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Nesta terça-feira, 10, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) realizou a audiência pública o “Combate à Mosca-da-Carambola: Desafios e Estratégias para a Proteção e Transporte”, reunindo órgãos públicos, especialistas, produtores rurais e representantes da sociedade civil.
O evento, promovido pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Pesca, Aquicultura e Política Rural, aconteceu no Plenário Deputada Noêmia Bastas Amazonas, e abordou os impactos econômicos e sociais da praga no Estado.
A mosca-da-carambola (Bactrocera carambolae) é considerada uma das pragas agrícolas mais perigosas do mundo. Com a publicação da Portaria nº 627, em novembro de 2023, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) declarou emergência fitossanitária em Roraima, Amazonas, Amapá e Pará, reforçando a necessidade de medidas preventivas contra a praga.
Desde abril de 2023, Roraima está em quarentena, proibido de exportar frutos hospedeiros da mosca, como manga, goiaba, acerola, tangerina e pitanga, para outros estados. Ao todo, a lista inclui 40 frutas.
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“Sabemos que é fundamental nos atentarmos, neste momento, ao crescimento e à produção do nosso Estado. Por isso, é mais do que justo que a sociedade organizada e nós, no parlamento, façamos a nossa parte. Com esse conjunto de esforços, podemos mitigar a dor que Roraima enfrenta devido ao gargalo representado pela mosca-da-carambola, que trava o avanço da nossa produção. Precisamos, portanto, seguir em busca de soluções para superar esse desafio e garantir o bem-estar de todos”, declarou, na abertura do encontro, o deputado Armando Neto (PL), presidente da comissão.
O vice-presidente, deputado Gabriel Picanço (Republicanos), também pediu união entre as instituições e os especialistas para preservar a produção agrícola, com atenção especial aos pequenos produtores rurais, que frequentemente não dispõem de recursos financeiros para investir na defesa agrícola.
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“Precisamos resolver essa situação com um trabalho conjunto para apoiar esses pequenos produtores, que sofrem com qualquer perda de renda gerada por sua produção. Reforço aqui o pedido para que os pesquisadores e os líderes das pastas se unam na busca por uma solução que vá além de simplesmente impor barreiras à produção. Precisamos dialogar com o governador, os prefeitos e, se necessário, buscar recursos para enfrentar esse desafio de forma efetiva”, ponderou o parlamentar.
Panorama local
A mosca-da-carambola possui características únicas que tornam seu controle desafiador. A espécie não é nativa do Brasil, o que significa que não possui inimigos naturais no país. Além disso, sua capacidade reprodutiva é extremamente alta – cada fêmea pode depositar até 48 ovos em um único fruto, o que acelera a infestação.
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Durante a audiência, pesquisadores, agricultores e autoridades apresentaram demandas e ações. Sérgio Medeiros, presidente da Cooperativa Agropecuária dos Cinco Polos (Coopercinco), compartilhou sugestões derivadas de reuniões com outras cooperativas.
“Tivemos reuniões produtivas para discutir pautas essenciais, sendo a principal delas a certificação das propriedades. Quando a praga é identificada, como em Boa Vista, todo o município é impactado, mesmo que propriedades distantes da área afetada não apresentem riscos. A certificação permitiria o trânsito livre de produtos provenientes de áreas seguras, o que reduziria significativamente os prejuízos causados”, explicou Medeiros.
Outra questão destacada foi o transporte. Medeiros sugeriu a adoção de caminhões refrigerados, lacrados na origem e abertos apenas no destino. Além disso, ele enfatizou a importância de capacitar o corpo técnico, assim como a necessidade de firmar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Amazonas, visando evitar barreiras que prejudiquem os produtores locais.
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Outro ponto amplamente debatido foi a necessidade de revisar a legislação vigente. “A atual instrução normativa precisa ser adaptada à nossa realidade local. Da forma como está, ela impõe barreiras que inviabilizam nosso trabalho. É incoerente que mercadorias provenientes do Pará, onde a praga também está presente, cheguem ao Amazonas sem restrições, enquanto as nossas enfrentam tantos obstáculos”, complementou Medeiros.
Naicon Araújo, superintendente de Agricultura e Pecuária do Estado de Roraima (SFA/RR), explicou que uma consulta pública foi aberta para a criação de um novo normativo. Segundo ele, a problemática da mosca-da-carambola vai além das responsabilidades atribuídas ao Ministério da Agricultura e exige uma ação conjunta.
“É fundamental entender que, embora frequentemente se atribua a responsabilidade ao Ministério da Agricultura, o problema da mosca-da-carambola é complexo e demanda um esforço coletivo. Devemos colocar essa questão em pauta e envolver todos os entes: prefeituras, governo estadual e o ministério. Somente com uma abordagem integrada conseguiremos avançar de forma eficaz no enfrentamento dessa praga”, afirmou.
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Hyanameyka Primo, chefe-geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), elencou as dificuldades enfrentadas em Roraima, como a falta de pesquisadores, escassez de investimentos em pesquisa e a necessidade de reproduzir iniciativas já realizadas com sucesso em outros estados, como no Amapá.
