
¡Yakera! Para os Warao, uma das etnias presentes nos abrigos indígenas da AVSI Brasil em Roraima, o termo pode significar boas-vindas, como uma saudação. Comum entre as comunidades e os trabalhadores humanitários, a palavra relembra a importância de “manter vivo” o idioma nativo de refugiados e migrantes no Brasil. Afinal, no próximo 21 de fevereiro, o mundo celebra o Dia Internacional da Língua Materna.
Em meio aos desafios da adaptação em um novo território, o idioma nativo é uma forma fundamental para a preservação da cultura e da identidade dos povos indígenas em deslocamento. Nos abrigos indígenas Waraotuma a Tuaranoko e no Janokoida, por exemplo, são mais de cinco etnias compartilhando espaço, como Pemon, Warao, E’ñapa, Yanomami, Kariña e outras. Uma das atividades que aproxima Maria Morales, de 43 anos, da cultura Warao, é o artesanato.
“Tento manter minha cultura, principalmente, interagindo com os meus companheiros Warao, danço e faço artesanato. Me sinto triste em ver que a nossa geração está perdendo o costume de falar Warao. Acredito que, como indígenas, devemos mostrar de onde viemos e quem somos, assim como ensinar para quem tiver interesse de aprender mais sobre nós”, afirmou Maria.
Trabalho em conjunto
As coordenações e equipes de Proteção de Base Comunitária (PBC) da AVSI Brasil nos abrigos indígenas procuram colocar em prática atividades que incluam os costumes e a cultura de cada etnia. Para Marvin Edwards, oficial de PBC do abrigo Janokoida, poder desenvolver essas ações é uma experiência transformadora, tanto para a vida pessoal quanto para a profissional.

“A nossa missão é traçar estratégias para incluir toda a comunidade de um abrigo. Como estamos em um abrigo indígena com várias etnias, é um trabalho que requer sensibilidade. São visões diferentes do mundo e precisamos respeitar todas. É bem particular também, pois os indígenas são muito familiares e precisam te reconhecer como parte daquela comunidade para se sentirem confortáveis. Uma forma que encontramos de manter uma comunicação inclusiva é traduzir nossas placas informativas para todos os idiomas falados no abrigo”, contou Marvin.
No abrigo Waraotuma a Tuaranoko não é diferente. Mary Marcano, assistente de PBC, relatou como essas atividades são enriquecedoras para a equipe e comunidade. Uma das ações favoritas de Mary é a contação de lendas indígenas. Os contadores são pessoas mais velhas, da terceira idade, e os ouvintes são crianças e adolescentes.

“Esse é um momento onde eles podem compartilhar conhecimentos, tradições, cultura e identidade. Além disso, nós sempre fazemos encontros com os grupos focais, como grupos de jovens, homens, mulheres, idosos, artesãos, entre outros. Nesses encontros, procuramos fortalecer o protagonismo dessas pessoas como comunidade indígena. Por mais que eles estejam em um novo território, tentamos auxiliar para não deixarem de lado a própria origem”, explicou Mary.
Sr. Hermes e Sr.ᵃ Herminia: conhecimento Warao para a comunidade
Herminia Nunez e Hermes Mariano possuem 60 anos e são da etnia Warao. Com duas mentes preenchidas por conhecimentos sobre tradições, medicina, lendas, artesanato e muito mais, os dois estão sempre prontos para compartilhar ensinamentos com quem está interessado. O casal vive no Brasil há seis anos e tem uma missão no abrigo em que residem: não deixar o idioma Warao ser esquecido.

“Não podemos deixar a nossa história, o nosso idioma, para trás. Isso é muito importante para nós. O Warao é Warao. Temos pessoas que falam o idioma, mas já não pronunciam 100%. Para entender a nossa cultura, é preciso falar Warao. Não podemos deixar isso se perder. Não somos apenas indígenas. Somos indígenas Warao”, disse Hermes.
Para Herminia, é triste testemunhar a presença enfraquecida do idioma. “Vejo crianças que já nasceram aqui, falando português antes do espanhol ou Warao. Ensino Warao para os meus familiares que estão aqui comigo. Escuto pessoas pelo abrigo se perguntando por qual motivo devemos falar Warao se já não estamos em nossa comunidade ou na Venezuela. Isso é muito triste. O idioma não pode se perder. Falamos Warao porque somos Warao”, relatou.
Cozinha comunitária nos abrigos indígenas: culinária inclusiva
Sob a gestão da AVSI Brasil em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e a Força-Tarefa Logística Humanitária, os abrigos indígenas possuem cozinhas comunitárias. Dessa forma, os acolhidos podem preparar o próprio alimento. Afinal, a culinária indígena tem particularidades. Produzir o próprio alimento, para os indígenas, é mais uma forma de se manterem conectados com a própria cultura.

Marbella Sifontes, da etnia Pemon, reside no Janokoida, em Boa Vista. “Sinto que cozinhar me ajuda a preservar a cultura. A caça, o peixe, a pimenta fazem parte da nossa comida. Isso é o que estamos tentando fazer no abrigo. E também busco ensinar Pemon para a minha neta. É uma tarefa e um desafio diário. Ela ainda não fala, mas consegue me entender”, disse.