“Eu já tive queimaduras tentando ajudar meus vizinhos. Na semana passada [fazendo referência à segunda semana do mês de março de 2024], coloquei minha vida em risco, pois fui tentar conter o avanço de um incêndio. Tinha fumaça e fogo de um lado e do outro, tive que passar com o carro no meio. A gente acha que consegue, mas é arriscado”.
O depoimento é do agricultor Pedro Alberto Freitas, conhecido na zona rural de Boa Vista como Ceará. O senhor de 59 anos, sofre todos os anos com as queimadas que afetam a região de Monte Cristo, atingem o terreno, e transformam toda a vegetação em cinzas, afetando a vida do produtor rural e dos animais da propriedade.
“Eu tenho uma bomba e uns tambores abastecidos com água em cima do carro para tentar ajudar, mas é difícil, a gente vê os animais morrendo, sem poder fazer nada, eles [animais] morrem com a fumaça. Vemos tamanduá morto, tatu peba, cobras, infelizmente não tem como eles escaparem”, lamenta Ceará.
O fogo, muitas vezes usado como técnica de cultivo, se tornou inimigo, agravando o período de estiagem, ficando incontrolável. Diante da crise, o Governo de Roraima decretou estado de emergência em nove municípios, no dia 24 de fevereiro. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima declarou estado de emergência ambiental em Roraima até abril de 2025.
Amajari, Alto Alegre, Cantá, Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Pacaraima, Normandia, são oito das 10 cidades com mais focos de queimadas no Brasil. Os municípios juntos, registraram, apenas em março de 2024, mais de 2.500 focos de incêndio, segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Os números fazem com que Roraima lidere o ranking nacional de focos de incêndios, chegando a um recorde histórico desde o início do monitoramento do Inpe, em 1998. Além de ser o maior cenário já registrado no estado nos últimos 25 anos.
Apenas em março, até a data de publicação dessa matéria, o Programa Queimadas detectou, via satélite, 599 focos de ativos no estado, gerando, ao todo, em 2024, 3.260 situações de incêndios em Roraima.
O ambientalista, Silvio Teixeira, explica que o período de verão, juntamente com o fenômeno El Ninõ, que reduz as chuvas no leste e norte da Amazônia, são colaboradores da seca na vegetação e das incontroláveis queimadas.
“Nós temos um problema seríssimo, essa situação da estiagem, com esse clima seco e o fenômeno El Ninõ, funcionam como combustível que vai somando para que a gente chegue nessa situação que está hoje [fazendo a referência ao período crítico registrado em março de 2024]”, disse o ambientalista.
No dia 15 de março, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, responsável pelo monitoramento da qualidade do ar, registrou o nível de poluição atmosférica perigosa, que é quando o Índice de Qualidade do Ar (IQA) atinge níveis acima de 300 de pontuação, sendo que os níveis bons ou moderados, vão de 0-50, e 51-100, segundo a escala IQA, emitindo um alerta de saúde e recomendando evitar atividades ao ar livre devido à poluição do ar.
As queimadas e incêndios que ocorreram no interior, segundo o 1º tenente Ricardo Almeida Fernandes, do Gabinete Militar do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), são os mais difíceis para se combater, devido à distância dos postos do Corpo de Bombeiros, localizados, principalmente, na capital, contribuindo para a quantidade de fumaça que está pairando na capital roraimense.
“As fumaças que afetam a cidade também são provenientes das queimadas no interior ou em municípios próximos. As condições climáticas e o vento podem transportar essa fumaça para áreas urbanas, formando uma massa densa e para lidar com isso, é importante conscientizar sobre a prevenção de incêndios e adotar práticas sustentáveis para reduzir as queimadas”.
Apesar da vontade em tentar apagar o fogo, o tenente explica que, na capital, a orientação é que a população entre em contato com o Corpo de Bombeiros, pois o fogo pode fugir de controle e causar um incêndio.
“Em Boa Vista e nas cidades do interior, que possuem unidades do Corpo de Bombeiros, o ideal é ligar 193, porque nós temos as condições e as ferramentas necessárias e ideais para o combate a incêndio”.
Para tentar impedir a chegada das queimadas na zona rural, os agricultores fazem aceiros (faixas ao longo das terras, próximos das cercas sem nenhum tipo de vegetação, para tentar impedir o alastramento do fogo). Mesmo assim, o agricultor, Pedro Alberto Freitas, conta que, não conseguiu impedir a queima na propriedade.
“Eu procuro manter sempre roçado ao redor, numa distância mais ou menos de 100 metros. Mas não adianta cuidar, se o vizinho não cuida. Por exemplo: eu faço o meu aceiro, mas o vizinho não, é uma luta em vão, precisa consciência”.
A esperança, segundo Ceará, é o retorno das chuvas, para amenizar as queimadas, o forte calor e dar reviver aquilo que o fogo destruiu.
“Hoje o problema está tão sério, que a esperança é esperar pela chuva e que Deus se lembre da gente aqui”.