Língua materna: lei aprovada pela ALE-RR mantém acesas culturas e linguagens nativas

Norma reconhece como de relevante interesse línguas e culturas locais e institui dia estadual de reconhecimento. – Fotos: Eduardo Andrade | Nonato Sousa

Manter vivos a importância e o reconhecimento da linguagem nativa entre os povos tradicionais é sobre o que dispõe a Lei 1.782/2023, que reconhece como de relevante interesse cultural de Roraima as “Línguas e Culturas Locais” e institui o “Dia Estadual da Língua Materna e das Línguas e Culturas Locais”, a ser celebrado anualmente, em 21 de fevereiro. A norma é de autoria do ex-deputado Evangelista Siqueira.

A missão de perpetuar a cultura e a tradição de um povo indígena não é uma tarefa fácil para o professor e presidente da Associação Seduume, Júlio Ye’Kwana. Formado há quase dez anos em gestão territorial indígena pelo Instituto Insikiran, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), ele acredita que esses costumes estão se perdendo entre os jovens.

Júlio Ye’Kwana

“Incentivamos as pessoas a terem mais conhecimento, passando o que sabemos para elas. Os mais velhos estão tentando ensinar, mas os mais jovens estão perdendo um pouco da cultura. Mesmo assim, a escola é o único meio de transmitir o conhecimento dentro da nossa comunidade. Os professores são fundamentais para ensinar crianças e os jovens. Hoje estamos nesse processo de fomentação”, destacou.

Júlio frisa ainda a importância de conservar a língua indígena, mas também de estudar em português, para abranger seus conhecimentos e saber de seus direitos.

“Essas informações, a gente leva para as escolas. Esse é o nosso papel depois que aprendemos no Insikiran. Sou da primeira turma de gestão territorial indígena, conheci a cultura não indígena, aprendi sobre direitos humanos e dos povos indígenas. Foi importante para mim, porque abriu minha mente, e foi a partir daí que comecei a fazer parte do movimento indígena. O instituto contribuiu para eu desenvolver meu pensamento e ajudar meu povo. É importante os jovens pensarem dessa forma, para ajudarem outras pessoas e a população dentro de suas comunidades. É sempre bom aprender mais, e eu quero isso”, salientou.

Luta do movimento indígena

O Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena foi criado em 2001, ainda como núcleo. Conforme o diretor em exercício, Ariosmar Barbosa, foi um dos únicos departamentos dentro da UFRR a nascer por meio de um processo de reivindicação do movimento indígena roraimense, que se iniciou entre as décadas de 1970 e 1980.

Ariosmar Barbosa

“Eles começaram a se reunir em grandes assembleias para reivindicar seus direitos à terra, saúde e educação de formas específicas e diferenciadas. Isso culminou com a Constituição Federal que garantiu, conforme os artigos 231 e 232, as especificidades dos povos indígenas. Começaram a buscar políticas públicas para o Estado brasileiro, para que fossem implementadas ações voltadas a essas áreas. O instituto foi criado com o propósito de formar indígenas para serem professores dentro de suas comunidades e discutir questões importantes. O Insikiran tem esse tripé: saúde, educação e defesa de território”, ressaltou.

Barbosa frisa ainda que um dos focos do próprio movimento indígena é o fortalecimento das línguas, por ter uma importância significativa para quem fala, não devendo ser esquecida nem apagada.

“Uma das ações que o Insikiran oferece é a formação de pessoas para que tenham o entendimento e conheçam um pouco sobre a linguagem indígena. Muitos dos estudantes não tiveram a oportunidade de conviver com suas famílias que falam a língua tradicional. Então, são projetos que tratam sobre o fortalecimento e disseminação da língua indígena”, pontuou.

A organização já formou mais de 700 profissionais e oferta também projetos de pesquisa e extensão, bem como atividades práticas que envolvem conhecimento teórico com a vivência prática dos povos indígenas, devido à relação próxima que o instituto tem com as comunidades e organizações. “O Insikiran procura alinhar o tradicional ao científico”, concluiu.

Miscigenação

O Brasil é um país que possui uma diversidade cultural e população miscigenada. Segundo o último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, a população indígena quase dobrou em 12 anos. O órgão estimou mais de 896 mil indígenas em 2010, o que correspondia, à época, a 0,47% da população. Até o ano da publicação do levantamento, o número havia subido para mais de 1,6 milhão de habitantes.

Ainda segundo o censo, a população indígena em Roraima era de 55.922 pessoas. Atualmente, são mais de 97,3 mil, o que representa cerca de 15% do total dos 636.707 dos moradores. Com isso, o Estado possui a quinta maior população indígena do país, mas, proporcionalmente, é a unidade da federação com mais indígenas.

A data

A celebração, que decorre do Dia Internacional da Língua Materna, conscientiza a população sobre o respeito às diversidades culturais e linguísticas mundiais. Foi anunciada pela Unesco, durante a Conferência Geral, em 17 de novembro de 1999, e formalmente reconhecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas três anos depois.

A Unesco também tem o dia como objetivo de celebrar as formas de expressões pelo mundo em sua multiplicidade, e se compromete a preservar a diversidade das línguas como patrimônio comum, além de trabalhar por uma educação de qualidade – nas línguas maternas – para todos.

Suzanne Oliveira

 

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