
Nesta semana, o HMI (Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth) deu um passo importante no cuidado humanizado com a entrega da enfermaria Pétalas, um espaço silencioso, acolhedor e feito com carinho para receber mães que vivenciam a dor da perda gestacional ou neonatal.
Com quatro leitos, ambientação delicada e mensagens afetuosas nas paredes, a enfermaria foi criada para garantir respeito e privacidade às mães que perderam seus bebês. A proposta é que essas mulheres não compartilhem o mesmo espaço com mães que estão com seus filhos nos braços.
“É uma enfermaria diferenciada, voltada para aquela mãe de natimorto, ou seja, aquela mulher que gestou sua criança acima de 22 semanas e por algum motivo ocorreu o óbito do seu bebê, ou dentro da barriga ou ao nascer”, explicou o diretor-geral da maternidade, Manuel Roque.
A enfermaria nasce a partir do projeto “Filhos Invisíveis”, idealizado por Yasmin Denizard e Jade Forechi, que viveram a dor da perda e sentiram a ausência de um espaço voltado para o luto.
“É um sentimento de grande alegria termos conquistado essa enfermaria. É algo que foi sonhado durante muito tempo e que agora vem se concretizando depois de muito trabalho. Agora temos essa enfermaria representando todos os nossos filhos que não estão mais aqui fisicamente, mas que foram ponte para que outras mães sejam acolhidas de forma respeitosa e como merecem”, destacou Jade.
A equipe do HMI passou por diversas sensibilizações, além de ajustes na estrutura, abraçando a proposta com sensibilidade e empatia.
“As sensibilizações trazem essa importância do profissional saber lidar com a morte, explicamos um pouquinho do que pode ser feito, do que não pode ser feito, do que dizer, do que não dizer, como agir, porque algumas pessoas não conseguem agir e ficam impactadas com essa questão de perda, ainda mais quando se trata de perda de um filho, um bebezinho. Visamos essa humanização, a importância do acolhimento no momento do luto”, afirmou Yasmin.
O fluxo de atendimento foi pensado com delicadeza. Após o parto e o período de observação, a mãe é encaminhada à enfermaria Pétalas, onde recebe o acolhimento da equipe multidisciplinar da maternidade e do projeto Filhos Invisíveis, com suporte emocional e respeito ao seu tempo de luto.
“Esse é um projeto que envolve enfermagem, serviço social, psicologia, médicos, fisioterapeutas, administrativo e direção. Todos foram capacitados e estão mobilizados para fazer dessa enfermaria mais do que um espaço físico, um lugar de acolhimento verdadeiro”, acrescentou Manuel Roque.
Sobre o projeto
O projeto Filhos Invisíveis já atuava dentro da maternidade com gestos de memória afetiva, como pequenas lembranças dos bebês, criadas com delicadeza e respeito pelo vínculo construído. Ele funciona conforme a solicitação por meio do Instagram.
“Perguntamos se essa família gostaria de guardar alguma lembrança do bebê, oferecemos o carimbo das mãos e pés do bebê, a coleta de uma mechinha de cabelo. E possibilitamos também, se a família quiser e faça sentido, um ensaio fotográfico”, explicou Jade.
Erislane Vitória, de 22 anos, deu à luz ao pequeno e saudável José Miguel, mas depois do parto foi descoberta a Estenose pilórica, condição em que a abertura entre o estômago e o intestino delgado fica mais espessa.
“A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi eu ter conhecido as meninas e esse projeto lindo. É um projeto que abraça, em meio a tanto choro, sai sorrisos, sai alegria. Eu acho necessário as mães conhecerem esse projeto, porque ajuda muito”, relatou uma das participantes dos encontros.
Histórias cruzadas
A união entre Jade Forechi e Yasmin Denizard surgiu a partir de um encontro marcado pela dor e pela vontade de transformar o luto em acolhimento.
Jade buscava uma fotógrafa para lançar um livro sobre a vida de seus quatro filhos. Em uma cafeteria, conheceu Yasmin, que também havia perdido sua filha, e ambas se sentiram ligadas a partir da experiência da perda.
“O projeto visa acolher de forma respeitosa e digna a despedida que essas mães e familiares vão precisar fazer da breve vida de seus filhos. Pensamos na vivência, nas experiências que tivemos com a perda dos nossos filhos, e trouxemos para o meio da maternidade um espaço de respeito, de acolhimento, de que aquela dor importa sim”, explicou a fotógrafa.
Jade passou por três partos difíceis, sendo os prematuros Ágata e Miguel, que nasceram de 24 e 22 semanas, respectivamente. O pequeno Pedro, que nasceu com Síndrome de Down e cardiopatias, sendo necessária a internação hospitalar. E, mais recentemente, Raul, com 22 semanas.
“Independentemente do tempo que o bebê passa vivo, se são cinco minutos, cinco dias, cinco meses, esse tempo deve ser honrado. Essa experiência me trouxe a consciência do que era importante, então eu comemorava cada momento independente do lugar onde eu estava”, afirmou.
Já a pequena Cecília, filha de Yasmin, nasceu de 20 semanas com uma síndrome rara e hemorragias no pulmão e coração, condições que foram alertadas desde os 3 meses de gestação.
“O meu maior medo era não ter o acolhimento que eu precisava, mas me deparei com bons profissionais onde entenderam o meu espaço, que estava perdendo um filho, que eu ia parir uma criança sem vida. Me lembro com muito carinho de um enfermeiro que segurou minha mão e me pediu perdão por não ter um espaço específico para mães como eu”, relembrou.