta macuxi, por “Ko’ko non”, homenagem à Vovó Barro. Em terceiro, Tércio Neto apresentou uma ode à região com “Tepequém Partido”.
A curadora de literatura da Mostra, Vanessa Brandão, destacou o impacto emocional da obra vencedora:
“O poema vencedor, O lugar que (não) é meu lar, de Pê Artezes, impactou o júri literário de forma coletiva, por seu poder de alteridade, de provocar empatia e nos mostrar o quanto é desafiador ser migrante em Roraima, especialmente para mulheres. E a arte, a meu ver, tem esse poder político de nos tocar e provocar mudanças de perspectivas e posicionamentos. Em breve o público poderá ver todos os poemas finalistas da Mostra Picuá e entender essa força estética e política da poesia e prosa roraimense.”
Na categoria prosa, Gabriel Alencar levou o primeiro lugar com “Percurso”, um conto protagonizado por peixes do Rio Branco ameaçados pela poluição de mercúrio. O segundo prêmio foi para “Marias”, de Andrea Estevam Dias, que aborda com sensibilidade a violência doméstica. Em terceiro, Amarildo Ferreira Júnior foi reconhecido por “Animais Selvagens”, denúncia literária sobre as queimadas em Roraima.
Já na modalidade Interpretação — avaliada pelo público —, Kamilly Lima foi destaque ao encarnar com intensidade o conto “Animais Selvagens”. O grupo formado por Hema Vieira, Luiza Danielle e Nathana Lindey conquistou o segundo lugar com a performance do texto “Marias”.
Na poesia, Kaline Barroso emocionou o público ao interpretar “O peso que me enverga a alma”, de Zany Adairalba, combinando canto e declamação. Victor Hugo Vieira, com sua própria obra “Ko’ko non”, ficou em segundo lugar.
Cinema em destaque: olhares diversos e protagonismo amazônico
A Mostra de Cinema distribuiu sete prêmios e revelou a potência das produções independentes. “Morto Não” foi eleito Melhor Filme, enquanto “Deixa” venceu na categoria de Direção. “Sereia” levou o prêmio de Roteiro e “Cabana” o de Fotografia. A montagem de “Solange Não Veio Hoje” e a trilha sonora de “Descamar” também foram reconhecidas.
Segundo o curador de cinema Frederico Martins, o filme vencedor é um exemplo de excelência técnica e sensibilidade narrativa: “Morto Não é uma obra cinematográfica que alcança excelência nos quesitos técnicos, como sua belíssima trilha sonora, a criativa mistura de linguagens, a excelente fotografia e montagem. Mas a força dessa obra reside no seu texto sensível e na construção de uma narrativa emocionante.”
O público escolheu “A Bici de Ramon”, do diretor roraimense Benjamin Mast, como Melhor Filme pelo Voto Popular — narrativa sensível sobre migração e resistência. O júri também concedeu menção honrosa a “Isso é Frescura?”, de Vanderlildo Silva, que aborda com delicadeza temas contemporâneos.
Depoimentos e projeções
Para Thiago Briglia, idealizador da Mostra, o saldo é extremamente positivo: “Feliz demais com o resultado, desde a inscrição de artistas locais até a participação do público. Tivemos três filmes de Roraima, o lançamento da websérie Eu sou Tepequém e um curta metragem na Mostra Infantil. É uma celebração da arte amazônida. Já estou empolgado para a próxima edição.”
Hélio Zanona, da Makunaima Soluções, complementa: “Agora é a etapa de valorizar os profissionais envolvidos, pagar todos os parceiros e movimentar a economia criativa. São mais de 50 pessoas diretamente ligadas à organização.”
Um território de encontros
Mais do que um evento, a Mostra Picuá reafirma-se como território de encontros e resistência cultural. Ao ecoar narrativas sobre migração, ancestralidade, violência, meio ambiente e identidade indígena, o festival contribui para ampliar vozes e visibilizar a riqueza artística dos povos da Amazônia.