“Estamos sem um entomologista na unidade local, o que representa uma grande limitação. A Embrapa possui 43 centros de pesquisa espalhados pelo Brasil, e o Amapá, que enfrenta uma situação semelhante de infestação, já desenvolveu avanços importantes. Lá, já temos pesquisas específicas para o controle da mosca-da-carambola. Eles, por exemplo, já possuem estudos que identificaram formas de impedir o desenvolvimento da larva. Precisamos trazer essas iniciativas para cá. Com projetos e recursos, poderemos replicar e validar algumas das pesquisas realizadas em outros estados”, ressaltou.
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Sobre os frutos hospedeiros da mosca, como o mamão, a especialista destacou que já se sabe que o fruto é um hospedeiro secundário e não uma preferência da praga. Além disso, há informações indicando que o mamão verde não é atingido pela infestação, o que pode abrir possibilidades para estratégias de manejo e transporte.
Ações
Marcelo Parisi, presidente da Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr), e o pesquisador da agência, Marcos Prill, apresentaram o histórico da praga e as medidas que estão sendo desenvolvidas para combatê-la.
“Sabemos da dor que vem sendo sentida pelos produtores. No próximo ano, iniciaremos 20 linhas de pesquisa para atender às demandas de Roraima e buscar alternativas que possam contrapor a legislação federal, que tanto nos prejudica. Em um primeiro momento, precisamos focar em limitar a disseminação da praga. A mosca-da-carambola ainda não possui um protocolo abrangente de controle, apenas medidas relacionadas a áreas livres, ou seja, sem ocorrência, para que os produtos possam ser exportados”, explicou Parisi.
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Segundo Prill, particularidades do Estado, como terras indígenas, unidades de preservação, locais de difícil acesso e áreas isoladas, o período da pandemia, além da posição estratégica de Roraima, facilitaram o trânsito da mosca. Esse cenário é agravado pela fronteira com a Guiana, onde foram identificados os primeiros focos, e pela imigração venezuelana nos últimos anos, que aumentaram o risco.
Prill fez um histórico das instruções normativas que regulamentam o controle da praga, destacando as ações realizadas, como:
• atuação imediata após a primeira captura (em até 48 horas);
• lançamento de blocos com feromônios (TAM);
• pulverização de plantas hospedeiras e coleta de frutos;
• delimitação de áreas de trabalho emergencial;
• comunicação às autoridades locais em áreas indígenas;
• educação sanitária.
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Ele ainda enfatizou os desafios enfrentados pela Aderr nas ações de controle. “Controlar essa praga em áreas urbanas é especialmente difícil. Precisamos de um esforço de convencimento junto à população para evitar que frutos contaminados sejam transportados de outras regiões. O combate na zona urbana é um dos maiores desafios, pois é nesse ambiente que o controle se torna mais complicado e demanda maior cooperação”, ponderou Prill.
No segundo momento da discussão, a palavra foi franqueada à plateia, que teve a oportunidade de fazer perguntas às autoridades. Segundo produtores, essa restrição compromete a economia agrícola e coloca em vulnerabilidade a agricultura familiar, que abastece 70% do Estado.
“Já está sendo proibido ao agricultor trabalhar, pois, a cada dia que passa, é mais um em que não podemos transacionar. Amanhã, vão descobrir mais algo para proibir. Por isso, deixo aqui minha indignação em nome dos cooperados, porque é isso que ouvimos todos os dias dos nossos agricultores: ‘Vão proibir o quê agora? Vamos viver de quê?’”, desabafou Josias F. Rufino, presidente da Cooperativa de Apicultores de Roraima (Roraimel).
Próximos passos
A audiência foi encerrada com a elaboração de uma série de recomendações propostas pelo deputado Armando Neto, que serão enviadas para subsidiar uma audiência com o Ministério da Agricultura.
“Após a conclusão desta audiência pública, nossa secretaria fará a ata da reunião e um pequeno relatório, para realizarmos uma nova audiência por meio do parlamento e da Unale, junto ao Ministério da Agricultura. Estendemos também o convite para formar uma comissão nesta Casa, a fim de destravar essa problemática. Não sei se a questão é comercial, política, se é uma falha administrativa ou falta de interesse, mas precisamos ir atrás e fazer a nossa parte”, afirmou o parlamentar.
Além disso, as propostas serão debatidas pela Casa Legislativa antes da aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), que será votada em 19 de dezembro, com soluções para permitir que o Estado retome, gradativamente, sua capacidade de transporte de frutas, essencial para o fortalecimento da economia.
“Me comprometo também com o deputado Gabriel Picanço para nos reunirmos com os deputados próxima semana, pois sabemos que a emenda parlamentar é muito pequena para o tamanho deste Estado. Temos o orçamento sendo discutido, e precisamos abordar questões como o da Aderr, que, de 12 milhões, caiu para 7 milhões. Precisamos discutir isso, pois encontramos problemas como a certificação das propriedades, a capacitação dos profissionais e o levantamento em campo. Precisamos ter a boa vontade de implementar essas ações no orçamento”, concluiu o parlamentar.
A audiência foi transmitida ao vivo pela TV Assembleia e pelas redes sociais do Parlamento (@assembleiarr).
Os registros fotográficos do evento podem ser acessados no Flickr da Assembleia Legislativa.