O Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (Libras) é comemorado nesta quarta-feira, 24. A data marca quando o Brasil, por meio da Lei Federal nº 10.436/2002, reconheceu a Libras como instrumento legal de comunicação e expressão.
A Libras não é universal e deriva da Língua de Sinais Francesa (LSF), trazida ao país pelo professor francês Ernest Huet, que, em 1857, participou da fundação da primeira escola brasileira para surdos do país, na então capital federal, Rio de Janeiro.
“A raiz da Libras não é do português nem das línguas latinas, mas da língua francesa de sinais. Por exemplo, o nosso sinal de falar vem do francês parler, então nós ainda temos algumas características da língua francesa, mas como qualquer língua é viva, dialógica e passa por constantes mudanças, hoje nós temos uma língua do Brasil”, explica a professora e coordenadora do curso de Letras-Libras da Universidade Federal de Roraima, Joseane do Espírito Santo.
Diferentemente do que muitos imaginam, a língua de sinais não se resume a um mero conjunto de gestos, expressões faciais e corporais. Ela constitui um sistema linguístico completo, com os próprios mecanismos de morfologia, sintaxe e pragmática, que se manifestam na modalidade visuoespacial.
“A Libras possui uma estrutura gramatical como qualquer outra língua, assim como nós temos o português, o espanhol e as línguas indígenas, e cada uma com suas características culturais e regionais”, destaca a docente, que fez parte da primeira turma de Letras-Libras do país e da América Latina, formada na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Apesar da complexidade da língua centenária, foi somente com o reconhecimento oficial que se abriu caminho para uma série de avanços. A partir de 2005, com a edição do Decreto 5.626, foi que se incluiu a Libras como disciplina curricular obrigatória na formação de diversos profissionais, como professores surdos, professores bilíngues, pedagogos e fonoaudiólogos.
“Antes disso, tínhamos a atuação dos tradutores, cursos e formações, mas institucionalmente dentro das universidades, isso só ocorreu em 2005. Depois veio a LBI [Lei Brasileira de Inclusão], que regulamenta a profissão de tradutor e intérprete, momento em que começamos a ter documentos que norteiam toda a atuação e os direitos linguísticos da pessoa surda”, conta a professora.
Desafios e acessibilidade
Mesmo com o avanço do arcabouço jurídico, ainda há muito a ser feito para garantir a plena inclusão das pessoas surdas na sociedade brasileira. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), elas representam cerca de 5% da população, e uma parte utiliza a Língua Brasileira de Sinais como meio de comunicação.
A falta de acessibilidade em diversos ambientes, na educação, o preconceito e a desvalorização da linguagem são alguns dos desafios que precisam ser superados para efetivar a participação social dos surdos em todas as instâncias.
“Existem muitas barreiras nos concursos, nas escolas, nos bancos, então há muitas dificuldades. É muito difícil, nós sofremos muito. Precisamos incluir a língua em todos os lugares, porque ainda falta bastante. Faltam pessoas qualificadas para isso, porque queremos intérpretes que tenham diploma de Libras”, desabafa Michael Araújo, que trabalha na área administrativa e perdeu a audição devido a um problema de saúde. Ele é membro da Associação Suo Jure Surdos de Roraima, instituição que trabalha para dar visibilidade à comunidade surda local desde 2014.
Cássio Almeida também é filiado à associação. Ele nasceu com surdez profunda e aprendeu Libras numa escola bilíngue no Estado do Pará.
“Eu aprendi primeiramente a Libras e depois o português escrito. Mas mesmo sendo uma escola bilíngue, foi muito difícil, porque faltava acessibilidade, ainda mais na época em que eu nasci. Aqui em Roraima ainda não tem uma escola bilíngue, mas sei que existem muitos projetos que precisam ser tirados do papel”, reivindica o rapaz que trabalha como auxiliar de serviços gerais num hospital privado de Boa Vista e cursa Letras-Libras na UFRR.
Atenta a essas barreiras comunicacionais, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) instituiu em 2024 intérpretes e tradutores de Libras para promoverem acessibilidade nas sessões, audiências públicas, reuniões de comissões e outros eventos, bem como nas postagens nas redes sociais do parlamento (@assembleiarr).
A iniciativa pretende garantir o acesso à informação e a inclusão do segmento nas atividades da Casa Legislativa, promovendo a transparência e a democracia.
“O Poder Legislativo está comprometido com a inclusão da comunidade surda. A oferta de serviços de tradução em Libras é um passo importante para garantir o acesso à informação a todos e a participação das pessoas surdas nas atividades da Casa Legislativa”, aponta o presidente do Poder Legislativo, Soldado Sampaio (Republicanos).
A ideia, segundo a superintendente de Comunicação da ALE-RR, Sônia Lúcia Nunes, é que, até o fim do ano, além das redes sociais e da cobertura ao vivo dos acontecimentos do Legislativo, a acessibilidade seja estendida à programação da emissora da Casa.
“Nossa rede social já garantia isso. Sabemos que as redes sociais atingem um público que vai desde jovens até idosos e, futuramente, até o fim do ano, esperamos também incluir toda a programação da TV Assembleia com intérprete de Libras. Ou seja, é o nosso jornal, é o programa Em Pauta, é o Parlamento em um Minuto. Tudo que entrar na TV, que são as nossas produções locais, nós vamos garantir a acessibilidade para a comunidade surda”, adianta a superintendente.
Uma das intérpretes e tradutoras de Libras do Poder Legislativo é Beatriz Teófilo. Ela se formou na quarta turma do curso de bacharelado em Letras-Libras da UFRR, criado em 2013. A profissional afirma que as ferramentas de acessibilidade precisam ser oferecidas independentemente da solicitação.
“A acessibilidade é uma questão muito maior do que imaginamos. Quando comecei aqui na Assembleia interpretando os vídeos digitais para as redes sociais, foi um começo importante. Acredito que somos a única Assembleia que realiza esse tipo de trabalho. Não vi em Manaus, não vi aqui no Acre, não vi em Rondônia, não vi em São Paulo nem mesmo no Rio de Janeiro. Mesmo sendo vídeos curtos em uma rede social, não sabemos se entre os quarenta mil seguidores existem dois, três, quinze, cinquenta ou cem surdos. Eles também têm direito de acessar todo o conteúdo disponível, considerando que o português e a Libras são línguas completamente diferentes”, pondera a intérprete.